quarta-feira, 28 de julho de 2010

Não Esperem por Mim este Final de Semana - Danny Marks


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Meus amigos, este final de semana estarei em algum lugar. Ainda não sei onde, não importa.
 Recentemente eu vi uma mulher de 72 anos saltar de asa delta e me perguntei se teria que esperar tanto tempo para fazer o mesmo, ou quem sabe ir à praia, andar sem rumo, ver novos lugares ou ler um livro novo.
Sou escritor, supostamente uma opção ingrata em um país que, dizem, não gosta de ler. Ouço tanto isso, principalmente autores e professores, que me pergunto se nem mesmo estes lêem.
Dizem que um livro é caro neste país.
Consideraria um livro de vinte reais caro se não custassem o mesmo que cinco maços de cigarro que viram fumaça em tão pouco tempo, ou quatro cervejas tomadas em alguma balada que escorrerão pelo ralo do banheiro antes que o dia amanheça. Talvez ler seja apenas uma opção que alguns resolvem descartar antes de terem tentado, e isso realmente não me preocupa.
É a minha opção ser escritor.
Não por querer os lucros ou os louros de uma carreira que brinda com o sucesso apenas alguns, nem sempre merecedores consensuais desse mérito. Como em tantas outras carreiras, o esforço se comunga com a sorte e com a inteligência em uma formula de sucesso que poucos conseguem realizar.
Também não almejo a imortalidade que livros podem trazer, ainda que não me furte a achar a idéia da imortalidade sem vida como sendo uma das principais premissas literárias.
Não esperem as minhas recriminações aos seus hábitos, sejam quais forem. Eu já tenho os meus próprios para meditar sobre méritos e deméritos.
Se há os que gostam de ler em livros, também há os que gostam de ler a vida em outras formas, seja na mesa de um bar, seja no salto arrojado no vazio de uma encosta de montanha, no cavalgar das ondas ou na imersão literal em um mundo desconhecido onde somos aliens desgarrados de nosso passado.
A vida se dá de várias formas que chamamos arte e mesmo a sensibilidade para perceber isso é uma forma de arte.
Arte de viver.
Então, meus amigos, não esperem por mim este final de semana.
Já devem ter percebido que não há abandono algum por eu não estar ao seu lado. Não há fuga ou descaso. Veja o livro na estante de sua casa, que sempre aguarda paciente que alguém o leia para formar o vinculo mágico, que pode durar por toda a vida ou até ser passado para outras mãos por empréstimo jamais devolvido ou doação mediante suborno.
Para mim o principal é continuar a ler a vida em todos os aspectos que puder encontrar, enquanto houver vida que possa identificar a vida no entorno. E se há um tempo para se viver ou para se morrer, também haverá um momento para se deixar a vida de lado e fazer o que não se quer, o que não se gosta, o que se pensa necessário e o que realmente é necessário.
Mas não este fim de semana.
Estarei lendo a vida em algum lugar e talvez em um momento de distração, se peguem a olhar a grama crescendo, o vento murmurando alguma musica para os frutos amadurecerem. Não riam se perceberem alguém contando as gotas de chuva ou os reflexos do sol. Acima de tudo não estranhem de me encontrar por ai. Este imenso livro que chamamos de mundo tem tantas histórias e eu tenho tanta pressa de conhecê-las que, talvez por simples obra das leis inexoráveis que juntam os semelhantes, nos encontremos este fim de semana para ler o nosso próximo capítulo.
                Não esperem por mim este final de semana, eu estarei bem ao lado.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ghost Writter



Deus! O que o mundo fez a esse pobre Diabo?
Esse foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça quando o vi.
Não, na verdade eu devo ter pensado algo do tipo: de onde esse cara veio? Ou algo assim.
Ah, eu logo vi quem era. Qual escritor que não conhece o Diabo? Há uma vasta literatura sobre ele, as coisas que fez, pactos que firma com escritores, enfim, uma fonte inesgotável de pesquisa e idéias.  Claro que nem todas as coisas que são escritas seguem uma linha lógica, coerente, embora possa supor que se deva a arte de editores sombrios que alteram o que foi escrito e publicam como querem.
O fato é que eu sabia quem ele era só não imaginava que um dia o veria daquele jeito, ainda mais no meu escritório.
Ele foi logo dizendo sem cerimônias como cabe a um bom diabo.
— Preciso que escreva por mim.
— Olha, cara, vai me desculpar. Eu não quero fazer um pacto com você, sabe? Essa coisa de vender a alma para fazer sucesso... Sinceramente acho um péssimo negócio. Além do mais eu até que estou me saindo bem e...
— Quem falou que eu quero a sua alma, quero que escreva em meu nome. Você não é um escritor? Então? Quero que escreva por mim, como se tivesse sido eu.
—Eu um Ghost Writter do Diabo? Realmente é algo original. Não sei... Talvez fosse melhor você procurar alguém mais experiente, sei lá, um bispo ou um papa...
— Eu já fiz isso antes, não deu certo. Na verdade a coisa ficou pior. Quero alguém que não siga uma linha tendenciosa.
O cara estava realmente nervoso, não parava de andar para lá e para cá espalhando o cheiro de enxofre por todo lado. Apliquei um pouco de desodorizador no ar que ficou pior.
— Tudo bem, eu escrevo. Estou precisando de uma grana mesmo, acho que podemos chegar a um acordo, não é? Afinal você deve ter bastante dinheiro e...
— Sim, peça o que quiser, mas escreva por mim.
— Perfeito, já estamos começando a nos entender. Sobre o que você quer que eu escreva? Não sou muito bom com essas coisas de religião, sabe?
— Não!! Nem deve tocar no assunto de religião!!
O cara realmente estava transtornado, o que me deixava curioso. Sempre achei que o diabo queria mais era que se falasse de religião, ou contra ela, sei lá.
— Então o que você quer que eu escreva?
— Quero que escreva sobre como os jovens deveriam ser. Dar conselhos aos pais para que ensinem os seus filhos a serem pessoas normais.
Era só o que me faltava. O Ghost Writter do Diabo escrevendo sobre auto ajuda?
— Espera, acho que você realmente precisa de um cara mais experiente nisso, um psicólogo talvez, ou...Ei!! Você deve conhecer muito sobre essas coisas, porque simplesmente não escreve e pronto?
— Você não entende? Eu não consigo. Essa juventude de hoje é incompreensível até mesmo para mim. Você tem filhos...
— Sim, eu tenho dois aborrecentes em casa...
A gargalhada era um misto de sofrimento e ironia, antes de me assustar me fez sentir pena do cara.
— Dois? E acha que isso é um problema? Experimenta ter alguns milhões deles. Estão cada vez mais terríveis, mais odiosos, mais depravados...
— Epa! Mas eu sempre achei que isso era bom para você, afinal quanto mais gente no inferno melhor, não é?
— Essas...coisas... não são gente. Sabe o que está acontecendo? Fizeram um fã clube de jogadores de Doom e saíram caçando todos os demônios dos três primeiros círculos infernais. Isso sem falar na passeata que organizaram pelo CyberHades pedindo para ampliar os castigos nas fases iniciais, disseram que não tinha graça ter a eternidade para jogar se não aumetava o nível de dificuldade.  Eles simplesmente tornaram a minha casa um inferno.
— Grupos de jogadores de vídeo game heim?!!
— Sem falar nos depravados que seduziram os bestiais, nos pestinhas que roubaram as ordas infernais, nos moleques desnaturados que bagunçaram toda a ordem infernal e desrespeitaram demônios milenares com seus dialetos loucos. Sabe do que me chamaram? Velho!!
Não pude conter a risada. Realmente devia ser um inferno a vida do cara com tantos aborrecentes para cuidar, ou melhor, para lidar.
— Bem, mas eu sempre achei que era isso que você queria. Afinal essa história de corrupção da moral, perda de valores familiares, etc, é coisa sua...
                — Uma coisa é corromper os adultos, ver como resistem antes de cair nas minhas garras e depois como tentam fugir dos castigos infernais, mas essa juventude não está sendo corrompida. Eles buscam porque gostam, não há nenhum mérito. Pior, eles já chegam dizendo que está tudo errado, que estamos ultrapassados, que agora é eles que vão assumir as coisas. Eu não agüento mais isso, você precisa me ajudar. Não me faça implorar...pelo amor de....
                A coisa era mesmo séria. Porra, eu não podia deixar o cara ficar naquele estado, isso não era coisa que se fizesse com o cara.
                — Tá bom, vou ver o que eu posso fazer, mas olha, não prometo nada, heim?  Essa coisa de educar os filhos é difícil para caramba, que o diga o seu Pai...
                Ele nem ficou para escutar o resto, foi só falar no Pai que sumiu.  Eu pensei um pouco e resolvi que estava na hora de fazer a minha parte.
                Sentei na frente do micro e comecei o tal do livro:
               
“Deus! O que o mundo fez a esse pobre Diabo?”

terça-feira, 6 de julho de 2010

OPHIUCHUS - Danny Marks

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Olhou pela janela, através das cortinas, a luz apagada para não permitir quem olhasse de fora ver o interior.

Vigiava constantemente cada uma das casas, prevendo o futuro dos signos que se apresentavam. Era um jogo de ascendentes e de influências que só ela conseguia entender. Pegou o seu caderno de anotações e escreveu:

“Lá vai ele de novo, visitar Aries. É só o Taurus sair que ele aparece, desconfio que os Gemini são dele e não daquele Capricornus.
Aqui é sempre assim, um Aquarius. Quem não for Pisces não nada, por isso dizem que sou Scorpius, só porque eu digo a verdade. Se colocar na Libra, nenhum deles vale nem uma flecha de Sagittarius. É preciso ter a coragem de Leo para manter-se Virgo neste mundo, senão acaba-se em Cancer. “

Conhecia cada uma daquelas pessoas, cada segredo escondido em suas almas. Conseguia ler cada um deles como se fossem livros empoleirados em estantes, destacados uma hora ou outra, por um motivo qualquer. Mas o principal de tudo era a influência que conseguia ter. Um poder que fora crescendo a partir de uma pequena descoberta: Zodiaco.

Olhou o relógio e sorriu, tinha que escrever a sua coluna diária, que acompanhavam constantemente. Em cada casa havia a sua porta de entrada, e através dela ia avançando...

Digitou rapidamente:

“O Sol entrando em Áries indica a consciência, a personalidade, o projetor, a revelação, o foco. Para os Arianos, vai indicar onde podem brilhar, mostrar a sua individualidade. Apesar de correr o risco do egoísmo, da arrogância, do orgulho, da vaidade e do exibicionismo, que seria o lado pior do Sol, o ariano, também terá a oportunidade de brilhar de forma plena, exteriorizando a sua verdadeira essência.”

Em pouco menos de uma hora havia composto toda a trama que definiria os destinos, estimulando, retraindo, desviando, direcionando cada um deles para o seu objetivo.

Apenas ela sabia. Os desígnios Zodiacais são sempre misteriosos.

(imagem: http://maurofodra.blogspot.com/2009/04/espectro-do-zodiaco.html)

Conto vencedor do concurso literário da comunidade do orkut "PQP"  ( http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=18138244&tid=5495140304230739194&start=1 )

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Homem Só - Danny Marks


Não é fácil ser um homem só.
Foi uma decisão tomada aos poucos, ao longo dos fatos que ocorreram. Quem nasce em uma família grande tem essa necessidade de espaço, mas também está acostumado a dividir as coisas com mais facilidade.
Então, sempre pensei que quando morasse sozinho seria uma festa atrás da outra.
Comprei meu apartamento e começaram os problemas. Droga, ninguém fala pra gente que o sonho tem ares de pesadelo quando se torna realidade. Nem reclamei de ter que fazer comida, tem essas coisas prontas que se compra, descongela e come ou então a opção de ir a um restaurante.
Quando enjoei de comer sempre a mesma comida, até tinha formas e nomes diferentes mas o gosto era o mesmo, e a conta do restaurante no fim do mês ficou mais alta que a antena parabólica, achei melhor me matricular em um curso de culinária.
Nem vou falar do preconceito das mulheres em relação a um homem que está disposto a cozinhar a sua própria comida. Quatro mulheres, dois gays e eu. Isso não podia dar certo, mas achei que se era para ter uma boa comida valia a pena. E comecei pela professora, só para mostrar que não era gay.
As conversas mudaram, para pior. Para as mulheres passei a ser o crápula que estava se aproveitando da minha vantagem de ser homem para conseguir receitas exclusivas; já os gays ficavam tentando me passar receitas novas, o tempo inteiro, e não conseguia mais fazer nada direito, nem mesmo lavar a louça. Caí fora do curso, já havia aprendido o suficiente para não morrer de fome, ou seja, seguir fielmente uma receita e rezar muito para que nada desse errado.
Mas esse não foi o pior problema, depois de alguns meses você descobre que só passar uma vassoura na casa não resolve. Não sou de ficar fazendo faxina, nada contra quem faz, mas detesto isso, então o melhor era contratar uma faxineira que são pessoas que devem gostar de fazer o que os outros não gostam. Você paga caro para tirarem o lixo de sua casa, mas se livra do transtorno.
Estava feliz, até que um dia percebi que não era só a sujeira que sumia, as minhas cervejas também.
Não sou um cara mesquinho, mas beber em serviço é um problema. Parei de comprar cerveja. Como represália apareceram calcinhas no banheiro.
Sempre achei estranho uma mulher lavar a sua calcinha durante o banho, isso gera um consumo absurdo de tempo, energia e água, quando seria mais fácil lavar em um tanque ou em um balde, mas o pior é encontrar a dita cuja esquecida no registro do chuveiro.
Dei bronca na empregada, mas parece que há alguma coisa errada com as mulheres, não entendem o que a gente diz. Ela simplesmente passou a ir sem calcinha pro trabalho.
Até ai tudo bem, a gente finge que não vê, mas quando passou a fazer a limpeza pelada a coisa ficou absurda. Precisava fazer alguma coisa com urgência.
Ampliei o meu cardápio.
Foi quando um amigo me disse que isso era uma roubada, que havia perdido uma grana alta em um processo por assédio. Mas, eu que estava sendo assediado!
Não adiantava, para evitar problemas fiquei sem a comida e com a sujeira, pelo menos não haveria problemas maiores.
Foi o que pensei.
Outro dia recebi um convite para ir em uma festa só para homens. Era o que esperava, já imaginava as mulheres seminuas, cerveja a vontade... todos os detalhes.
Quando cheguei na festa só tinha homens mesmo, uns maiores que os outros. Tanto em altura quanto em circunferência. Nunca vi tamanha concentração de músculos, gordura abdominal e pelos, por metro quadrado.
Era uma casa de horrores.
Mas, já que estava por ali, melhor não fazer desfeita. Se é para ficar trocando uma ideia e bebendo, falando sobre mulher e futebol, qual o problema? Pelo menos a gente se distrai.
Mas a coisa foi ficando feia.
Principalmente depois que abriram algumas garrafas de Whisky.
Uns caras começaram a tirar a roupa  e a dançar pelados, de brincadeira eu acho, depois alguns começaram a se pegar nos cantos. Um deles tentou me pegar pelo braço e me dar um beijo.
Ganhou dois beiços inchados. Outros três me seguraram e arrancaram a minha roupa, destruindo minha melhor camisa. A essa altura já estava era preocupado com o que mais iriam rasgar, então descobri que a adrenalina é realmente fabulosa quando se está em situações de risco.
Dei tanta pernada e soco que faria inveja ao deus Shiva ou o raio de deus Hindu com mil braços. Saí correndo, pelado mesmo, até encontrar uma viatura da polícia.
Acabei preso por atentado violento ao pudor.
Não adiantou tentar explicar que na verdade estava tentando proteger o meu pudor entre outras coisas.
Felizmente uma advogada de porta de cadeia se interessou pelo meu...caso. Acabei sendo libertado e inocentado no ato de legítima defesa da honra masculina, não conseguiram prender ninguém da festinha, nem recuperar meus documentos ou dinheiro.
A advogada me levou para a cama, digo casa, e pediu que assinasse alguns papeis para que pudesse resolver a minha situação. Dias depois recebi os documentos, junto com uma intimação para desocupar o imóvel em que morava.
A advogada havia me dado um golpe e estava limpando minha casa de um jeito que nem a faxineira conseguiria.
Arrumei outro advogado, desta vez um homem para garantir, e entrei na justiça, mas essas coisas levam tempo para serem resolvidas, então fui morar em um barraco emprestado por um conhecido.
A desgraçada foi me visitar no meio da favela, com o meu carro e, só para tirar uma onda, me devolveu o telefone. Com um riso safado disse que eu poderia ficar com o celu lá, sério, ela disse isso mesmo.
Essa é a selva de pedra, uns comendo outros e pelo jeito eu estava no subsolo da cadeia alimentar.
Pouco depois que ela saiu recebi uma ligação a cobrar, o que poderia ser pior? Atendi.
“É o siguinte, istamo cum a dona aqui, se quizé vê ela de vorta vai tê que pagá uma grana. Si ligá pra puliça vai recebê ela em pedacinho pelo curreio, tá ligado?”
Só então acreditei que Deus existe, e com toda fé do meu coração renovado falei pro malandro.
“Escuta aqui, ô palhaço! Sabe com quem qui tu tá falano? O que tu fizé cum ela vou e faço em dobro cuntigo. E qué sabê mais, to ligano agora prus Omi pra í ti busca, ô pilantra! Tú é machu? Quano os cara ti pegá vai te arregaçá todinho, mané otário, tá ligado?”.
Desliguei, joguei o celular no primeiro canal que encontrei, peguei minhas coisas e fui curtir a vida.
Meu advogado conseguiu reaver meus bens, ficou com trinta por cento para ele, mas pra quem já tinha tudo por perdido até que fiquei no lucro.
Pelo que me informaram a advogada não fora a nenhuma audiência, a policia foi procurar por ela e descobriram um monte de vitimas dos golpes, isso facilitou reaver os meus bens, e me colocou na mira da justiça.
Mas a justiça foi Divina, encontraram ela mancomunada com um grupo de traficantes.
Agora ando só. Faço a minha comida, limpo a minha casa, não tenho amigos, não tenho mulher, e principalmente não tenho advogado.
O problema é quando bate aquela vontade, de fazer aquela coisa que precisa de outra pessoa, sabe?
É um saco jogar videogame sozinho, mas assim é a vida.
O jeito é ser feliz.

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