segunda-feira, 19 de junho de 2017

Costelas de Salomão – Danny Marks


          Chega o momento em que se tem que mandar as estratégias às favas e rever tudo do zero, e o único momento em que isso acaba acontecendo é quando todas as coisas parecem estar erradas, ao menos para os brasileiros. Temos a cultura (errada) de que “em time que está ganhando não se mexe”, e nisso denota-se dois erros clássicos: 1 – de que tudo funciona como no futebol, com times e torcidas organizadas (às vezes até mais do que os clubes e confederações) e 2 – esquecem que é quando o time está ganhando que há espaço para testar novas possibilidades, não quando está já quase derrotado, no desespero.
          Ok, claro que vou falar (novamente) do “mercado literário brasileiro” que insisto, não existe de fato, sendo mais um “mercado de nichos” que realmente um mercado de livros e, não, não vou apresentar novamente os argumentos a respeito disso. Desta vez vou usar uma estratégia diferente, dissecar o problema por segmentos e apontar onde possam estar soluções. É claro que não sei se funcionam, não tenho como testa-las, mas pensem a respeito e me digam, ou não digam, façam.
          Então vamos lá. Em primeiro lugar há na atualidade uma grande reclamação por parte dos segmentos envolvidos nessa crise de que as vendas despencaram, ou nem alavancaram, apesar dos esforços. Sei disso porque tenho contato com várias pessoas do setor e muitos me procuram em busca de soluções, até testei algumas, mas os resultados neste caso sempre são de longo prazo. Qual o problema? O que está havendo? Quem ou o que está provocando isso tudo? É o que pretendo destrinchar neste trabalho.
          Vamos começar pelos autores brasileiros. As perguntas que faço são: Quantos autores brasileiros contemporâneos foram lidos por autores brasileiros? De que tipo? Só os que já foram consagrados? Autores iniciantes com novas propostas? Desses, quantos foram divulgados pelos autores que os leram? Fica difícil querer que haja um mercado quando os próprios agentes do mercado que poderiam se beneficiar mais, agem como se não existisse. Entenda, não existe mercado de UM único produto, há sempre a necessidade de uma variação para gostos, preços, qualidades, etc., e é ISSO que faz com que os segmentos se formem e o mercado se fortaleça.
          Ah, mas autores brasileiros são ruins de se ler. Concordo, em parte, há uma gama imensa de autores que acreditam que basta o talento e tudo se resolve. É como se fosse possível arrancar um diamante da terra e incrusta-lo em um anel e pronto, nenhuma lapidação, nenhuma técnica, só o “natural”. Tentem fazer isso e o mercado de diamantes vai abaixo em pouco tempo. São as técnicas de lapidação que tornam a pedra valiosa, brilhante, eficiente. Então, autores, estudem muito as técnicas, ou guardem o seu talento para si. E, sim, há muitos autores excelentes, embora na maioria das vezes desconhecidos do público e dos próprios autores, então, experimentem, vão se surpreender.
          E nisso chegamos ao segundo segmento envolvido, as editoras. Tudo bem que uma editora precisa vender, mas é preciso ter noção do que será negociado e como. Houve há algum tempo uma enxurrada de editoras que nasciam apenas para vender publicações para autores. Qualquer um podia publicar em um livro solo ou coletânea, bastava pagar e ainda “ganhava” alguns livros que poderia vender e resgatar o dinheiro de volta. Ótimo negócio, se fosse combinado com os russos, no caso os leitores, que foram simplesmente deixados de fora na equação. Quando se tem um produto ruim, pode-se até vender e ter lucro por algum tempo, mas depois o mercado (leitores) reage e exige uma qualidade melhor, haja vista como exemplo as lojas de R$ 1,99 que vendiam qualquer porcaria por um preço baratinho e depois tiveram que subir o preço e a qualidade ou fechar.
          Se as editoras não investem em profissionais de revisão para trabalhar os textos que, invariavelmente vão chegar com erros de todos os tipos (desde estilísticos até gramaticais), vão acabar entregando um produto ruim, defeituoso e vão prejudicar a própria imagem da marca (editora), o que dificulta as vendas posteriores. Pior, se a editora publica qualquer coisa, literalmente falando, acaba criando a imagem negativa de negócio que dificilmente será revertida. Por outro lado, se as editoras investissem em profissionais de revisão, haveria uma demanda maior por cursos do tipo nas escolas, haveria mais profissionais qualificados e uma competição saudável por preços e qualidade do trabalho de revisor que seria benéfico para as editoras e para os autores, que poderiam contratar esses profissionais para auxiliar no processo de depuração do original antes de apresenta-los para as editoras, que então teriam menos trabalho e mais qualidade no material recebido. Não lhe parece um bom negócio?
          Então vamos a outra ponta da equação, as vendas. Sites de publicação há aos montes, mas todos seguem os mesmos padrões. Colocam os títulos, os preços e uma resenha curta (na maioria das vezes feitas pelo próprio autor). Alguns até disponibilizam para os leitores (que compraram) falar algo sobre o livro e dar “estrelinhas”. Sério?! Alguém volta no mercado para dizer “este sabão em pó é excelente, dou cinco estrelinhas para ele” e sai satisfeito de ter dado a sua contribuição para o mercado? O mesmo ocorre com livros, acreditem. Livros são produtos, precisam de estratégias de marketing, de exposição, de incentivos ao público para que falem sobre o produto, de degustação, enfim, todo tipo de coisa que pode alavancar uma venda quando a qualidade é garantida. Querem estimular os leitores (e não apenas os que compraram no site aquele determinado livro) a comentarem sobre? Então ofereçam descontos para quem fizer comentários (sejam quais forem) nos livros apresentados. Ao mesmo tempo que alavancam as vendas do site (no uso dos descontos), fazem com que as pessoas se proponham a comentar sobre o produto oferecido.
          “Ah, mas eu gosto de livro físico, essa coisa de eBook não colou não, me perdoem as arvores”. Ok, em primeiro lugar são dois segmentos não excludentes, ou não deveriam, que exigem estratégias diferenciadas. Um livro impresso que não é exposto, ou fica em uma prateleira na estante do fim da loja, dificilmente vai vender, serão arvores derrubadas inutilmente. Que tal fazer rotatividade nos exemplares apresentados na vitrine? Colocar os menos vendidos e os mais vendidos, lado a lado? Porque, pense bem, quem vai comprar dois exemplares do mesmo livro? A não ser para dar de presente. Então se um livro teve muitas vendas, a probabilidade delas caírem com o tempo é muito maior, e se você volta à mesma vitrine e sempre estão com as mesmas ofertas que, provavelmente, você já tem, qual o interesse em parar para ver novamente? Não seria melhor uma oferta rotativa? Gerar um interesse em buscar aquele livro que viu na vitrine (e não está mais lá) dentro da loja?
          Quanto aos eBooks, eles oferecem a oportunidade de degustação, que pode alavancar a venda do digital (por ser mais barato, e por favor, TEM que ser MUITO mais barato) ou até a do físico, afinal com o preço dos livros é sempre bom poder dar uma olhadinha para ver se é realmente interessante antes de pagar por ele. Então deveria haver estratégias de incentivo a essa degustação, estarem disponíveis INCLUSIVE na livraria física, não apenas nos sites especializados que colocam uma enxurrada de livros de todos os tipos, com filtros que mais embaralham que ajudam. E se há procura por um determinado livro, então ele deve ser disponibilizado o mais rápido possível para o leitor na opção que achar melhor.
          Recentemente me perguntaram qual seria a minha estratégia para fazer uma tarde de autógrafos de um eBook. Achei pertinente a pergunta e a resposta é bem simples, aliás, dou um exemplo de estratégia de mercado. Recentemente comprei um pacote de programas de uma empresa famosa mundialmente. Veio a embalagem e um código que me deu acesso a um site na internet onde pude instalar os programas e usa-los e, veja que interessante, me ofereceram vantagens e ofertas para ampliar ainda mais a experiência, caso estivesse interessado. Então a resposta é simples, em uma tarde de autógrafos de eBooks, poderiam ser autografadas as embalagens com a capa do livro e dentro o código exclusivo para acesso ao conteúdo digital em diversas plataformas, além de poder incluir alguns benefícios exclusivos para quem comprasse naquele evento específico. Teriam algo físico para marcar, guardar e até dar de presente, e não alteraria o valor do produto digital. Poderia haver leituras de trechos do livro junto com o público que poderia acompanhar em seus aparelhos particulares. E por aí vai, as estratégias são ilimitadas quando há criatividade e interesse e, como sempre digo, criatividade é o meu negócio, sou um autor afinal de contas.
          Por fim é preciso combinar com os russos, digo, leitores. Sem isso não há mercado. Como fazer com que o público queira ler mais autores nacionais de qualidade (sim, é preciso que seja oferecido algo bom, do contrário toda a estratégia vira o contrário do que deveria, mas isso já supondo que foram feitos os trabalhos descritos anteriormente aqui mesmo)? Ora, é igual novela, que faz sucesso porque todo mundo comenta. Mesmo quem diz que não gosta, sempre dá uma espiadinha nem que seja para poder entrar naquela conversa em ponto de ônibus, no trabalho, na roda de amigos, nas redes sociais, etc. De que adianta saber de uma coisa fantástica que não se pode comentar com ninguém? Trocar experiências e impressões? A primeira lei de Marketing é sempre a de que um produto só existe se alguém falar sobre ele. Então como fazer isso?
          Caso não tenha percebido, apresentei algumas estratégias nesse sentido ali acima no texto, retorne e leia com mais atenção. Mas não são as únicas, é possível estimular um mercado criando demanda a partir de soluções simples. O mercado da moda cria desfiles, diversas lojas contratam modelos para usarem as roupas que estão acessíveis nas arandelas e as exibem para o público criando o desejo de ficarem parecidos com as belezas que se apresentam. Na literatura deveria haver o mesmo. Bibliotecas deveriam, com o apoio das livrarias e editoras, fazer saraus de leitura de diversos autores contemporâneos. Escolas deveriam promover encontros do tipo, abertos ao público em geral e estimular os alunos a participarem (além de poderem atrair público para os seus cursos).        É preciso desconstruir a coisa de que ler é uma atividade solitária, para poucos e estranhos seres. Sexo é uma atividade intima e, no entanto, todos falam de sexo, todos se interessam por sexo, todos têm seus gostos e preferências e, não, não estou incentivando o sexo em público e coletivo, é apenas um exemplo de que há atividades que são intimas, mas que produzem experiências que podem ser compartilhadas de forma saudável e enriquecedora dentro de grupos com os mesmos interesses, e até abrir possibilidades maiores de experimentação.
          Claro que todas as estratégias apresentadas aqui necessitam de maior elaboração para serem aplicadas, são genéricas por necessidade de espaço e porque também sou um administrador, quem estiver interessado em um estudo mais aprofundado, basta me procurar que negociamos um valor razoável e interessante para ambos. Também sou escritor, professor de técnicas discursivas e leitor, então todas as estratégias para melhorar o mercado me interessam de diversas formas. Além disso acredito que, ou se perde tempo dizendo como as coisas estão ruins, ou se ganha tempo resolvendo a situação.

          Gostou? Detestou? Não se cale, compartilhe o texto com todos os seus conhecidos e amigos, reflitam em conjunto sobre o que foi apresentado e me incluam no debate, se possível; tenho o maior interesse em ouvir o que tenham a dizer a respeito. Afinal, crítica é algo bom, mesmo sendo desagradável de se ler, porque nos ajuda a entender como os leitores estão recebendo o que produzimos e podemos melhorar o que está ruim e aprimorar ainda mais o que está bom. E, me perdoem os que pretendem ser autores, se não concordam com o que foi dito neste último parágrafo, talvez seja melhor investir em outra profissão. Dizem que a de político está em alta, e não precisa nem dar bola para o eleitorado o tempo inteiro, só contratar bons marqueteiros na hora da campanha. Como não tenho estofo para política, então vou continuar como escritor mesmo, e que venham os comentários. Estou aguardando você.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Uma Sombra Passou por Aqui – Danny Marks


          Eu sou fã de Ray Bradbury desde que li O Homem Tatuado na infância, uma edição pocket emprestada da biblioteca volante. Devolvi o livro, mas não as histórias que continuaram comigo até hoje. Li outros livros dele, com histórias até mais sombrias e fascinantes. Acho que meu demônio pessoal gosta desses contos sombrios.
           A questão é que, em muitos momentos, histórias antigas parecem sair dos livros e ganhar a realidade, fantasmas e monstros se tornam mais reais e assustadores que as imaginações, ou a generosidade dos autores, permitiram que fossem descritas. E o mundo se torna sombrio, frio e implacável.
          Tenho escrito muito sobre literatura, sobre política, sobre o mercado de nichos literários brasileiro e suas crises. Nas redes sociais recentemente comentei sobre minha decepção com mais um filme adaptado dos quadrinhos, a Mulher Maravilha, que me pareceu uma visão machista de como seria uma “mulher forte”, com estereótipos em vários níveis.
          É possível para um homem entender o Feminino. Um homem, Freud, foi quem cunhou o termo e o descreveu inicialmente em sua conferência XXIII. Escrevi sobre o termo destacando-o na obra poética de Carlos Drummond de Andrade, outro homem. Então, posso afirmar com toda convicção de que é possível para um homem entender um personagem complexo como a Mulher Maravilha, princesa das Amazonas, na ilha fictícia de Themyscira, a “Ilha Paraíso”. Por que isso não foi feito?
          Ok, não vou entrar no mérito de adaptar um personagem antigo e complexo de uma mídia HQ para outra, a tela do cinema, ainda mais quando há inúmeras controvérsias a respeito das características do personagem, mas uma coisa não pode ser deixada de lado em nenhum tipo de história, independente da mídia onde se apresenta: a coerência. Se vamos falar de uma princesa guerreira, de um lugar onde foi a única criança em séculos, governado por mulheres guerreiras, o mínimo que se pode ter como base argumentativa é um profundo conhecimento do que é o Feminino, suas fraquezas e forças. E isso foi realmente desconsiderado, na minha opinião.
          Mas, antes de me considerar definitivamente um homem velho e chato que escreve histórias e tem uma visão pessoal crítica sobre todas as coisas, tenho que dizer que, dentro do cenário global, há uma boa justificativa para coisas ruins, ou não tão boas quanto o esperado, como o filme, o mercado literário e até mesmo (por que não dizer) a política.
          O que essas coisas todas têm em comum? Ora, me perdoe se não entendeu ainda, mas tratam-se de construções da mente humana. A política é, por definição, a arte de conviver em grupos (humanos) e nasceu da necessidade de criar regras de mediação para evitar que os indivíduos se exterminassem em guerras (outra criação humana) sem fim. O mercado literário é a forma criada para propagar com rapidez e eficiência as histórias desenvolvidas a partir da realidade e ampliadas por conceitos morais e filosóficos pela lente da imaginação. As adaptações das mídias só permitem que mais pessoas tenham acesso aos conteúdos criados para orientar e divertir as pessoas.
          Portanto, por serem criações humanas, possuem toda a grandiosidade bipolar que a mente humana pode alcançar através das suas construções. Tanto o luminoso raiar da esperança e da bondade, quanto o sombrio exaltar da guerra e da crueldade. Humanos podem criar em suas mentes e realidades, tanto deuses sábios e generosos, quanto demônios inteligentes e cruéis. E isso tem o seu lugar no mundo porque são visões interpretativas da vida, que não é sábia nem generosa, ou cruel e ardilosa. A vida é apenas um fato complexo que se extingue para o indivíduo quando sua trajetória termina, mas não para os que assistem a esse fim e o temem acima de tudo.
          Recentemente vi uma crítica ao meu livro O Jogo, de que era para nerds, que era para pessoas “cabeça” e coisas do tipo. Me surpreendeu essa visão, talvez provocada pela minha própria exposição do trabalho, onde falo das elaboradas técnicas utilizadas para permitir uma experiência sem par no leitor que pode ler em diversas camadas os conteúdos que estão lá, mas se fecham realmente nos conhecimentos e vivências do leitor. Não há uma “leitura” final do livro, a história se adapta ao leitor e busca satisfaze-lo (ou seria uma péssima história) dentro do que ele almeja encontrar. Portanto, não há como errar na interpretação, ela é totalmente pessoal e válida. As técnicas elaboradas são justamente usadas para tornar a leitura fácil, divertida e eficiente.
          Aparentemente não fiz um bom trabalho nisso ou não teria uma crítica do tipo. Ou, mais provavelmente, a pessoa não quis se aventurar porque se sentiu intimidada a ler algo “complexo”. Estranho? Não, absolutamente, pelo contrário, mais comum do que se possa imaginar. Subestimamos nossa capacidade de compreensão e a ajustamos ao que acreditamos ter, não o inverso, que seria mais eficiente e verdadeiro. Reduzir ao mínimo denominador comum é uma prática que, fora do universo da matemática, se torna perigosa.
          O perigo consiste em tentar incluir a todos esquecendo que há um percurso para retornar, ou o que poderia ser enriquecedor e resolver a equação, se torna uma decadência. Imagine se as empresas de tecnologia resolvessem que deveriam fazer as coisas tão mais simples que qualquer pessoa, em qualquer idade pudesse entender. Há dois caminhos possíveis aqui.
          Em um deles, teríamos o decréscimo da tecnologia aos níveis pré-históricos, compreensíveis tanto aos que viveram e usaram essas tecnologias na sua nascente, quanto todos os outros que vieram depois. Outro seria fazer com que as pessoas aprendam ao menos o funcionamento elementar para então descobrirem as possibilidades maiores. Assim vemos idosos dominando smartphones e internet, melhor que muitos jovens, e não as pessoas se reunindo em cavernas ao redor de fogueiras enquanto alguns pintam paredes.
          Calma, não me perdi na minha argumentação. Estou apenas citando exemplos que a embasam para demonstrar que a generalização é boa, se o objetivo dela for encontrar um ponto de partida para algo melhor, ou péssima quando a colocamos como um ponto final, reducionista, que é o que tem se tornado um padrão cada vez mais estabelecido e perigoso.
          Reduzimos o nível do ensino porque nem todos alunos estão acompanhando e é preciso inclui-los. Mas não fazemos com que esses alunos inclusivos possam alcançar o seu melhor potencial, porque é mais fácil para todos se as coisas forem simplificadas. Mais fácil, porém não o melhor. Reduzimos as expectativas para atender a todos, e cada vez temos menos expectativas, porque ninguém quer se aventurar no difícil se basta o fácil. Até que não basta mais.
          Um filme para vender tem que ser bem raso, para atender a todos os públicos e conseguir maior proporção do público. Mas perde público porque as pessoas ficam entediadas e passam a não querer ir assistir filmes tolos com personagens rasos. Mas isso ajudaria um monte de gente! Gritam os defensores da inclusão. Mais pessoas poderiam assistir, entender, escrever e produzir esses filmes. Ok, para isso é que existem as classificações, os segmentos. Uma escada não é feita de um único degrau e até mesmo rampas tem que ter em sua ideia básica a de que haverá um esforço na ascensão e isso deve ser levado em consideração em seu projeto. Do contrário, teríamos que reduzir tudo ao mesmo plano, acessível a todos com facilidade.
          Quando eliminamos pela generalização a possibilidade de começar de algum lugar para chegar acima do estado anterior, extinguimos perigosamente o motor da evolução, o desafio sustentável, aquele que nos permite ser melhores e maiores do que quando iniciamos a jornada. A vida exige um crescimento antes da decadência, que virá com toda certeza, mas que produzirá um efeito benéfico nas próximas gerações. Do contrário seriamos imortais e eternos, porque o que já somos nos bastaria, no entanto, a vida nos ensina que os progressos de uma geração devem necessariamente ser superados pela geração seguinte que se apoia nos progressos anteriores para ir mais além e garantir a sobrevivência da espécie e a evolução, sob pena de decairmos até a extinção.
          Dizer que todos os políticos são iguais, é negar que haja uma possibilidade de progresso, que a corrupção é imbatível e estamos todos fadados a morrer em uma guerra bárbara que se torna inevitável, porque não há políticos capazes de mediar os conflitos. Dizer que o mercado literário tem que atender a todos de uma forma igual é negar ao público algo melhor, apresentar como iguais tanto os autores que se especializam no seu trabalho, com os que apenas sabem juntar palavras e convencer as pessoas de que escrevem.
          Acredito que se Ray Bradbury, entre outros gênios da literatura mundial, tivessem nascido hoje, jamais conseguiriam o sucesso, porque são difíceis demais para entender, não tinham público, e não teriam porque ninguém falaria deles para não ofender os que não conseguiam compreender a profundidade dos seus textos. Reduziríamos os mercados de nichos ao grupo em torno da fogueira, e adaptaríamos as histórias ao grupo, como bardos da idade média.
          Isso até que uma guerra global, provocada por interesses particulares, reduzisse a civilização a um nível geral de entendimento: o de que somos todos animais selvagens com uma capa civilizatória que se baseia na sobrevivência pessoal e apenas nisso. E quando o último homem tombasse, poderíamos retornar ao pó comum com a certeza de que fomos apenas uma sombra que teria passado por aqui sem deixar qualquer rastro ou lastro.

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