terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Tem alguém tramando a sua felicidade – Danny Marks



          Há tempos que percebi isso, mas é daquelas coisas que se tenta negar veementemente até que não se consegue mais. Não vem como uma epifania, ou uma Gestalt, ou qualquer nome esquisito que queiram dar para aquela compreensão imediata de algo obscuro. Está lá desde sempre, você percebe, mas tenta ignorar até que os fatos se provam irredutíveis e não há o que fazer senão aceitar que a verdade é desse jeito mesmo, não tem significados ocultos que possam mudar os sentidos.
          Fica mais evidente ainda quando ocorre em larga escala, no sentido de que atinge não apenas a você, mas a grupos inteiros dos quais de alguma forma você pertence e que entram em evidência por algum motivo global que o coloque definitivamente no centro das atenções. Sempre tem aqueles momentos em que os olhares ficam mais intensos, então é Natal, e Ano Novo também, um avião que cai com um grupo inteiro reunido, uma guerra, um muro a ser construído, uma lei desleal, um projeto pronto para cair, símbolos e mais símbolos que se alinham a meses e cores, a bandeiras e sabores, qualquer agrupamento que se possa condicionar e lixar as arestas pela habilidade de reducionismo simplista.
          Então, quando menos você espera, naquele momento em que suas defesas estão baixas o suficiente para ser atingido em cheio, vem aquela compreensão de que não dá mais para fugir daquela voz que lhe vaticina sem piedade: Estão tramando a sua felicidade.
          Nesse momento percebe em quantas armadilhas caiu ao longo dos tempos, nos singles que lhe diziam que liberdade era uma calça velha, azul e desbotada, que você poderia usar do jeito que quisesse. E você tinha que ter uma calça assim, ou não seria livre. Tinha que usar o fator de proteção solar 50 para evitar a velhice precoce, comer frutas, tomar três litros de água por dia, fazer esportes, escrever todos os dias, amar ao próximo e ao próximo depois dele, mas com toda a intensidade do presente. Tem que ter uma paz interior, ir visitar o interior, conhecer o campo, a praia, aquele país paradisíaco, fotografar todos os instantes que não voltam mais e divulgar nas redes sociais que está feliz, finalmente, para que lhe deixem em paz.
          Pegue o espelho e sorria, tente de novo, e outra vez, vá treinando a pose que fará no próximo selfie do seu amigo ou amiga que tem que registrar como foi pleno o encontro de vocês, mesmo que não se lembre de nada do que falaram, do momento em si. A imagem vai lhe dizer que deve ter sido muito bom e que devem repetir isso mais vezes. Alie-se a uma causa, seja solidário, viver sozinho é bom quando se sente bem consigo mesmo, não há tristeza quando se tem uma família feliz, mesmo que os laços sanguíneos não definam a sua família e sim a lealdade que sentem. Quer um cachorro ou gato? Não há amigos mais leais que eles, e você deve ter um e ama-lo, sofrer por eles, chorar pela celebridade que morreu, ser humano de alguma forma que deixe marcas. Tem aquelas famosas que ficam bem na foto e no shopping.
          Não reclame, comerciais, um novo programa, você não vai? Como assim? Você não está sozinho, acredite em mim. Vou tocar uma música que você vai gostar, posso lhe chamar assim? Respeito o seu espaço, o seu direito de ser, desde que não entre em conflito com o que é meu, porque sei o que é melhor para você, não está vendo? É para o seu bem. Você ainda não entende, mas um dia vai perceber que foi melhor assim.
          Seja dócil, levante-se e lute, não aceite opiniões formadas, explique melhor, não me venha com esse textão de novo, acredite em você, tenha momentos felizes, seja radical, compreenda o outro lado, você não sabe como é ser assim se não for também, relaxe, faça alguma coisa, divirta-se, descanse, dance, cante, grite, silêncio!! Espera, vou te mostrar como se faz.
          Tem sempre alguém tramando a minha felicidade. Notei isso há algum tempo, mas não queria acreditar. Não dá para justificar mais, é um fato consumado e agora vou ter que lidar também com essa consciência, enlouquecer ou ser tão antipático que ninguém mais vai querer o meu bem, muito pelo contrário. E quem sabe, então, poderei descobrir o que me faz feliz de verdade. O que posso fazer por você hoje?

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