-O que é isso menino, tá maluco?
-Maluco nada mãe, não quero correr risco, o Leleco ficou desfilando a moto zerada e o que aconteceu, ficou na mão, dois pivetes pegaram ele no farol... dançou.
-Já sei o que aconteceu com o Leleco, mas amassar e remendar, sua moto está um horror.
-É essa a intenção, quanto mais feia a máquina, menor a chance de ser roubada, malandro também tem bom gosto.
-Sei não menino. Está exagerado, paranóia de cidade grande, todo mundo com medo de tudo. Vai detonar também o símbolo do timão?
-Nem pensar, seguro morreu de velho, agora desrespeitar o meu conringão, aí é demais.
Cai a noite na cidade cinzenta, sob uma garoa fria que torna as pistas escorregadias, ele se recorda das palavras da mãe, o trânsito não está complicado. Dóca fez a última entrega. Feliz por mais um dia sem acidentes volta pra casa, quer assistir o jogo pela televisão.
Ao longo da avenida iluminada, os faróis abrem e fecham alternadamente, o ronco de uma potente CB500 assusta Dóca . A poucos metros observa dois sujeitos na moto incrementada, se vestem de preto. Um frio lhe percorre a espinha, pensa no relato do amigo assaltado num semáforo. O coração dispara, o suor começa a brotar no rosto. Respira fundo tentando manter a calma, pensa nas palavras da mãe: “cuidado com a paranóia menino, o medo de tudo pode virar doença”.
Observando os dois pelo retrovisor, vê o sujeito na garupa levar a mão a cabeça. Agitado parece estar se coçando, ou talvez sinalize a hora para o ataque. O farol abre, acelerando Doca agradece ter conseguido “fugir”, percorre uns quarteirões apavorado. A frente a luz amarela do próximo semáforo sinaliza ameaçador.
Parado novamente está tremendo, as pernas parecem bambear: os dois “inimigos” se aproximam, agora ficou claro, o movimento de levar a mão a cabeça só pode ser um código para o ataque.
Reagir nem pensar devem estar armados, correr impossível sua moto não tem a mesma potência. De novo o sinal abre, o condutor da outro moto parece adivinhar seus pensamentos, uma olhadinha, um riso que ele não consegue decifrar, quem sabe o ar vitorioso do caçador, se divertindo diante do medo da caça indefesa.
Conhecedor da cidade Dóca sabe que o pior está para acontecer: mais adiante existe um trecho escuro, dois quarteirões pouco movimentados, que quando pode procura evitar. Hoje, querendo chegar mais cedo por causa do futebol, escolheu o caminho mais rápido. Sente-se um ratinho indo pra ratoeira, sabe que o ataque acontecerá.
As mãos suadas, um gosto amargo na boca seca, luta pra não agir como uma presa diante da morte iminente. Decidi surpreender seus inimigos, diminuindo a velocidade para no meio fio e alguns instantes depois seus “perseguidores” também param. Doca desce da moto, retirando com o capacete absolutamente derrotado.
-Ta legal mano, pode levar não vou reagir. Vocês estão me seguindo há um tempão, dando sinal um pro outro. Acabou, vocês ganharam, sem violência vamos acabar logo com isso.
- Tá doidão parceiro, a gente não é assaltante não! Minha moto ficou no concerto e o companheiro ta me dando uma carona. Como você parou, resolvemos ver se precisava de ajuda, esse o trecho aqui é perigoso. Que negócio é esse de sinal mano?
-Eu vi várias vezes você coçando cabeça, meio agitado pensei que fosse um código de ataque.
Retirando o capacete o garupa deixa a mostra um couro cabeludo repleto de falhas.
-Olha aqui parceiro, isso é paranóia sua. Veja o estado da minha cabeça, to tratando, mas coça que é um horror, não é código nenhum, é micose da brava mesmo.
Dóca envergonhado não sabe como desculpar-se pela engano.
-Não precisa ficar assim mano, a gente conhece a correria, não dá mesmo pra ficar de bobeira. Vamos que a luta continua, e queremos assistir o jogo do coringão, falou?
Sumindo na escuridão virando a esquina, Dóca tenta disfarçar a lágrima, fruto de um misto de remorso, alívio, vergonha. Não sabe entender o que sente, talvez um sentimento bom de vitória por estar vivo, voltando pra casa.
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