Os gregos acreditavam em Bruxas, chamavam-nas de Parcas que teciam fios do destino entrelaçando as vidas dos mortais em tramas e tragédias.
Já o senhor Gato e a dona Onça não acreditavam em bruxas, embora devessem saber que elas existem, ah sim, elas existem...
Conta uma lenda urbana que na Cidade dos Felinos todas as mulheres eram gatas, à sua maneira, e os homens, bem, esses eram aqueles de sempre.
Sendo assim, ninguém poderia culpar o Sr Gato pela sua característica malandragem, um tanto quanto vadia, e também não poderiam dizer que não era discreto quando dava vazão aos seus instintos felinos de pular a cerca.
Como todos sabem, os gatos são muito reservados com suas necessidades e procuram escondê-las bem. Normalmente conseguem, mas quando esbarram com as tramas tecidas pelas Parcas, aquelas bruxas dos gregos, o destino assume ares de tragédia.
Decerto que alguns invocarão o famoso sexto sentido dos felinos para os proteger, mas eu advirto que mesmo este pode ser traído por um erro de interpretação e o perigo passa a ser apenas a tensão, ou deveria dizer o tesão?
E Tesão não é apenas um T maiúsculo, mas o sentimento que o Sr Gato estava tendo naquele momento em que nossa história começa. Um tesão tão grande e voraz que ameaçava devorar-lhe as entranhas, se não devorasse, ele mesmo, aquela deliciosa gata que lhe lançara a bola felpuda e macia da atração.
Sem poder resistir aos seus instintos naturais, e mesmo sem querer, as coisas progrediram rapida e facilmente para o clímax que, ambos sabiam, terminaria em uma cama. Uma Cama de gato, pra ser mais exato.
Marcado o encontro, banho de gato tomado, perfume a impregnar o ar, lá vai o Sr Gato para o seu carro esperar pacientemente para dar o seu famoso pulo.
Acaso as Parcas não fossem bruxas, poderia haver a generosidade de um ligeiro desencontro e todas as coisas tomariam rumos diferentes.
Mas Parcas são Bruxas, e Gregas, portanto nada dadas a generosidades, por outro lado, como todos sabem, os gregos inventaram as tragédias.
Sendo assim, os olhos do Sr Gato brilharam seduzidos pelas curvas de sua futura amante e sequer notaram outros pares de olhos, faiscantes, que assistiam a cena, de um lugar não muito distantes dali.
Dona Onça se mexia inquieta, a fúria a lhe escorrer pelos olhos com tal intensidade que secavam a possibilidade de qualquer lágrima que pudesse ter, ao sentir o coração ferido pela traição.
Descobrira finalmente qual seria o trabalho extra para o qual o marido havia sido escalado para fazer. Motivo de estar chegando tarde e exausto ao leito nupcial, onde lhe aguardava todos os dias a sedutora, e ultimamente frustrada, felina doméstica.
Doméstica sim, mas não domesticada, que gato não se prende tão fácil.
Em seu pensamento apenas as palavras do seu fiel amigo, que tentara, envergonhado e temeroso, coitado, lhe alertar sobre os secretos pulos do Sr Gato.
A Dona Onça chegara a discutir com o amigo, defendendo com dentes e garras o marido, acusando o amigo de ser injusto e mentiroso, e tantas coisas mais. Essa vergonha se somando a traição confirmada, quase explodindo o seu peito em dor e revolta.
Quando uma mulher é de atitude, o ímpeto que lhe vem à mente é de logo resolver a questão, sem mais delongas, e a nossa amiga lançou mão na maçaneta para abrir a porta do carro do amigo, em que presenciava a cena, e saltar mortífera sobre os desavisados pombinhos, transformados pelas artes mágicas do amor sensual.
Mas amigo que é amigo, não permite que se façam bobagens, e o amigo da Onça cingiu-lhe o peito com um abraço, impedindo-a de prosseguir no seu intento trazendo-a de volta a realidade, se não à razão.
Então, disse-lhe, não sabia ela da famosa malandragem do gatuno de corações? Não havia sido ludibriada a ponto de duvidar dos honestos interesses do amigo, quando do aviso da traição? Esta que jamais seria descoberta se não fosse pela oferta de levá-la pessoalmente até o local da tocaia? Ali estava a prova do que dizia e de suas intenções, mas ainda era pouco.
Por que por tudo à perder agora? Aguardasse o melhor momento, para que nenhuma dúvida restasse, e não houvesse desculpas de uma inocente carona de ultima hora para uma colega de trabalho.
Dona Onça com a vergonha das dúvidas e das acusações anteriores feitas ao amigo, que se mostrara fiel, ainda a lhe pesar na memória não tinha como argumentar. Quando se sofre impacto tão profundo que se perde o rumo, qualquer boa justificativa que nos oriente se apresenta como ideal. Concordou em esperar e seguir as orientações daquele que a conduzira tão brilhantemente.
As patas felinas que a cingiam em local privilegiado, foram relutantemente retiradas diante da aceitação de seguir o carro que já se encaminhava para a saída do estacionamento.
A tragédia poderia ser evitada, por inúmeros infortúnios que pudessem ocorrer, ou até mesmo por afortunada percepção que pudesse haver, aquele afamado sexto sentido que tantas vezes é ignorado. Mas as Parcas, essas bruxas, não deixam fios soltos em suas tramas e toda a atenção que o Sr Gato pudesse desviar do transito ou do trajeto era dirigida ao generoso decote de sua acompanhante e a tudo que prometia. E seguiram com sorrisos a viagem nessa barca de Caronte, que havia se tornado o seu carro.
Não se pode afirmar se foram os fios do destino ou os fluxos de hormônios que conduziram os dois carros, conectados em uma trama única, ao templo maior das paixões e traições.
O amigo da onça permitiu que o carro do Sr Gato adentrasse ao motel, parando estrategicamente longe para não ser visto, mas perto o suficiente para verificar a localização do ninho de amor.
Dona Onça já não se continha em fúria, estava à beira da paralisia mental e nas mãos do regente felino que orquestrava toda ação de forma eficiente.
Este já lhe indicava um plano a seguir, de forma a incriminar definitivamente o vadio saltador de cercas e não deixar nenhuma brecha ou dúvida que pudesse ser contestada em juízo. Arrancaria, pela ultima vez e de forma dramática, as calças dele, deixando o safado definitivamente nú em pelo.
Pelo plano entrariam juntos no motel, para não despertar suspeitas na recepção, e aguardariam em um quarto próximo o momento em que suas vitimas, outrora algozes de seu coração, estivessem se banqueteando, refestelados nos delírios da traição. Somente então a Dona Onça e seu amigo abririam a porta registrando o flagrante delito, em cena digna de novela de horário nobre.
Confusa e conduzida, nossa heroína aceitou, aguardando com seu escudeiro, sentados na cama de motel, com o marido a traí-la no quarto ao lado.
Feromônios são aqueles perfumes exalados no ar em momentos em que a luxúria e a paixão, sentimentos fortes, se tornam presentes, alterando a química corporal e mandando a racionalidade às favas. Como tempestade em mar aberto, nossa inocente amiga não teve como não romper em prantos.
E o seu galante e desinteressado protetor a abraçou suavemente, dizendo-lhe palavras doces que necessitava, ao mesmo tempo que alimentava habilidosamente a fúria que valoriza a vingança. Era o momento de dar o troco pelas traições de anos e anos a que a inocente felina se sujeitara.
Os sentimentos confusos, palavras a reverberar nos ouvidos, o clima e a oportunidade. Logo as bocas se uniram e as roupas, como que por artes mágicas se despiram.
Do desespero e desejo de vingança, o amor ferido, à necessidade de acolhimento no abandono de braços a lhe amparar. As carícias que pertenciam a quem não as fez por merecer dirigidas a quem as desejava e logo faziam um amor frenético, desesperado, selvagem, de paixão e ódio.
Uma vez rompidas as defesas, o reino pode ser facilmente conquistado e ao primeiro embate seguiu-se o segundo e o terceiro. Foi somente no quarto que o adiantado da hora se fez urgente.
Correram a vestir-se, talvez ainda desse para salvar alguma coisa do plano original, mas ao abrirem a porta o outro quarto já encontrava-se pronto à novos encontros.
Correram ao estacionamento, ainda sob efeitos inebriantes do impulso, e puderam ver o carro do Sr Gato sair devagar.
Mas as Parcas, por serem gregas e amarem a tragédia teceram os fios do destino de forma a fazer brilhar o pingente de coração, entre os seios de Dona Onça. E foi justamente o coração ofertado à esposa que chamou a atenção do Sr Gato que num relance o identificou por entre a blusa abotoada desajeitadamente pela pressa.
Breve instante de lucidez e reconhecimento em que os olhares do Sr Gato, com sua amante sorridente no banco do carona a acariciar-lhe os membros, e o de Dona Onça, de roupas mal arrumada e cabelos despenteados, a segurar a mão do amigo, em local nada inocente, se cruzaram no infinito espaço entre um nó e outro, na trama que se tecia por artes das bruxas.
E viram-se, um pelos olhos do outro, em momento mágico de segundos eternos, antes que o veiculo, em seu curso inexorável, desaparecesse em noite crepuscular de Deuses pérfidos, para combinar o cenário com sutil enredo que se desenrolava.
Dona Onça, calada e pensativa, voltou para casa sem dirigir o olhar para o gentil e efusivo acompanhante de seu infortúnio. Despediu-se, ordenando-lhe incisivamente a esquecer o ocorrido desse dia, esquecer dela, esquecer seu endereço e sua vida. Não queria mais vê-lo, não queria mais que a visse ou a quem quer que fosse de sua família. Sua casa, seu castelo invadido, nunca mais estaria aberta para ele, fosse por qual motivo fosse e se houvesse novo encontro seria para um embate fatal.
Entrou sem olhar para trás, tomou um banho demorado na tentativa de livrar-se de todas as tramas pérfidas e deitou-se em cama de gato, de costas para o marido que fingia dormir. Fingiu adormecer também.
Quando o dia clareou nova tragédia poderia ter-se feito, mas as Parcas já estavam envolvidas em outras tramas.
Ele preparou um café para ela, como há muito não fazia, e ela fez o bolo preferido dele, evitando se olharem, mesmo estando juntos.
Quando sentaram-se à mesa, as mãos tocaram-se e os olhares finalmente se encontraram, molhados. Um beijo trocado rapidamente por outro beijo mais demorado, incendiado de desejo, impregnado de confusões e sentidos que não necessitavam de palavras. O café esquecido sobre a mesa e a cama requisitada como juiz da paz merecida.
Mas as Parcas, ah, essas não deixam de ter suas tragédias.
E o ex-Amigo da Onça, depois de expulso da vida de sua tão desejada amiga; depois de cumprido brilhantemente o plano elaborado com o qual obtivera todos os louros desejados, não entendia onde errara para que houvesse trágico final.
Errou em entrar à esquerda, mão do coração, e acabou dando de frente com a lateral do Ônibus, atingindo a criatura abandonada no meio do caminho do paraíso por gato arrependido de seus descaminhos.
E assim dois novos fios se cruzaram na trama das Parcas, sob as luzes piscantes do Resgate que atravessava as ruas e os destinos, traçados pelas bruxas para sua diversão.
4 comentários:
As Parcas....ah as Parcasque me cercam e se divertem com as dores que provocam....a bpartir dessa leitura vou a busca do prazer a que tenho direito....sem sentir culpa nenhuma!!!!
É isso mesmo, Lariel, e mande as Parcas às favas rsrs
Gostei de reler este. Mas o amigo da onça não o achei "mau" apesar das intenções fez boa ação!rs
Beijos Mágicos,
Anna Amorim
Gostei de reler este. Mas o amigo da onça não o achei "mau" apesar das intenções fez boa ação!rs
Beijos Mágicos,
Anna Amorim
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