quinta-feira, 28 de abril de 2011

APOSENTANDO - Rogério Camargo



 (Tela de Marcia Bührer - A Carta. Oleo sobre tela 40x50. Acompanhe o trabalho da artista em http://olhospincelados.blogspot.com/)

Está chegando a hora da partida,
mas eu não penso nela desse jeito.
Não me imagino em uma despedida
e nem tirando um peso do meu peito. 

É simplesmente um fato em minha vida
que, como os outros, não verei perfeito.
Mas também isso é coisa presumida,
faz parte do meu clube de defeitos.

Está chegando o dia de ir embora
de onde eu estive sempre de passagem,
sempre no ar, jamais criei raízes.

Assim, meu coração não ri nem chora
ao ver-se no final desta viagem
que não deixou legado ou cicatrizes.
ROGÉRIO CAMARGO
28.04.2011

terça-feira, 26 de abril de 2011

Arranque os meus Olhos - Danny Marks


— Arranque os meus olhos. Não quero ver. Não agüento.
— Sinto, não posso fazer isso. Deu a autorização para que fosse feito. Está aqui, está vendo? Eles precisam que seja feito por alguém que...
— Não pensei que seria assim. Deus!!! Suplico, não permita que fique assim.
— Tome isto, em alguns dias vai se sentir melhor. Acredite, não há outra forma e...
— Vai continuar apesar de tudo, não é? Vai continuar tentando e tentando... Está bem! Aceitei, não foi? Vou fazer então, mas não me olhe nunca mais, não me fale mais nada.  Apenas me esqueça.
— Será feito. Até que mude de idéia. Sinto muito eu...
— Adeus!
— Até breve, minha criança.

Talvez fosse melhor se desistíssemos.
— Depois de tanto tempo?
Mas a alma humana é...
— Eu sei!!  Mas o que seria da humanidade sem artistas? Eles podem ser ensinados, tornarem-se melhores. Preciso continuar tentando...
— São seus filhos, Pai. São seus filhos...  

PAI FILHO - Rogério Camargo

Se não basta ser pai para ser pai
também não basta ver-se como filho
quando, no tempo, muito longe vai
uma canção só feita de estribilho.

Nenhuma casa permanece, cai,
e trem algum mantém-se sobre os trilhos
quando o que é de ficar não fica, sai,
e a pólvora rejeita seu rastilho.

A seriedade é mesmo algo mais sério
do que pode supor a leviandade
do pai que ainda se vê como criança.

O que há de sólido no espaço aéreo
não pode sustentar uma cidade
construída somente em esperança.

ROGÉRIO CAMARGO
25.04.2011

TALOS DE BAMBU - Rogério Camargo

Era um humilde cuidador de ovelhas,
belo menino que tocava flauta.
Rude instrumento, mas cuja centelha
inebriava a alma ainda incauta.

Horas passava, longas e parelhas,
sentado numa pedra, um argonauta
a viajar pelo que o som espelha
e poesia faz, mesmo sem pauta.

Alguns pequenos talos de bambu
atados fragilmente e mal soando,
faziam as delícias do menino.

O pastorzinho grego seminu
com olhos bem abertos e sonhando
imagens para além de seu destino.

ROGÉRIO CAMARGO
08.04.2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Acordes - Danny Marks


Você se lembra do nosso primeiro encontro?
                E de todas as coisas que falamos no ouvido um do outro? Lembra dos nossos planos, dos sorrisos molhados com beijos? Das carícias e dos desejos?
                Quantos passos nossas mãos enlaçaram? E quantos nos distanciaram do mundo para termos algo só nosso?
                Você lembra a aliança que fizemos sob as estrelas, as juras que pretendíamos eternizar?
                Lembra dos sonhos musicais que nos faziam dançar, desnudos, em entregas sublimes?
                Você lembra da dor e do amor que sentimos, um no outro, e do quanto isso foi nos transformando?
                Eu só queria que você lembrasse de todas essas coisas para que, talvez assim, houvesse a chance de esquecer-me de você e você de mim.

Profissional - Danny Marks


Vejo a morte todos os dias.
 No rosto da menina estuprada, abandonada em um matagal, seu corpo tão dilacerado quanto as roupas que deveriam protegê-la desse frio implacável.
                Às vezes eu a vejo no sorriso perfeito da modelo que nunca existiu. Maquiada. Maquinada. Tão diferente da que apareceu esparramada do décimo quinto andar. Subiu na vida para encontrar no amor o fim.
                Vejo, nas flores fabricadas geneticamente,  tatuagem de bicho em gente, nome gravado em epitáfio de rosto sóbrio. Nunca um sorriso, uma lembrança boa que se deixe? Na dor somos todos iguais, mortuários, mostruários, monstros diários.
                Ainda ontem eu a vi assumir seu novo posto de comando. Assinar papéis de execução, lenta, faminta, indigna.  Está vendo logo ali? Os dentes perfilados como corpos encontrados nos destroços daquele outro dia. Um silêncio profundo de um minuto que não cala na lágrima.
                Eu vejo a morte desfilando na avenida, paramentada. Eu a vejo na estrada. No ponto de ônibus. Trafego. Tráfico. No acerto de contas erradas.
                Vejo o resultado no cortejo que fazemos funebre. Do momento em que os pulmões abrem em um grito desesperado por estar vivo, até aquele outro, resignado. O sim exalado, a paz mal compreendida, o termino inusitado. Alguém, ultima vez, visitado.
                Não importa quantas vezes eu a veja, ainda que ela olhe para mim do outro lado. Sou inconsolado. Nesse mundo ginecológicamente assado. Frango de padaria. Trespassado pela verdade sombria.
            Quem fica dói.
Continuo olhando a morte todos os dias. Na revista, no jornal que você segura, por um preço.
Você me paga!
Eu...vendo.

PRESENTES - Rogério Camargo

Somo o tempo todo presenteados
e pouco temos consciência disso.
A vida se apresenta em todo o viço
e encontra-nos dormindo, alienados.

Se somos pelas dores acordados,
jamais agradecemos o serviço:
finar com elas é o compromisso
a que nos vemos sempre combinados.


A dor é um presente valioso,
sem ela o homem nunca acordaria
do sono que o mantém fora de rumo.

Evoluir não é prazer nem gozo
nos termos que a tolice fantasia
e perde quando encontra o próprio rumo.

ROGÉRIO CAMARGO
21.04.2011

MUITO INTELIGENTE - Rogério Camargo

Uma criança muito inteligente
não é nem poderia ser adulta.
Sendo extraordinariamente culta
ainda tem a vida pela frente.

A discrepância de visão avulta
se é personagem e se chega à gente
simbolizando crítica mordente
à falta de percepção que insulta. 


Os exageros de uma sensatez
que só nos almanaques ganha vez
acaba aborrecendo, enfada, cansa.

Fosse possível claro perguntava
ao pouco de coerência que se escava:
quando é que tu vais ser uma criança?
21.04.2011

OS ENCANTOS DA MENTIRA - Rogério Camargo

Sofre-se mais por desonestidade,
por esconder o que de fato somos,
do que por consequência da verdade
em guarda contra a qual loucos nos pomos.

Vivemos muito menos que a metade
quando partimos a existência em gomos
e decidimos que uns têm liberdade
mas outros não irão por onde fomos.

O grande crime é não estar inteiro,
é dividir-se quanto às conveniências,
fazendo uma promessa a cada santo.

Os outros crimes todos não têm cheiro,
peso, sabor, volume ou consistência
perante o que é mentira e seus encantos.

ROGÉRIO CAMARGO
22.04.2011

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Análise de "Mas eu, em cuja alma se refletem" - Alvaro de Campos (por Danny Marks)

Mas eu, em cuja alma se refletem
Alvaro de Campos
Mas eu, em cuja alma se refletem
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagônicas e absurdas se sucedem -
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstrato, eu o propalado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto,
Eu sofro ser eu através disso tudo como ter sede sem ser de água.


Poemas de Álvaro de Campos
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Engenheiro naval "franzino e civilizado", o mais fecundo e versátil heterónimo de Fernando Pessoa, é também o mais nervoso e emotivo, que por vezes vai até à histeria. Com algumas composições iniciais que algo devem ao Decadentismo, Álvaro de Campos é, sobretudo, o futurista da exaltação da energia , da velocidade e da força da civilização mecânica do futuro, patentes na "Ode Triunfal". É o sensacionalista que pretende "sentir tudo de todas as maneiras", ultrapassar a fragmentaridade numa "histeria de sensações". (in Edições Sebenta)

Acessado em 19/04/2011
Análise – Danny Marks

            Álvaro de Campos é, provavelmente, o heteronômio de Fernando Pessoa que mais tenta rebelar-se contra a decadência, seja da alma humana, seja das realizações desta. Embora tenha trilhado por uma fase decandentista nos seus primeiros textos, revela um desejo de ter esperança na fase Futurista/Sensacionista. Desejo este que acaba por ser vencido por seu traço mais interno, a depressão. O seu desacordo entre o mundo interior e o exterior vence a batalha pela busca de um sentido maior para a existência e a auto repressão o leva a buscar uma fuga na infância e na dispersão, entrando na fase do Pessimismo com todas as forças negativizadas, até então mantidas afastadas, rompendo os limites do Si Mesmo e afogando-o na auto declarada incapacidade de realizações tornando-o um marginal incompreendido da/na vida.

Poeta mecanicista, o que sugere a sua “formação” como engenheiro, busca conciliar os antagonismos da razão e das sensações/sentimentos em um amalgama que o libertaria de suas próprias contradições internas através da intelectualização dos sentido (Sensacionista).
Essas forças, tremendas, universais e opositoras em si mesmas aparecem logo no início do poema quando ele diz:

“Mas eu, em cuja alma se refletem / As forças todas do universo”
A busca pela universalidade do que sente se dá em dois momentos, quando fala em “alma” que tanto pode se referir ao substrato metafísico no qual residiria a essência humana, quanto pode se referir ao sentido mais profundo na compreensão de algo, o âmago do que se busca compreender e cujo signo revela o todo pela parte. Na segunda parte, mais explícita fala em “Forças todas do Universo”, demonstrando que há uma multiplicidade de tensões que em um panorama macro (Universo) conseguem se equilibrar de forma dinâmica e produtiva, que seria a busca do poeta em relação aos próprios conflitos que o assolam de forma incontrolável e irrefutável.
Essa vertente do conflito interno fica explicita quando o poeta diz:

“Em cuja reflexão emotiva e sacudida”
Lembrando que, tudo o que reflete verte sobre si mesmo, ou seja dobra-se em busca de um confronto consigo em busca de uma interação que o amplie na auto fecundidade; O que o trecho sugere é justamente a necessidade de equilibrar a reflexão, no sentido de uma busca pela compreensão do que foi internalizado pelo uso da capacidade racional, com a emoção, por si mesma irracional e sensacionista, ou seja, que tem uma lógica implícita no seu exercício que ultrapassa os limites do que pode ser apreendido racionalmente; Este confronto, ou reflexão, não é dado de forma fácil, daí o uso de “sacudida”, demonstrando ao mesmo tempo que, embora haja uma racionalidade implícita (reflexão emotiva) nas emoções, a sua reflexão sobre a racionalidade pura, abala as estruturas internas com um tremor incontrolável devido à sua força.
Outra tentativa de emparelhar o mecanicismo do engenheiro com o emocional do poeta se dá no trecho em que cita:

“Minuto a minuto, emoção a emoção”
O advento da máquina, gerou a cultura mecanicista e obrigou a humanidade a trocar o ritmo nostálgico e flexível do tempo agrícola por um outro ritmo mais preciso, caracterizado pelo relógio, como é declarado no trecho “minuto a minuto” um sucedendo o outro em uma escala inexorável e necessária, rítmica e previsível. Racional.
Porém, contrapõe-se a este “tempo objetivo” um outro ritmo mais subjetivo e também seqüencial, o ritmo da “emoção a emoção” que embora imprevisível em sua essência é tão necessário e fatídico quanto o outro, haja vista que não pode o ser deixar de sentir, e mesmo as emoções se alternam e se sucedem constantemente. O ritmo da vida então fica estabelecido pelo binômio “minuto/emoção” onde o material e o sensível estão presentes de forma mais ou menos harmônica e inexorável, ambos sem possibilidade de controle ou direcionamento humano, como fica demonstrado pelo trecho que segue:

“Coisas antagônicas e absurdas se sucedem”

O absurdo é dado justamente pela contrariedade das coisas que são antagônicas, porém o poeta vai além ao construir a frase dando um duplo sentido subliminar que pode ser encarado como simultaneidade: As coisas antagônicas se sucedem absurdamente, uma após a outra mas sempre aos pares. Ou na razão de alternância: As coisas antagônicas se sucedem alternando-se de forma absurda.

Constata, então, o poeta que é, por si mesmo e sua existência real, um paradoxo que representa o universo antagônico previsto no primeiro momento, como se demonstra no trecho:
“Eu o foco inútil de todas as realidades”
O absurdo paradoxal da realidade antagônica o faz pensar sobre a inutilidade do foco dado, racional, que justificaria apenas em parte o que não pode ser compreendido pela parte, mas se justifica no todo e no além, em todas as possibilidades de realidade que não são únicas de um ser, mas que abrangem a todos em maior ou menor grau.
Passa então o poeta a tentar definir-se em contraposição a Universalidade do ser, em busca do Si Mesmo, longe da dicotomia complexa da amplitude de possibilidades reais

“Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstrato, eu o propalado no écran”

Nestes trechos é importante destacar a própria dicotomia da auto descrição: Fantasma, aquele que sobrevive além da vida, morto; se contrapõe a nascido e a sensações. Na cultura popular o fantasma não é nascido, embora seja libertado pela morte do corpo físico em que residem as sensações, portanto a dicotomia persiste entre o que é o Ser e no Não-Ser. Sentimento e sentido presentes também na busca pela generalização do Si Mesmo ao se colocar como abstrato, disperso, propalado no écran. Cabe aqui um aparte ao definir écran como uma tela (mecânica) e também como a “tela” onde o universo se expressa (realidade macro).

"Eu a mulher legítima e triste do Conjunto"

Neste trecho aparece a voz feminina de Alvaro de Campos, uma voz que o mesmo sempre busca reprimir por medo, conforme referências biográficas. Surge, porém, como perda de algo que lhe era de direito (mulher legítima e triste). A legitimidade da mulher pode ser interpretada como a sociedade matriarcal anterior a sociedade patriarcal; pode ser lida como uma referência a questão do discurso religioso Cristão onde a mulher ocupava lugar legítimo no paraíso mas o perdeu devido a busca pelas sensações; também pode remeter a questão platônica do ser perfeito que era um duplo homem/mulher e que foi separado por inveja dos Deuses. Enfim, várias possibilidades que se integram com a palavra “Conjunto” dizendo que houve uma ruptura de algo anterior que era completo e perfeito em si e foi tristemente perdido.

Eu sofro ser eu através disso tudo como ter sede sem ser de água.

A constatação final da incapacidade de conciliação entre os antagonismos das razões emocionais e racionais expressa-se na necessidade do poeta de ter que seguir “através disso tudo” buscando algo inalcançável, uma “Sede sem ser de água” que por não poder ser nominada, identificada, apreendida por completo, segue insaciável.

PARANÓIA - Lariel Frota

-O que é isso menino, tá maluco?
            -Maluco nada mãe,  não quero  correr risco, o Leleco ficou desfilando  a moto zerada  e o que aconteceu,  ficou na mão, dois pivetes  pegaram ele no farol...  dançou.
            -Já sei o que aconteceu com o Leleco, mas  amassar e remendar, sua moto está    um horror.
            -É essa a intenção,  quanto mais feia a  máquina,  menor a chance de ser roubada,  malandro  também tem bom gosto.
            -Sei não menino. Está  exagerado, paranóia de  cidade grande, todo mundo com medo de tudo. Vai detonar  também o símbolo do timão?
            -Nem pensar, seguro morreu de velho, agora desrespeitar o meu conringão, aí é demais.  
            Cai a noite na cidade cinzenta, sob uma garoa fria  que torna as pistas escorregadias,  ele  se recorda das palavras da mãe,  o  trânsito  não está complicado. Dóca   fez a última entrega.  Feliz por mais um dia sem acidentes volta  pra casa, quer  assistir o jogo pela televisão.
            Ao longo da avenida iluminada,  os faróis abrem e fecham alternadamente, o ronco de uma potente CB500 assusta Dóca . A poucos metros observa  dois sujeitos  na moto incrementada, se vestem de preto. Um frio lhe percorre a espinha, pensa no relato do amigo  assaltado num semáforo.  O coração dispara,   o suor começa a brotar no  rosto. Respira fundo tentando manter a calma,  pensa nas  palavras da mãe: “cuidado com a paranóia menino, o medo de tudo pode virar doença”.
            Observando os dois pelo  retrovisor,  vê o sujeito na garupa levar a mão a cabeça. Agitado parece estar se coçando,  ou talvez sinalize a hora para  o  ataque. O farol abre,  acelerando  Doca  agradece  ter conseguido “fugir”, percorre uns quarteirões  apavorado.  A frente  a luz amarela  do próximo semáforo sinaliza ameaçador.
            Parado novamente   está tremendo,   as  pernas parecem  bambear: os  dois “inimigos” se aproximam, agora ficou claro, o movimento de levar a mão a cabeça só pode ser  um código  para o ataque. 
            Reagir nem pensar devem estar armados, correr impossível sua moto não tem a mesma potência. De novo o sinal abre,  o  condutor da  outro moto  parece adivinhar seus pensamentos, uma olhadinha, um riso que ele não consegue decifrar, quem sabe   o  ar vitorioso do caçador,  se divertindo diante do medo da caça indefesa.
            Conhecedor da cidade Dóca  sabe que o pior está para  acontecer:   mais adiante  existe um trecho  escuro, dois quarteirões  pouco movimentados,  que quando pode  procura evitar. Hoje, querendo chegar  mais cedo por causa do futebol, escolheu o caminho mais rápido. Sente-se um ratinho indo pra ratoeira,  sabe que   o ataque  acontecerá.
             As mãos suadas, um gosto amargo na boca seca, luta pra não   agir como uma presa diante da morte iminente. Decidi  surpreender seus inimigos,  diminuindo a velocidade para no meio fio e  alguns instantes depois seus “perseguidores” também param. Doca  desce da moto,  retirando com o  capacete  absolutamente derrotado.
            -Ta legal mano, pode levar não vou reagir. Vocês estão me seguindo há um tempão, dando sinal um pro outro. Acabou, vocês ganharam, sem violência vamos acabar logo com isso.
            - Tá  doidão parceiro, a gente não é assaltante não!  Minha moto ficou no concerto e o companheiro ta me dando uma carona. Como você parou,  resolvemos ver se precisava de ajuda, esse  o trecho aqui é perigoso. Que negócio é esse de sinal mano?
            -Eu vi várias vezes você coçando  cabeça, meio agitado pensei que fosse um código de ataque.
            Retirando o capacete  o garupa deixa a mostra  um couro cabeludo repleto de falhas.
            -Olha aqui parceiro,  isso é paranóia sua. Veja  o estado da minha cabeça,  to  tratando, mas coça que é um horror, não é código nenhum, é  micose da brava mesmo.
            Dóca  envergonhado   não sabe como desculpar-se pela engano.
-Não  precisa ficar assim mano, a gente conhece a correria, não dá mesmo pra ficar de bobeira.  Vamos que a  luta continua, e queremos assistir o jogo do coringão, falou?
            Sumindo na escuridão virando a esquina,   Dóca  tenta disfarçar a lágrima,    fruto de  um misto de remorso, alívio, vergonha. Não sabe entender   o que sente, talvez um  sentimento  bom de  vitória por estar vivo,  voltando pra casa.

RESPONSABILIDADE - Rogério Camargo

Ninguém cuida minha vida por mim.
Se eu não me interessar por meus assuntos,
todos eles terão o mesmo fim,
formando ou não um pálido conjunto.

Se eu não me envolvo com o meu jardim,
em pouco tempo ele será defunto,
pouco importando o aroma de jasmim
com que de alienação a inércia unto. 


Os sonhos podem ser bem coloridos,
vistosos, atraentes, concebidos
sob finíssimos padrões de estética.

Mas um sonho não é uma pessoa
e com a vida dela se esboroa
de forma, senão trágica, patética.

ROGÉRIO CAMARGO
19.04.2011.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Microcontos de Danny Marks

Questionamentos

Sopa de letrinha é pra comer? Se for analfabeto? O que vai fazer?

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Jazz

Sentia-se muito bem, só não conseguia se expressar de forma alguma.
Não pode nem abrir os olhos quando disseram: Enterra!

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Paz

Quase tudo era branco, exceto a rosa de sangue. Bem no peito.

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Carta

Em cima da mesa o envelope vazio esperava.

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Nós

Tá rindo do quê? Só não te quebro todo porque não quero ficar sem me ver.

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Ontem

Calma! Já passou!

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Vingança

Fui o ultimo a rir! Agora todos choram.

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Nojo

É que a fome era tanta...

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Vicio

Só sei que foi assim que começou.

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Tempo

Agora, não! Agora NÃO! AGORA! Não!!!!

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Riqueza

Todo dia almoçava fora. Na casa da patroa.
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Sarabruxo

Era uma ilha desconhecida. Até que amor descobriu.

(Vencedores do concurso literário da Comunidade do orkut PQP - http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=18138244&tid=5591239042132536570&na=2&nst=73)

CÉU NO CHÃO - Rogério Camargo

O que a brutalidade desconhece
de si de quem mais lhe seja igual
é que de cada vez que ela acontece
é o bem que ela procura com o mal.

É desespero que jamais esquece
o quanto está distante do ideal
e nunca a dor ali desaparece:
é imortalidade no mortal.


A busca da beleza com ganância,
sofreguidão grosseira, predatória,
não é sozinha na destruição.

Junto com ela chora a substância
do que, talvez perdido na memória,
mostra que não existe céu no chão.

ROGÉRIO CAMARGO
16.04.2011

A DEVOLUÇÃO - Rogério Camargo

Devolve agora o que não te pertence,
entrega e ocupa apenas teu lugar.
A resistência já não mais convence
nem mesmo a ti, que buscas um lugar.

O derrotado, neste caso, vence
enquanto a luta esfuma-se no ar
por mais que o mau conselho pense
que a velha forma tem como ganhar.



É contra ti que causas todo o dano,
mantendo viva a chama deste engano
aonde podes o que não pudeste.

Deixa cair no chão os paramentos
do que não se sustenta em fingimentos
pois é desnuda que a verdade veste.

ROGÉRIO CAMARGO
15.04.2011

Mãe Africa - André F Frutuoso

Enquanto o mundo
não cuidar de verdade
e com respeito
da Mãe África
não teremos
de verdade
um futuro digno
sem hipocrisia
o sonho de paz
um caminho único.
(André F. F.)

http://www.youtube.com/v/WGrR6XusBAE

quinta-feira, 14 de abril de 2011

ESTRUTURA - Rogério Camargo

A gente sempre pensa que é adiante,
que está na meta, em algo a alcançar,
enquanto, na verdade, está perante,
o que acontece já tem seu lugar.
Ficamos da verdade mais distantes
criando metas para conquistar.
O medo anão transforma-se em gigante,
casando-se com a falha forma um par.
No coração, na alma do fracasso
habita o que não vimos: deliramos
e este delírio cria um compromisso.
Para cumpri-lo, abrimos o compasso
além do que ele pode e só nos damos
a chance de enxergar que não é isso.
13.04.2011

MAJESTADE - Rogério Camargo

Ser sangue-azul no reino da ganância,
no principado da mesquinharia
ser respeitável aristocracia,
nobreza poluída desde a infância.
Ter trono na podrida monarquia
onde a tranquilidade vem da ânsia
e o desajuste é derradeira instância
em termos de justiça e de harmonia.
O que houver de majestade no lodo
amarra, prende, gruda, cola todo
e qualquer um ao miserável chão.
O cetro de um destaque distintivo
coroa de ironia o morto-vivo
que tem porque recusa o que lhe dão.
13.04.2011

DELA - Rogério Camargo

Os passos da mulher tão delicada
quanto o perfume mais sutil que exista
de diferentes têm que não têm nada
reconhecível pela cega vista.

Fora do alcance de uma amesquinhada
fatalidade humana de conquista,
ela flutua numa caminhada
onde o silêncio é música e é pista. 


Quem dela sabe, por fração que saiba,
tem um caminho, tem a direção,
tem até mesmo o sol mantendo a luz.

Expondo-se à verdade, aonde caiba,
o caminhante põe os pés no chão
e sabe para onde se conduz.

ROGÉRIO CAMARGO
14.04.2011

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A PEDRA - Rogério Camargo

Nós precisamos afastar a pedra,
estando ela na frente é muito ruim.
A coisa boa que entre nós já medra
quer mais espaço para não ter fim.

Esta energia mútua que se integra
numa unidade, estrutural jardim,
não poderia contrariar a regra
que veio muito antes do que eu vim.

Se eu fico atrás da pedra e tu também,
não temos condições de um passo além
na direção dos nossos corações. 


Se permitirmos que ela fique ali,
em vez de um só existem dois aqui
e, em vez de uma, duas direções.

ROGÉRIO CAMARGO
11.04.2011

ROTEIRO - Rogério Camargo

O roteiro das viagens noturnas
passa por muito mais necessidades
do que quaisquer explicações soturnas
ou arremedo de realidade.

Abrir espaço, destapar as urnas
que a imaginação-dificuldade
supõe que fique além das furnas
onde se enfurnam as humanidades.


Este roteiro desconhece esquemas
de afirmação apenas egoísta
onde a solução é mais problemas.

Ele está muito fora dos brinquedos
que entulham nossa vida e nossa vista
enquanto distraímos nossos medos.

ROGÉRIO CAMARGO
12.04.2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

PERIGO DESAFIADO - Rogério Camargo

Desafiar o perigo tolamente,
pelo prazer das emoções baratas,
mostrar coragem como um indigente
que vive das migalhas do que cata;

desafiar como o tolo inconsequente
que cobre-se de glória nas bravatas,
jamais desconfiando que é doente,
daí que não se cura nem se trata.



O desafio gratuito é uma bobagem
aonde ninguém leva mais vantagem
do que a frivolidade estrutural.

Por si melhor fariam os viciados
se vissem não apenas um dos lados
daquilo que compõe o bem e o mal.

ROGÉRIO CAMARGO
08.04.2011

MENSAGENS TELEFÔNICAS - Rogério Camargo

Eu saúdo as mensagens telefônicas,
o texto vindo pelo celular.
Dos esporádicos à tara crônica,
que tem início mas não tem parar.

Há dos que servem veias histriônicas,
outros adoram virem se queixar.
Também existem os de monotônica
previsibilidade, sem poupar. 


Gosto de todos – e se mais houvesse
garanto que jamais me importaria.
Bem pelo oposto, iam me ver contente.

O grão-semente da amizade cresce,
abre-se mais a porta da harmonia
quando a pessoa faz coisas de gente.

ROGÉRIO CAMARGO
07.04.2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Coisas Para se Fazer em Um Minuto - Danny Marks




Gasta-se:

um minuto para se tomar uma grande decisão.
um minuto para perder-se uma grande oportunidade
um minuto para salvar uma vida
um minuto para tirar uma vida
um minuto para mudar a sua vida
um minuto para cair no sono
um minuto para acordar para a realidade
um minuto para descobrir a verdade
um minuto para inventar uma mentira
um minuto para sorrir para o mundo
um minuto para fechar a cara, amargurado.
um minuto para dar um abraço sincero
um minuto para virar as costas a um possível amigo
um minuto para ir em frente, apesar da adversidade.
um minuto para render-se à adversidade
um minuto para solucionar um problema
um minuto para criar um problema
um minuto para ser Feliz
um minuto para fazer alguém feliz
um minuto para fazer alguém infeliz
um minuto para pedir desculpas
um minuto para guardar uma mágoa corrosiva
um minuto para dizer eu te amo
um minuto para ser indiferente
um minuto para fazer a diferença
um minuto para ser apenas mais um na multidão
um minuto para olhar ao longe
um minuto para fechar os olhos
um minuto para dar um passo
um minuto para ficar parado
um minuto para ter uma grande idéia
um minuto para esquecer o que pensou
um minuto para gostar de si mesmo
um minuto para não se reconhecer no espelho
um minuto para apreciar a um bom trabalho
um minuto para começar um novo trabalho
um minuto para perceber que a vida é vivida em um minuto
um minuto para perceber que o minuto anterior é passado
um minuto para lembrar de todos os anos vividos
um minuto para pensar nos anos que ainda virão
um minuto para escolher um caminho
um minuto para agradecer a Deus por uma nova oportunidade
um minuto para entender que este minuto é o mais importante de sua vida, porque nestes sessenta segundos é que você realmente está vivo e pode decidir o que vai fazer...
...a partir do minuto seguinte.

MAL ENTENDENDO - Rogério Camargo

Entendi mal, como quase sempre faço,
quando se trata de erro e culpa meus.
Bati nas pedras, perdi meu compasso,
a fé que tive foi a dos ateus.

Entre soltar ou apertar o laço,
como entre dar bom dia ou dar adeus
ao que me rouba totalmente o espaço,
escolhi como escolhem os museus.

Ficar co’as velharias já mofadas,
trancar a brisa do lado de fora,
tossir tantas poeiras respiradas...

Entendi mal e deste entendimento
resulta que por mais de muitas horas
do nada fez-se um acontecimento.

ROGÉRIO CAMARGO
02.04.2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Imagens Acústicas - Análise de Musica por Danny Marks



Na infância sempre que minha mãe se referia da minha pessoa para outros dizia: Esse menino só faz arte.
Obviamente não me convencia disso, afinal mãe é mãe, e quando perguntava para os amigos o que eles achavam, eles apenas riam muito.
Comecei a desconfiar que estava destinado a ser um comediante, ainda mais quando as meninas começaram a me chamar de palhaço, em tom sério.
            Então era verdade! Eu era um artista. 
            Porém quis o destino que eu fosse ver uma apresentação circence do Orlando, o Feio. Orlando era o nome dele e feio uma característica, além de ser um palhaço.
            Não achei muito atrativo levar tortas na cara ou ter as calças explodidas, e a impressão negativa foi maior quando vi outros palhaços na televisão.O Bozzo me assusta até hoje.
            Achei melhor mudar de carreira e me dedicar a outra forma de arte e, depois de 40 anos de insistência, acabei me tornando escritor com um relativo sucesso. Vendi alguns exemplares do meu livro aos amigos e sou famoso na minha rua. Minha mãe é minha maior fã e insiste: Esse menino só faz arte.
            Mas o objetivo aqui não é falar na minha bem sucedida carreira, e sim demonstrar que o que ouvimos pode influenciar a percepção que temos das coisas, nossa visão de mundo. Para isso apresento uma música quase tão conhecida quanto eu: Menina Veneno do Richie
O cantor Ritchie nasceu na Inglaterra, filho de militar, morou em vários lugares do mundo. Em 1972, conheceu em Londres um grupo de músicos brasileiros, entre eles o baixista e produtor musical Liminha, que o convenceram a vir para o país. Naquela década, formou com Lobão, Lulu Santos, Luiz Simas e Fernando Gama a banda Vímana, que chegou a gravar um compacto para depois se desfazer e lançar seus integrantes em vitoriosas carreiras-solo.
"Menina Veneno" chegou às rádios brasileiras em 14 de fevereiro de 1983. A faixa, produzida por Liminha, que também toca o baixo e a guitarra, se transformou num extraordinário sucesso, apresentando ao pop-rock nacional uma nova estética e deflagrando a improvável popularidade deste talentoso gringo.
            A música, considerada um ícone romântico, foi regravada por várias bandas e cantores, entre eles o grupo Roupa Nova e mais recentemente o grupo Restart.
            Trabalhada em um ritmo sensual e tem uma letra simples de fácil assimilação:

Menina Veneno – Richie
Meia-noite no meu quarto, ela vai subir
ouço passos na escada, vejo a porta abrir
um abajur cor de carne, um lençol azul
cortinas de seda, o seu corpo nu

menina veneno o mundo é pequeno demais para nós dois
em toda cama que eu durmo
só dá você (3x)

seus olhos verdes no espelho,
brilham para mim
seu corpo inteiro é um prazer
do princípio ao fim

sozinho no meu quarto
eu acordo sem você
fico falando pras paredes
até anoitecer

menina veneno,
você tem um jeito sereno de ser
em toda noite no meu quarto
vem me entorpecer
me entorpecer (2x)

Menina veneno,
o mundo é pequeno demais
pra nós dois.
Em toda cama que eu durmo
só dá você (3x)

Meia-noite no meu quarto
ela vai surgir
eu ouço passos na escada
eu vejo a porta abrir

você vem não sei de onde
eu sei, vem me amar
eu nem sei qual seu nome
mas nem preciso chamar

menina veneno
você tem um jeito sereno de ser,
em toda noite no meu quarto
vem me entorpecer
me entorpecer (2x)


http://www.vagalume.com.br/ritchie/menina-veneno.html#ixzz1HRl1Ue3K

            A questão é: Será que Menina Veneno é realmente uma música sensual/romântica?
            Trata-se de uma narrativa descritiva, utilizando-se dos recursos de apresentar de forma visual um encontro inusitado.
            Logo na primeira estrofe já temos a hora e o local. Meia-Noite no meu quarto, ela vai subir. Ouço passos na escada, vejo a porta abrir.
            Iniciar uma narrativa com “Meia-Noite” é um recurso clássico das histórias de horror/terror, que o diga José Mogica Marins, o “Zé do Caixão”,  que usa muito esse recurso em suas apresentações mundo afora. Essa imagem é reforçada por ouço passos na escadas, vejo a porta abrir. Note que não há alguém executando a ação até o momento, gerando um clima de mistério.
            Então segue uma descrição que assustaria qualquer decorador com bom gosto Um abajur cor de carne, um lençol azul, e para fechar o quadro cortinas de seda.
            Uma combinação no mínimo incomum de palavras e imagens que remetem ainda mais a uma cena de terror. Carne servindo como anteparo para quebrar a luz de um abajur, lençol azul que lembra o céu, e seda nas cortinas tentando dar uma suavidade etérea em toda a cena.
            Finalmente aparece o personagem da ação dos passos na escada e da porta que se abre, um corpo nú de olhos verdes brilhantes que se refletem no espelho e o aterrorizado espectador fica então conhecendo a forma adotada pela aparição: ...o seu corpo nú. Seus olhos verdes no espelho, brilham para mim seu corpo inteiro é um prazer do princípio ao sim.
            Pode-se questionar o misterioso personagem como sendo uma mulher que vaga à noite com insônia, mas o próprio texto nos revela algo a mais: Sozinho no meu quarto eu acordo sem você. Fico falando pras paredes até anoitecer.
Logo mais adiante revela que não conhece a visitante noturna: Você vem não sei de onde. E só no ultimo verso ele revela constrangido as intenções da estranha aparição: Meia-noite no meu quarto ela vai surgir eu ouço passos na escada eu vejo a porta abrir. Você vem não sei de onde, eu sei, vem me amar. Eu nem sei qual seu nome, mas nem preciso chamar.
            O infeliz atormentado já se encontra completamente possuído pela figura como revela: Menina veneno, você tem um jeito sereno de ser em toda noite no meu quarto vem me entorpecer, me entorpecer, me entorpecer.
            O uso das palavras “Menina” e “Veneno” para descrever a personagem é significativo para revelar que trata-se de uma entidade feminina e letal.  Mas o ponto mais crucial é quando ele fala abertamente que o mundo é pequeno demais pra nós dois. Embora a frase “Este mundo é pequeno demais para nós dois” seja mais apropriada para filmes de Giuliano Gema e pistoleiros afins, o que fica implícito na frase é uma ameaça explicita. Porém, a sedução da aparição já se consumou como o próprio texto confirma em dois momentos: Você vem não sei de onde, eu sei, vem me amar.Eu nem sei qual seu nome mas nem preciso chamar e Em toda cama que eu durmo só dá você, só dá você. Só dá você.
            A insistência com que esta ultima frase é dita revela uma obsessão pelo fato. Neste ponto faz-se necessária uma intertextualidade para descobrir de que tipo seria essa aparição sedutora. Trata-se de um Súcubo, do latim Succubu “o que se deita por debaixo de outro”, como nos diz o Aurélio, e ainda acrescenta: “Demônio feminino que, segundo crença popular, vem copular com um homem perturbando-lhe o sono e causando-lhe pesadelos.” Em alguns manuais de demonologia Súcubo é uma a entidade demoníaca feminina, cujo oposto masculino é o Incubo, e alimenta-se da energia vital da vítima através de ato sexual com características sádico/oníricas. Uma espécie de sereia de terra firme.
            Então fica explicado o motivo do título ser “Menina Veneno”, trata-se de uma canção que fala sobre uma possessão demoníaca em que a pobre vítima é assediada sexualmente até a loucura que o consome em uma dependência da relação que terminará com a sua morte, como a própria vitima descreve no texto: Seu corpo inteiro é um prazer do princípio ao fim.
            Teria o autor ficado louco ao apresentar esta letra como sendo uma música sensual/romântica ou os acordes que acompanham teriam induzido essa interpretação pelos inúmeros fãs que ainda hoje cantam sem ater-se exatamente ao conteúdo?
Aparentemente a idéia do autor é apresentar um texto metafórico sobre uma relação doentia entre parceiros sexuais/românticos, em que há um prejuízo não perceptível. Uma forma de alertar sobre os riscos dos “amores eventuais” em voga na época. Essa tese pode ser comprovada com o verso:
          Seu corpo inteiro é um prazer do princípio ao FIM.
           Este verso remete ao discurso religioso "do principio e FIM dos tempos" de cobrança das culpas. Uma união baseada apenas em um sentimento físico é condenável, algo “satânico”. Para manter uma relação duradoura, sacramentada pelo divino, seria necessário muito mais do que simples tesão momentâneo, teria que haver algo mais profundo: Amor. Portanto a relação apresentada é condenável, deixando como frutos apenas as cicatrizes de um encontro onírico que se torna um pesadelo.
            Obviamente essa é apenas uma leitura possível e não quero dizer que seja a mais correta.
O objetivo deste trabalho é deixar claro como as imagens acústicas podem servir de indutoras subliminares que tendencionam o olhar sobre o texto que acompanham, recurso utilizado por muitos autores, principalmente poetas, onde somente uma leitura aprofundada pode apresentar claramente os conteúdos escondidos.
Fique atento para não levar sustos.

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