sábado, 8 de setembro de 2018

Doutor Soum Homem e a Conspiração Reptiliana – Danny Marks

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(Esta é uma obra de ficção, um exercício imaginativo, e tem o interesse exclusivo de ser divertido. Nenhuma das informações aqui apresentadas representa um fato real ou se refere a pessoas reais e suas reais intenções. O ministério da saúde mental adverte, não leia bobagens deste tipo, mesmo que vindas de sites estrangeiros).

— Olá amigos do Coluna D2, o único lugar onde a boca é livre. Diante dos fatos recentes na política nacional, surgiram inúmeras teorias de conspiração e a Coluna de Dois não podia ficar de fora desse importante evento. Então chamamos um especialista nessa área para garantir um padrão mínimo de qualidade nos relatos, e descobrimos coisas interessantes. Dr Soum Homem, então dizendo que não foi um atentado, que a faca não era de verdade e que não havia sangue em lugar nenhum, o que o senhor tem a dizer sobre isso?
— Obrigado à Coluna D2 pela oportunidade de demonstrar minhas habilidades como Antropófago Social, Sexoanalógico e Analista Conspiratório. Essa versão apresentada é fraca porque há uma equipe médica publica que fez a cirurgia e ficaria difícil esconder os fatos no longo prazo. Mas é possível melhorar esse relato acrescentando alguns detalhes, por exemplo: A facada foi de mentira, tudo simulação, mas HOUVE uma facada POSTERIOR, dada por um especialista em esfaqueamento, dentro do carro em que a vítima estava sendo transportada, de forma a prevenir que a vida do candidato não estivesse realmente ameaçada.
— E por que isso seria feito, Doutor?
— Ora, os motivos são óbvios. Quando o candidato atingiu o teto das intenções de voto nas pesquisas, com um índice de rejeição que chega a quase 50%, o que obviamente o faria perder o segundo turno, que todos sabem que haverá, contra qualquer candidato opositor. Foi necessário criar uma sintonia com a população através de um engajamento emocional. O brasileiro é um povo passional, se solidariza com vítimas desde que não tenha que ter que cuidar delas. Haja vista os crimes políticos recentes e o acidente com aquele time de futebol. As pessoas querem ajudar, e isso pode ser usado em um complô conspiratório facilmente.
— Então o senhor acredita que o candidato estava conivente com o fato.
— Absolutamente! Como bom brasileiro o candidato não gosta de se envolver diretamente, ele prefere fazer discursos para que outros façam alguma coisa, se colocar em risco é algo que não condiz com a conduta prévia. Haja vista que apesar de apoiar o uso de armas para as pessoas se defenderem, quando foi assaltado, estando armado, preferiu entregar a arma a arriscar a vida, o que está corretíssimo.
— Então o doutor concorda com a tese de que o atentado foi real e promovido por opositores políticos...
— Essa tese é melhor que a do falso atentado. Ele realmente teria acontecido e planejado por uma oposição incompetente e desesperada, que ignorando todos os especialistas de que qualquer um poderia vencer o candidato em um segundo turno, em uma crise de ansiedade, teria cometido o erro de ajudar o partido do opositor assassinando o candidato e tornando-o um mártir. Mas isso é ridículo, porque todos sabem que os políticos brasileiros podem ser tudo, menos idiotas, poderiam fornecer apoio por baixo dos panos e depois de eleito cobrar favores, como vem sendo feito há décadas.
— Estou confuso, doutor Soum. Então qual seria a motivação, houve ou não um atentado?
— É claro que houve! Isso é incontestável. Eu gosto mais da teoria que diz que foi planejado a despeito do candidato, sem a sua ciência, pelo próprio partido. Assim, se livrariam de um candidato fraco e elevariam o vice a uma posição privilegiada, angariando os votos anteriores e a simpatia da população, o que seria fácil para um general comandar com alguma habilidade. Note que estrategicamente, isso é mais coerente, de uma tacada ganhariam uma projeção nacional que não teriam com o reduzido tempo de campanha, eliminariam a estratégia dos adversários de atacar o candidato pelos seus discursos, e ainda teriam a simpatia de parte da população. Um verdadeiro judô Sun Tzu, conhece o teu adversário e a si mesmo e vai controlar o terrítório. O que deu errado, nesse caso, foi o pretenso assassino ser incompetente e não ter feito o serviço direito.
— Nossa, então o senhor acredita que o próprio partido queria dar fim ao candidato para vencer a eleição com o vice? Isso é que é teoria da conspiração!! Nunca imaginaria a possibilidade de um vice querer derrubar a pessoa que apoiava para tomar o seu lugar. O doutor tem certeza disso? Não é surreal demais?
— Eu falei que gosto dessa tese, mas é claro que isso é um absurdo. Seria necessário encontrar alguém que estivesse disposto a cometer o ato, alguém com características de um lobo solitário, garimpado nas redes sociais, que seria induzido por uma metodologia terrorista a cometer um ato criminoso por ideologia política. Seria necessário que houvesse um planejamento prévio, como um plano B para o caso da estratégia de campanha fracassar e envolveria uma grande capacidade de planejamento.
— Mas os fatos demonstram que o pretenso assassino estava planejando isso há tempos. Chegou a frequentar a academia de tiro que os filhos do candidato usavam, viajou por vários lugares do país.
— Sim, e tem quatro advogados mesmo não tendo renda suficiente e estar desempregado. Mas isso é só uma coincidência. Como disse antes, brasileiros gostam de ajudar, provavelmente alguém tentou ajudar o coitado e achou que seria interessante o homem procurar emprego em outros lugares, quem sabe até fazer um curso de segurança, daí a academia de tiro. Mas o cara não conseguia segurar uma arma, e a prova disso é que acabou usando uma faca, quando um tiro a queima roupa seria mais eficiente. Os advogados foram contratados pelos verdadeiros conspiradores para encobrir os fatos.
— E isso não depõe a favor dessa teoria de que o próprio partido idealizou o ataque? Algo que o próprio candidato já tentou fazer anteriormente ao simular um atentado a bomba que deu errado...
— Exato! Esse é o ponto. O brasileiro não tem a tecnologia de conspiração para fazer algo do tipo funcionar corretamente, nunca conseguiram antes, daria tudo errado, deixaria muitos buracos que uma investigação eficiente denunciaria facilmente...
— Mas então, me desculpe perguntar, qual é a sua teoria?
— Ora, mas é obvio, meu caro repórter D2. Trata-se de mais um complô dos reptilianos que estão mancomunados com a URSAL para derrubar a democracia brasileira e torna-la um paraíso para os lagartos jogando a culpa sobre outras instituições. Há anos eles vêm trabalhando com a politica brasileira para transformar a Amazônia em um deserto, devastar as lavouras, acabar com a população geral.
— Como assim, doutor Soum Homem?
— Lagartos adoram desertos, necessitam do sol para aquecer o sangue. Tornar o país em um deserto seria favorável a existência deles, o resto do mundo perderia o interesse. Que outra teoria reúne os fatos de forma coerente? Veja a crise hídrica recente, a liberação de defensivos agrícolas que irá devastar as colheitas e impedir que a maioria dos países comprem produtos brasileiros, gerando ainda mais recessão que alimentará uma revolução civil e criminalidade. Com os humanos armados e revoltados, todos vão se matar ou fugir para outros países. Então o deserto brasileiro será totalmente controlado pelos lagartos que poderão dominar o mundo. A corrupção generalizada que está afundando o país, as decisões judiciais impossíveis de explicar, tudo obra de reptilianos infiltrados nos poderes. Abram o olho, nós já fomos invadidos e os reptilianos substituíram pessoas públicas para acirrar ainda mais os ânimos. Eles estão usando outras entidades particulares para ampliar ainda mais os efeitos, mas o objetivo é tornar o Brasil um grande e vasto deserto aquecido de ponta a ponta. O início do aquecimento global que daria o poder completo aos reptilianos. Esse atentado é apenas mais um passo ousado nessa direção. E tenho dito!
— Meu... Com essa pérola conspiratória encerramos esta entrevista com o iminente Doutor Soum Homem, que nos apresentou suas teorias. Acredite se quiser.... Cortou? Ok, mais uma vez obrigado doutor, mas posso fazer uma pergunta particular?
— Claro, se isso não for ao ar, não vejo problemas.
— Diga-me, doutor. O senhor é um reptiliano?
— Ora...

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Natal na barca – conto de Lygia Fagundes Telles

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.
O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.
Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.
Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.
A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.
— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.
— Mas de manhã é quente.
Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.
— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.
— Quente?
— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:
— Mas a senhora mora aqui perto?
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…
A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.
— Seu filho?
— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma febre, só febre… Mas Deus não vai me abandonar.
— É o caçula?
Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a expressão doce.
— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.
Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.
— E esse? Que idade tem?
— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.
Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.
— Seu marido está à sua espera?
— Meu marido me abandonou.
Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.
— Há muito tempo? Que seu marido…
— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.
Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.
— A senhora é conformada.
— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.
— Deus — repeti vagamente.
— A senhora não acredita em Deus?
— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas…
Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão:
— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto… Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.
Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.
Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim
— Estamos chegando — anunciou.
Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:
– Chegamos!… Ei! chegamos!
Aproximei-me evitando encará-la.
— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse atropeladamente, estendendo a mão.
Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.
— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.
— Acordou?!
Ela sorriu:
— Veja…
Inclinei-me. A criança abrira os olhos — aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar.
— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a sacola no braço.
Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite.
Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.
(Natal da Barca - Lygia Fagundes Telles in Contos da Meia Noite)
Narrado por Beatriz Segal


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