quarta-feira, 20 de abril de 2011

PARANÓIA - Lariel Frota

-O que é isso menino, tá maluco?
            -Maluco nada mãe,  não quero  correr risco, o Leleco ficou desfilando  a moto zerada  e o que aconteceu,  ficou na mão, dois pivetes  pegaram ele no farol...  dançou.
            -Já sei o que aconteceu com o Leleco, mas  amassar e remendar, sua moto está    um horror.
            -É essa a intenção,  quanto mais feia a  máquina,  menor a chance de ser roubada,  malandro  também tem bom gosto.
            -Sei não menino. Está  exagerado, paranóia de  cidade grande, todo mundo com medo de tudo. Vai detonar  também o símbolo do timão?
            -Nem pensar, seguro morreu de velho, agora desrespeitar o meu conringão, aí é demais.  
            Cai a noite na cidade cinzenta, sob uma garoa fria  que torna as pistas escorregadias,  ele  se recorda das palavras da mãe,  o  trânsito  não está complicado. Dóca   fez a última entrega.  Feliz por mais um dia sem acidentes volta  pra casa, quer  assistir o jogo pela televisão.
            Ao longo da avenida iluminada,  os faróis abrem e fecham alternadamente, o ronco de uma potente CB500 assusta Dóca . A poucos metros observa  dois sujeitos  na moto incrementada, se vestem de preto. Um frio lhe percorre a espinha, pensa no relato do amigo  assaltado num semáforo.  O coração dispara,   o suor começa a brotar no  rosto. Respira fundo tentando manter a calma,  pensa nas  palavras da mãe: “cuidado com a paranóia menino, o medo de tudo pode virar doença”.
            Observando os dois pelo  retrovisor,  vê o sujeito na garupa levar a mão a cabeça. Agitado parece estar se coçando,  ou talvez sinalize a hora para  o  ataque. O farol abre,  acelerando  Doca  agradece  ter conseguido “fugir”, percorre uns quarteirões  apavorado.  A frente  a luz amarela  do próximo semáforo sinaliza ameaçador.
            Parado novamente   está tremendo,   as  pernas parecem  bambear: os  dois “inimigos” se aproximam, agora ficou claro, o movimento de levar a mão a cabeça só pode ser  um código  para o ataque. 
            Reagir nem pensar devem estar armados, correr impossível sua moto não tem a mesma potência. De novo o sinal abre,  o  condutor da  outro moto  parece adivinhar seus pensamentos, uma olhadinha, um riso que ele não consegue decifrar, quem sabe   o  ar vitorioso do caçador,  se divertindo diante do medo da caça indefesa.
            Conhecedor da cidade Dóca  sabe que o pior está para  acontecer:   mais adiante  existe um trecho  escuro, dois quarteirões  pouco movimentados,  que quando pode  procura evitar. Hoje, querendo chegar  mais cedo por causa do futebol, escolheu o caminho mais rápido. Sente-se um ratinho indo pra ratoeira,  sabe que   o ataque  acontecerá.
             As mãos suadas, um gosto amargo na boca seca, luta pra não   agir como uma presa diante da morte iminente. Decidi  surpreender seus inimigos,  diminuindo a velocidade para no meio fio e  alguns instantes depois seus “perseguidores” também param. Doca  desce da moto,  retirando com o  capacete  absolutamente derrotado.
            -Ta legal mano, pode levar não vou reagir. Vocês estão me seguindo há um tempão, dando sinal um pro outro. Acabou, vocês ganharam, sem violência vamos acabar logo com isso.
            - Tá  doidão parceiro, a gente não é assaltante não!  Minha moto ficou no concerto e o companheiro ta me dando uma carona. Como você parou,  resolvemos ver se precisava de ajuda, esse  o trecho aqui é perigoso. Que negócio é esse de sinal mano?
            -Eu vi várias vezes você coçando  cabeça, meio agitado pensei que fosse um código de ataque.
            Retirando o capacete  o garupa deixa a mostra  um couro cabeludo repleto de falhas.
            -Olha aqui parceiro,  isso é paranóia sua. Veja  o estado da minha cabeça,  to  tratando, mas coça que é um horror, não é código nenhum, é  micose da brava mesmo.
            Dóca  envergonhado   não sabe como desculpar-se pela engano.
-Não  precisa ficar assim mano, a gente conhece a correria, não dá mesmo pra ficar de bobeira.  Vamos que a  luta continua, e queremos assistir o jogo do coringão, falou?
            Sumindo na escuridão virando a esquina,   Dóca  tenta disfarçar a lágrima,    fruto de  um misto de remorso, alívio, vergonha. Não sabe entender   o que sente, talvez um  sentimento  bom de  vitória por estar vivo,  voltando pra casa.

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