quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Boas Festas - Danny Marks


Agradeço a todos que acompanham o Retratos da Mente pela companhia, por compartilhar comigo o seu tempo e suas emoções. Que as Estrelas sempre possam reafirmar a certeza de que teremos tudo aquilo que fizemos por merecer, e que algum dia estaremos novamente juntos no coração pulsante de um novo Universo.

Boas Festas a todos, Sejam Felizes. 

Danny Marks

As coisas não são bem Assim – Danny Marks



               Há momentos em que a tristeza bate forte dentro do peito. Pulsa, pulsa, pulsa, bombeando sensações por todo o corpo.
               Hoje deveria ser um dia feliz, todos estão se esforçando para isso neste momento. Os sorrisos distribuídos e os desejos envolvidos em laços mágicos, translúcidos.
               Mas há algo dentro de mim que diz que não é bem assim. Há uma música e ela me toca também, com uma mensagem que fala de coisas que já aconteceram, e ainda me afetam. É um som que emociona, não sei por que me inunda completamente, me faz pensar profundamente, me faz lembrar de coisas que talvez devesse ter esquecido, mas não...
               As coisas não são bem assim. Entre um presente e outro há uma ausência. Entre um brinde e outro há um desejo insatisfeito. Entre as luzes piscantes há uma sombra vacilante.
               A vida corre pelas artérias da cidade e nem todos os cantos que percorre estão completamente ali, nem todos os espaços são satisfatórios para estar, há pontos obscuros que não consegue alcançar. Eu sei que as coisas não são bem assim.
               Sobrevivendo a mais um dia, carrego dentro de mim todos que fizeram parte da minha história e às vezes, quando penso nisso, o peso é excessivo. E a música toca mais forte.
               Há tantos desejos que não encontrarão satisfação, há tanto coisa que ainda precisa ser feita, há tantas cores nesse momento que não são bem assim.
               Então a mágica acontece, a alma se liberta nesse som e ganha o espaço, viaja até as estrelas onde a eternidade pode ser vista de algum lugar que já nem existe mais. O tempo se torna acordes que se distanciam na melodia dessa composição que só tem sentido no conjunto. E aquela nota dissonante se torna a exata medida da harmonia que me invadiu. Ou, talvez, as coisas não sejam bem assim.
               Pode ser necessário aquele tom mais grave ou o agudo que fere as distancias que não podem ser alcançadas, mas que nos transportam para outros lugares apenas para percebermos o quanto pertencemos a este momento. O caminho percorrido e o que ainda será. E os desejos se tornam projetos, e as perdas se tornam oportunidades de crescimento, e as dores se tornam memórias de bons momentos que tivemos com alguém. Porque as coisas... não são bem assim.
               E só no final do livro sabemos se a história foi boa, só quando amanhece percebemos o tipo de sonhos que tivemos, e na satisfação dos desejos reconhecemos o tamanho de nossas crenças e a força dos nossos atos.
               A vida é feita de escolhas, tem tons mais alegres e sombras que dão profundidade. Tem movimento e ritmo e nem sabemos onde a nossa dança vai nos levar antes que a música termine, mas dançar é o que nos faz feliz, cada um com seu próprio jeito de se deixar levar pela musica.
As coisas não são bem assim, mas são tudo o que precisam ser neste momento.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Dificuldade em Ser Original – Martha Medeiros


Com tanta coisa acontecendo no mundo deve ser moleza arranjar assunto fresquinho para escrever. Foi o que me disseram outro dia, e me flagrei pensando: quem dera.
Recebemos uma overdose de informação, mas isso não significa que os acontecimentos sejam surpreendentes a ponto de fazer a festa dos colunistas. É leite tirado de pedra diariamente. Como ser original quando tudo se repete e repete e repete?
O Brasil inteiro está comentando a lista de convocados pelo Dunga, uns criticando, outros o absolvendo, e daqui a um mês uma nova copa começará em que nossa seleção terá uma boa chance de vence, e alguma de perder. Já não passamos por isso antes, igualzinho?
Questões envolvendo a extradição de um criminoso, ataques sangrentos no Iraque, crise nas Bolsas de Valores, barreiras comerciais afetando a relação entre países, alerta para chuva forte, violência nas estradas. Mais do mesmo.
Atos insanos surgem aqui e ali, nos escandalizamos por alguns dias, fazendo com que discutamos sobre mentes doentias e a necessidade que tantos têm de espetacularizar a própria história, e então, passado o susto, viramos a página.
Crises econômicas, conflitos religiosos, garotos matando colegas de aula, veteranos do esporte tentando se manter na ativa, casamentos e separações de celebridades, campanhas eleitorais, denuncias  de corrupção, tendências da moda outono-inverno, cantores adolescentes que viram ídolos instantâneos, últimos capítulos de novela. O que ainda suspende a nossa respiração?
Tivemos recentemente a eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que foi um acontecimento histórico. Depois esfriou. O que temos de quente, pra hoje, são as preocupantes ameaças ambientais ao planeta, em especial o vazamento de óleo no Golfo do México e um vulcão ativo que tem causado transtornos no Hemisfério Norte, mas isso já não é notícia de ontem?
Cada vez que sento diante do computador, nada me parece moleza. O que é que ainda falta dizer? O que ainda nos deixa perplexos? Como ofertar um pouco de originalidade ao leitor? Que pretensão. Desde 11 de setembro de 2001 que o mundo não tem sido original. Não que eu deseje que atentados dessa magnitude se repitam: já bastam os homens-bomba, que viraram rotina.
É só um desabafo: hoje os absurdos se sucedem em escala industrial e os fatos novos são como mariposas, nascem e morrem no mesmo dia.
Por essas e outras, persevero no trivial, que, contrariando a sua natureza, passou a ser o inusitado da vida.

22 de março de 2009



(MEDEIROS, Martha. Feliz por Nada. 8a edição. L&PM. Porto Alegre, RS. 2011)

domingo, 21 de dezembro de 2014

Dez coisas que levei anos para Aprender - Dave Barry



1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.


Nota: Adaptação do texto '25 coisas que levei 50 anos para aprender', publicado no livro 'Dave Barry Turns 50'. Muitas vezes falsamente atribuído a Luís Fernando Veríssimo.


In O PENSADOR - http://pensador.uol.com.br/frase/MjA1OTY - visualizado em 22/12/2014

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O Anjo Malaquias - Mario Quintana


         O Ogre rilhava os dentes agudos e lambia os beiços grossos, com esse exagerado ar de ferocidade que os monstros gostam de aparentar, por esporte.
Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele.
Chamava-se Malaquias – tão pequenino e reconchudo, pelado,a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da primeira infância...
O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o Inocentinho, quando Nossa Senhora interferiu com um milagre.
Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito... saiu voando janela em fora...
Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a Mãe de Deus lhe vale!
Que o digam as nuvens, esses lerdos e desmesurados cágados das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça pra baixo.
E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias!
E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase...
E o tenor que dá, de súbito, uma nota em falso... Todos escutam, no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias!
E quantas vezes um de nós, ao levantar o copo ao lábio, interrompe o gesto e empalidece... – O Anjo! O Anjo Malaquias! – ... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran...

(QUINTANA, Mario. Nova Antologia Poética. São Paulo, 2009. Pgs 92,93.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Anjos não tem Asas – Danny Marks



            — Não tem asas!
Duas gotas grossas caíram sobre as finas cicatrizes brancas dos pulsos. Deixei por alguns segundos que extravasasse, tinha que ficar atento, nesses momentos ela sempre resvalava para algum canto inatingível. Precisava manter o contato, criar uma ponte...
— Por que acha que ele disse isso?
— Mikel? Por que não diria? Ele sabe dessas coisas, tem que saber, afinal...
— Não, digo, o que o motivou a falar isso para você?
Ela me olhou profundamente, como se quisesse pesar a minha alma em uma balança de ouro. Por certo eu seria condenado; se ela fosse realmente capaz. Levantou-se, abriu a blusa descobrindo os seios e as costas, virou-se mostrando a imensa tatuagem que lhe cobria o dorso. Asas. Asas negras como a melancolia, escorrendo pelas suas costas em lava derretida, manchadas de entardecer. Nunca havia visto algo tão belo e deprimente.
Ela cobriu as asas como se puxa o lençol sobre um cadáver. Voltou-se ainda com os seios semidesnudos, tremia ao abotoar a blusa. A cabeça era de rendição, havia me revelado, em um impulso, muito mais do que pretendia e agora estava com medo de me olhar.
Mantive um silêncio respeitoso, mais pelo êxtase que aquela visão me provocara do que gostaria de admitir... Quem poderia ter feito algo tão belo e terrível? Deus...
— Você mostrou para ele? Por isso que Mikel foi tão duro com você?
— Mikel que fez! Depois que fizemos amor...ele sabia, e ainda assim...
Finalmente ela me encarou com desafio. A lembrança do seu suposto encontro com Mikel a tornava poderosa; lhe emprestava uma fúria desafiadora. Por um instante tive a impressão de que sua figura se agigantava à minha frente, absurdo.
Sustentei o olhar mantendo o distanciamento, uma pergunta pairando como uma espada pronta para desferir o golpe fatal.
— Sim, Anjos podem fazer amor com humanos. Por que não poderiam? Foram feitos a nossa semelhança.
— Interessante, suponho que Mikel lhe tenha dito isso também. Mas não vieram antes de nós? Não seria o contrário? Talvez a afirmação de Mikel não seja tão correta...
— Claro que não? Ele nos criou à sua imagem e semelhança, depois fez os Anjos, mais perfeitos que nós, somos o protótipo. Então os enviou ao princípio para que criassem a Sua Obra. Você não entende que para Ele o tempo não é igual como para nós? É... apenas uma coisa que... tipo assim... se dobra, está lá o tempo todo e é você que avança em um sentido ou outro e...
Ela estava ficando agitada, fiz que compreendia para que se acalmasse. Havia tantas implicações no que ela dizia que precisaria revisar todas as minhas notas, talvez falar com...
— Estou grávida. Ele nunca vai voltar.
— Como assim? Está grávida de Mikel? Por que ele não voltaria? Ainda mais sabendo que está esperando um filho dele. Ou ele não sabe?
— Quando se vai para o início não há mais volta... Só um Anjo poderia me levar lá.
— O seu psiquiatra já sabe que está grávida? Conversou com ele a respeito?
— Crianças são... como anjos sem asas, Mikel me disse. Esta...pode me levar...
Ela saiu correndo da sala, tentei impedi-la, mas já estava longe demais. Peguei o telefone, precisava avisar da situação. A coisa se complicara muito mais do que imaginara a princípio. Comuniquei o ocorrido, alguém tomaria providências. Talvez até conseguissem impedi-la a tempo.
Mas isso não importava mais. Minha mente se voltava para aquelas asas, aquela imagem perfeita de algo que não existia mais. Mikel era apenas uma criação dela. Então quem teria feito aquilo? Por quê? Para nos insultar? Anjos não tem asas, não mais.

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