terça-feira, 29 de março de 2016

Ultimatum - Alvaro de Campos (1917)

Fragmento interpretado por Maria Bethânia



ULTIMATUM   de Álvaro de Campos
Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora.
Fora tu , Anatole France , Epicuro de farmacopeia homeopática, tenia-Jaurès do Ancien Régime, salada de Renan-Flaubert em loiça do século dezassete, falsificada!
Fora tu, Maurice Barrès, feminista da Acção, Châteaubriand de paredes nuas, alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio !
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade !
Fora ! Fora !
Fora tu, George Bernard Shaw, vegeteriano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish Melody calvinista com letra da Origem das Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da Complexidade !
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios !
Fora tu, Yeats da céltica bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora ! Fora !
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em Patmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu, Loti, sopa salgada, fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos aí para um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!
Aí ! Que fazes tu na celebridade, Guilherme Segundo da Alemanha, canhoto maneta do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume ?!
Quem és tu, tu da juba socialista, David Lloyd George, bobo de barrete frígio feito de Union Jacks?!
E tu, Venizelos, fatia de Péricles com manteiga, caída no chão de manteiga para baixo?!
E tu, qualquer outro, todos os outros, açorda Briand-Dato-Boselli da incompetência ante os factos, todos os estadistas pão-de-guerra que datam de muito antes da guerra! Todos! todos! todos! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virados pra baixo à porta da Insuficiência da Época!
Tirem isso tudo da minha frente!
Arranjem feixes de palha e ponham-nos a fingir gente que seja outra!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos!
Se não querem sair, fiquem e lavem-se !
Falência geral de tudo por causa de todos !
Falência geral de todos por causa de tudo !
Falência dos povos e dos destinos — falência total !
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu organização britânica, com Kitchener no fundo do mar desde o princípio da guerra!
(It's a long, long way to Tipperary, and a jolly sight longer way to Berlin !)
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristianismo e vinagre de nietzschização, colmeia de lata, transbordeamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque se partiu!
Tu, «imperialimo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos !
Tu, Estados Unidos da America, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da aÁorda transatlântica, pronúncia nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto de Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil «república irmã», blague de Pedro Álvares Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de .tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosophia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo cozinha-franceza dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos, angariadores de anúncios para Deus !
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas !
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!
Nenhuma ideia grande, ou noção completa ou ambição imperial de imperador-nato!
Nenhuma ideia de uma estrutura, nenhum senso do Edifício, nenhuma ânsia do Orgânico-Criado!
Nem um pequeno Pitt, nem um Goethe de cartão, nem um Napoleão de Nürnberg!
Nem uma corrente literária que seja sequer a sombra do romantismo ao meio-dia!
Nem um impulso militar que tenha sequer o vago cheiro de um Austerlitz!
Nem uma corrente política que soe a uma ideia-grão, chocalhando-a, ó Caios Grachos de tamborilar na vidraça!
Época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações de lacaios a reis-lacaios!
Lacaios que não sabeis ter a Aspiração, burgueses do Desejo, transviados do balcão instintivo! Sim, todos vós que representais a Europa, todos vós que sois políticos em evidência em todo o mundo, que sois literatos meneurs de correntes europeias, que sois qualquer coisa a qualquer coisa neste maelström de chá-morno!
Homens-altos de Lilliput-Europa, passai por baixo do meu Desprezo ! Passai vós, ambiciosos do luxo quotidiano, anseios de costureiras dos dois sexos, vós cujo tipo é o plebeu Annunzio, aristocrata de tanga de ouro!
Passai vós, que sois autores de correntes artísticas, verso da medalha da impotência de criar!
Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo!
Passai, radicais do Pouco, incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia, que tendes a impotência por esteio das neo-teorias!
Passai, gigantes de formigueiro, ébrios da vossa personalidade de filhos de burguês, com a mania da grande-vida roubada na dispensa paterna e a hereditariedade indesentranhada dos nervos!
Passai, mistos; passai, débeis que só cantais a debilidade; passai, ultra-débeis que cantais só a força, burgueses pasmados ante o atleta de feira que quereis criar na vossa indecisão febril !
Passai, esterco epileptóide sem grandezas, histerialixo dos espectáculos, senilidade social do conceito individual de juventude!
Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!
Passai à esquerda do meu Desdém virado à direita, criadores de «sistemas filosóficos», Boutroux, Bergsons, Euckens, hospitais para religiosos incuráveis, pragmatistas do jornalismo metafísico, lazzaroni da construção meditada!
Passai e não volteis, burgueses da Europa-Total, párias da ambição do parecer-grandes, provincianos de Paris!
Passai, decigramas da Ambição, grandes só numa época que conta a grandeza por centimiligramas!
Passai, provisórios, quotidianos, artistas e políticos estilo lightning-lunch, servos empoleirados da Hora, trintanários da Ocasião!
Passai, «finas sensibilidades» pela falta de espinha dorsal; passai, construtores de café e conferência, monte de tijolos com pretensões a casa!
Passai, cerebrais dos arrabaldes, intensos de esquina-de-rua!
Inútil luxo, passai, vã grandeza ao alcance de todos, megalomonia triunfante do aldeão de Europa-aldeia!
Vós que confundis o humano com o popular, e o aristocrático com o fidalgo! Vós que confundis tudo, que, quando não pensais nada, dizeis sempre outra coisa! Chocalhos, incompletos, maravalhas, passai!
Passai, pretendentes a reis parciais, lords de serradura, senhores feudais do Castelo de Papelão!
Passai, romantismo póstumo dos liberalões de toda a parte, classicismo em álcool dos fetos de Racine, dinamismo dos Whitmans de degrau de porta, dos pedintes da inspiração forçada, cabeças ocas que fazem barulho porque vão bater com elas nas paredes!
Passai, cultores do hipnotismo em casa, dominadores da vizinha do lado, caserneiros da Disciplina que não custa nem cria !
Passai, tradicionalistas auto-convencidos, anarquistas deveras sinceros, socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da revolução, passai!
Passai eugenistas, organizadores de uma vida de lata, prussianos da biologia aplicada, neo-mendelianos da incompreensão sociológica!
Passai, vegeterianos, teetotalers, calvinistas dos outros, kill-joys do imperialismo de sobejo!
Passai, amanuenses do «vivre sa vie» de botequim extremamente de esquina, ibsenóides Bernstein-Bataille do homem forte de sala de palco!
Tango de pretos, fosses tu ao menos minuete!
Passai, absolutamente, passai!
Vem tu finalmente ao meu Asco, roça-se tu finalmente contra as solas do meu Desdém, grand finale dos parvos, conflagração-escárneo, fogo em pequeno monte de estrume, síntese dinâmica do estatismo ingénito da Época!
Roça-te tu e rojate, impotência a fazer barulho!
Roça-te, canhões declamando a incapacidade de mais ambição que balas, de mais inteligência que bombas!
Que esta é a equação-lama da infâmia do cosmopolitismo de tiros:
JONNART
BÉLGICA
VON BISSING
GRÉCIA
Proclamem bem alto que ninguém combate pela liberdade ou pelo Direito!Todos combatem por medo dos outros ! Não tem mais metros que estes milímetros a estatura das suas direcções!
Lixo guerreiro-palavroso! Esterco Joffre-Hindenburguesco! Sentina europeia de Os Mesmos em excisão balofa!
Quem acredita neles?
Quem acredita nos outros?
Façam a barba aos poilus!
Descasquetem o rebanho inteiro!
Mandem isso tudo pra casa descascar batatas simbólicas!
Lavem essa celha de mixórdia inconsciente!
Atrelem uma locomotiva a essa guerra!
Ponham uma coleira a isso e vão exibi-lo para a Austrália!
Homens, nações, intuitos, está tudo nulo!
Falência de tudo por causa de todos! Falência de todos por causa de tudo! De um modo completo, de um modo total, de um modo integral:
MERDA!
A Europa tem sede de que se crie, tem fome de Futuro !
A Europa quer grandes Poetas, quer grandes Estadistas, quer grandes Generais !
Quer o Político que construa conscientemente os destinos inconscientes do seu povo !
Quer o Poeta que busque a Imortalidade ardentemente, e não se importe com a fama, que é para as actrizes e para os produtos farmacêuticos!
Quer o General que combata pelo Triunfo Construtivo, não pela vitória em que apenas se derrotam os outros!
A Europa quer muito destes Políticos, muitos destes Poetas, muitos destes Generais!
A Europa quer a Grande Ideia que esteja por dentro destes Homens Fortes — a ideia que seja o Nome da sua riqueza anónima!
A Europa quer a Inteligência Nova que seja a Forma da sua Mateira caótica!
Quer a Vontade Nova que faça um Edifício com as pedras-ao-acaso do que é hoje a Vida!
Quer a sensibilidade Nova que reúna de dentro os egoísmos dos lacaios da Hora!
A Europa quer Donos! O Mundo quer a Europa!
A Europa está farta de não existir ainda ! Está farta de ser apenas o arrabalde de si-própria ! A Era das Máquinas procura, tacteando, a vinda da Grande Humanidade!
A Europa anseia, ao menos, por Teóricos de O-que-será, por Cantores-Videntes do seu Futuro!
Dai Homeros À Era das Máquinas, ó Destinos científicos! Dai Miltons à época das Coisas Eléctricas, ó Deuses interiores à Matéria!
Dai-nos Possuidores de si-próprios, Fortes Completos, Harmónicos Subtis!
A Europa quer passar de designação geográfica a pessoa civilizada !
O que aí está a apodrecer a Vida, quando muito é estrume para o Futuro!
O que aí está não pode durar, porque não é nada!
Eu, da Raça dos Navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da Raça dos Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um Novo Mundo!
Quem há na Europa que ao menos suspeite de que lado fica o Novo Mundo agora a descobrir?
Quem sabe estar em um Sagres qualquer?
Eu, ao menos, sou uma grande Ânsia, do tamanho exacto do Possível!
Eu, ao menos sou da estatura da Ambição Imperfeita, mas da Ambição para Senhores, não para escravos!
Ergo-me ante, o sol que desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós!
Eu, ao menos, sou bastante para indicar o Caminho!
Vou indicar o caminho!
ATENÇÃO!
Proclamo, em primeiro lugar,
A Lei de Malthus da Sensibilidade
Os estímulos da sensibilidade aumentam em progressão geométrica; a própria sensibilidade apenas em progressão aritmética.
Compreende-se a importância desta lei. A sensibilidade — tomada aqui no mais amplo dos seus sentidos possíveis — é a fonte de toda a criação civilizada. Mas essa criação só pode dar-se completamente quando essa sensibilidade esteja adaptada ao meio em que funciona; na proporção da adaptação da sensibilidade ao meio está a grandeza e a força da obra resultante.
Ora a sensibilidade, embora varie um pouco pela influência insistente do meio actual, é, nas suas linhas gerais, constante, e determinada no mesmo indivíduo desde a sua nascença, função do temperamento que a hereditariedade lhe infixou. A sensibilidade, portanto, progride por gerações.
As criações da civilização, que constituem o «meio» da sensibilidade, são a cultura, o progresso científico, a alteração nas condições políticas (dando à expressão um sentido completo); ora estes ó e sobretudo o progresso cultural e científico, uma vez começado — progridem não por obra de gerações, mas pela interacção e sobreposição da obra de indivíduos, e, embora lentamente a princípio, breve progridem ao ponto de tomarem proporções em que, de geração a geração, centenas de alterações se dão nestes novos estímulos da sensibilidade, ao passo que a sensibilidade deu; ao mesmo tempo, só um avanço, que é o de uma geração, porque o pai não transmite ao filho senão uma pequena parte das qualidades adquiridas.
Temos, pois, que a uma certa altura da civilização há de haver uma desadaptação da sensibilidade ao meio, que consiste dos seus estímulos — uma falência portanto. Dá-se isso na nossa época, cuja incapacidade de criar grandes valores deriva dessa desadaptação.
A desadaptação não foi grande no primeiro período da nossa civilização, da Renascença ao século XVIII, em que os estímulos da sensibilidade eram sobretudo de ordem cultural, porque esses estímulos, por sua própria natureza, eram de progresso lento, e atingiam a princípio apenas as camadas superiores da sociedade.
Acentuou-se a desadaptação no segundo período, que parte da Revolução para o século XIX, e em que os estímulos são já sobretudo políticos, onde a progressão é facilmente maior e o alcance do estímulo muito mais vasto. Cresceu a desadaptação vertiginosamente no período desde meados do século XIX à nossa época, em que o estímulo, sendo as criações da ciência, produz já uma rapidez de desenvolvimento que deixa atrás os progressos da sensibilidade, e, nas aplicações práticas da ciência, atinge toda a sociedade. Assim se chega à enorme desproporção entre o termo presente da progressão geométrica dos estímulos da sensibilidade e o termo correspondente da progressão aritmética da própria sensibilidade.
Daí a desadaptação, a incapacidade criativa da nossa época. Temos, portanto, um dilema: ou morte da civilização, ou adaptação artificial, visto que a natural, a instinctiva faliu.
Para que a civilização não morra, proclamo, portanto em segundo lugar,
A Necessidade da Adaptação Artificial
O que é a adaptação artificial?
É um acto de cirurgia sociológica. É a transformação violenta da sensibilidade de modo a tornar-se apta a acompanhar pelo menos por algum tempo, a progressão dos seus estímulos.
A sensibilidade chegou a um estado mórbido, porque se desadaptou. Não há que pensar em curá-la. Não há curas sociais. Há que pensar em operá-la para que ela possa continuar a viver. Isto é, temos que substituir a morbidez natural da desadaptação pela sanidade artificial feita pela intervenção cirúrgica, embora envolva uma mutilação.
O que é que é preciso eliminar do psiquismo contemporâneo?
Evidentemente que é aquilo que seja a aquisição fixa mais recente no espírito — isto é, aquela aquisição geral do espírito humano civilizado que seja anterior ao estabelecimento da nossa civilização, mas recentemente anterior; e isto por três razões: (a) porque, por ser a mais recente das fixações psíquicas, é a menos difícil de eliminar; (b) porque, visto que cada civilização se forma por uma reacção contra a anterior, são os princípios da anterior que são os mais antagónicos à actual e que mais impedem a sua adaptação às condições especiais que durante esta apareçam; (c) porque, sendo a aquisição fixa mais recente, a sua eliminação não ferirá tão fundo a sensibilidade geral como o faria a eliminação, ou a pretensão de eliminar, qualquer fundo depósito psíquico.
Qual é a ultima aquisição fixa do espírito humano geral?
Deve ser composta de dogmas do cristianismo, porque a Idade Média, vigência plena daquele sistema religioso, precede imediatamente e duradouramente, a eclosão da nossa civilização, e os princípios cristãos são contraditados pelos firmes ensinamentos da ciência moderna.
A adaptação artificial será portanto espontanente feita desde que se faça uma eliminação das aquisições fixas do espírito humano, que derivam da sua mergência no cristianismo.
Proclamo, por isso, em terceiro lugar,
A intervenção cirúrgica anti-cristã
Resolve-se ela, como é de ver, na eliminação dos três preconceitos, dogmas, ou atitudes, que o cristianismo fez que se infiltrassem na própria substância da psique humana.
Explicação concreta:
1. — Abolição do dogma da personalidade — isto é, de que temos uma Personalidade «separada» das dos outros. É uma ficção teológica. A personalidade de cada um de nós é composta (como o sabe a psicologia moderna, sobretudo desde a maior atenção dada à sociologia) do cruzamento social com as «personalidades» dos outros, da imersão em correntes e direcções sociais e da fixação de vincos hereditários, oriundos, em grande parte, de fenómenos de ordem colectiva. Isto é, no presente, no futuro, e no passado, somos parte dos outros, e eles parte de nós. Para o auto-sentimento cristão, o homem mais perfeito é o que com mais verdade possa dizer «eu sou eu»; para a ciência, o homem mais perfeito é o que com mais justiça possa dizer «eu sou todos os outros».
Devemos pois operar a alma, de modo a abri-la à consciência da sua interpenetração com as almas alheias obtendo assim uma aproximação concretizada do Homem-Completo, do Homem-Síntese da Humanidade.
Resultados desta operacão:
(a) Em política: Abolição total do conceito de democracia, conforme a Revolução Francesa, pelo qual dois homens correm mais que um homem só, o que é falso, porque um homem que vale por dois é que corre mais que um homem só! Um mais um não são mais do que um, enquanto um e um não formam aquele Um a que se chama Dois. — Substituição, portanto, à Democracia, da Ditadura do Completo, do Homem que seja, em si-próprio, o maior número de Outros; que seja, portanto, A Maioria. Encontra-se assim o Grande Sentido da Democracia, contrário em absoluto ao da actual, que, aliás, nunca existiu.
(b) Em arte: Abolição total do conceito de que cada indivíduo tem o direito ou o dever de exprimir o que sente. Só tem o direito ou o dever de exprimir o que sente, em arte, o indivíduo que sente por vários. Não confundir com «a expressão da Época», que é buscada pelos indivíduos que nem sabem
sentir por si-próprios. O que é preciso é o artista que sinta por um certo número de Outros, todos diferentes uns dos outros, uns do passado, outros do presente, outros do futuro. O artista cuja arte seja uma Síntese-Soma, e não uma Síntese-Subtracção dos outros de si, como a arte dos actuais.
(c) Em filosofia: Abolição do conceito de verdade absoluta. Criação da Super-Filosofia. O filósofo passará a ser o interpretador de subjectividades entrecruzadas, sendo o maior filósofo o que maior número de filosofias espontâneas alheias concentrar. Como tudo é subjectivo, cada opinião é verdadeira para cada homem: a maior verdade será a soma-síntese-interior do maior número destas opiniões verdadeiras que se contradizem umas às outras.
2. — Abolição do preconceito da individualidade. — É outra ficção teológica — a de que a alma de cada um é una e indivisível. A ciência ensina, ao contrário, que cada um de nós é um agrupamento de psiquismos subsidiários, uma síntese malfeita de almas celulares. Para o auto-sentimento cristão, o homem mais perfeito é o mais coerente consigo próprio; para o homem de ciência, o mais perfeito é o mais incoerente consigo próprio,
Resultados:
(a) Em política: A abolição de toda a convicção que dure mais que um estado de espírito, o desaparecimento total de toda a fixidez de opiniões e de modos-de-ver; desaparecimento portanto de todas as instituições que se apoiem no facto de qualquer «opinião pública» poder durar mais de meia-hora. A solução de um problema num dado momento histórico será feita pela coordenação ditatorial (vide parágrafo anterior) dos impulsos do momento dos componentes humanos desse problema, que é uma coisa puramente subjectiva, é claro. Abolição total do passado e do futuro como elementos com que se conte, ou em que se pense, nas soluções políticas. Quebra inteira de todas as continuidades.
(b) Em arte: Abolição do dogma da individualidade artística. O maior artista será o que menos se definir, e o que escrever em mais géneros com mais contradições e dissemelhanças. Nenhum artista deverá ter só uma personalidade. Deverá ter várias, organizando cada uma por reunião concretizada de estados de alma semelhantes, dissipando assim a ficção grosseira de que é uno e indivisível.
(c) Em filosofia: Abolição total da Verdade como conceito filosófico, mesmo relativo ou subjectivo. Redução da filosofia à arte de ter teorias interessantes sobre o «Universo». O maior filósofo aquele artista do pensamento, ou antes da «arte abstracta» (nome futuro da filosofia) que mais teorias coordenadas, não relacionadas entre si, tiver sobre a «Existência».
3. — Abolição do dogma do objectivismo pessoal. — A objectividade é uma média grosseira entre as subjectividades parciais. Se uma sociedade for composta, por ex., de cinco homens, a, b, c, d, e e, a «verdade» ou «objectividade» para essa sociedade será representada por
a+b+c+d+e
5
No futuro cada indivíduo deve tender para realizar em si esta média. Tendência, portanto de cada indivíduo, ou, pelo menos, de cada indivíduo superior, a ser uma harmonia entre as subjectividades alheias (das quais a própria faz parte), para assim se aproximar o mais possível daquela Verdade-Infinito, para a qual idealmente tende a série numérica das verdades parciais.
Resultado:
(a) Em política: O domínio apenas do indivíduo ou dos indivíduos que sejam os mais hábeis Realizadores de Médias, desaparecendo por completo o conceito de que a qualquer indivíduo é lícito ter opiniões sobre política (como sobre qualquer outra coisa), pois que só pode ter opiniões o que for Média.
(b) Em arte: Abolição do conceito de Expressão, sustituído pelo de Entre-Expressão. Só o que tiver a consciência plena de estar exprimindo as opiniões de pessoa nenhuma (o que for Média portanto) pode ter alcance.
(c) Em filosofia: Substituição do conceito de Filosofia pelo de Ciência, visto a Ciência ser a Média concreta entre as opiniões filosóficas, verificando-se ser média pelo seu «carácter objectivo», isto é, pela sua adaptação ao «universo exterior» que é a Média das subjectividades. Desaparecimento portanto da Filosofia em proveito da Ciência.
Resultados finais, sintéticos:
(a) Em política: Monarquia Científica, antitradicionalista e anti-hereditária, absolutamente espontânea pelo aparecimento sempre imprevisto do Rei-Média. Relegação do Povo ao seu papel cientificamente natural de mero fixador dos impulsos de momento.
(b) Em arte: Substituição da expressão de uma época por trinta ou quarenta poetas, pela sua expressão por (por ex.), dois poetas cada um com quinze ou vinte personalidades, cada uma das quais seja uma Média entre correntes sociais do momento.
(c) Em filosofia: Integração da filosofia na arte e na ciência; desaparecimento, portanto, da filosofia como metafísica-ciência. Desaparecimento de todas as formas do sentimento religioso (desde o cristianismo ao humanitarismo revolucion´srio) por não representarem uma Média.
Mas qual o Método, o feitio da operação colectiva que há de organizar, nos homens do futuro, esses resultados? Qual o Método operatório inicial?
O Método sabe-o só a geração por quem grito por quem o cio da Europa se roça contra as paredes ! Se eu soubesse o Método, seria eu-próprio toda essa geração!
Mas eu só vejo o Caminho; não sei onde ele vai ter.
Em todo o caso proclamo a necessidade da vinda da Humanidade dos Engenheiros!
Faço mais: garanto absolutamente a vinda da Humanidade dos Engenheiros!
Proclamo, para um futuro próximo, a criação científica dos Super-homens!
Proclamo a vinda de uma Humanidade matemática e perfeita!
Proclamo a sua Vinda em altos gritos!
Proclamo a sua Obra em altos gritos!
Proclamo‑A, sem mais nada, em altos gritos!
E proclamo também: Primeiro:
O Super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo!
E proclamo também: Segundo:
O Super-homem será, não o mais duro, mas o mais complexo!
E proclamo também: Terceiro:
O Super-homem será, não o mais livre, mas o mais harmónico!
Proclamo isto bem alto e bem no auge, na barra do Tejo, de costas para a Europa, braços erguidos, fitando o Atlântico e saudando abstractamente o Infinito.
1917
Portugal Futurista, nº 1. Lisboa: 1917. (Ed. facsimil. Lisboa: Contexto, 1981)
  - 30.

Disponível em

Fragmento e Interpretação de Maria Bethânia: Canal Youtube (visualização 29/03/2016)
Texto completo: http://arquivopessoa.net/textos/456  (visualização 29/03/2016)
Livro escaneado: http://purl.pt/17263 (visualização 29/03/2016)

sexta-feira, 25 de março de 2016

Xadrez Tridimensional – Danny Marks


          O de Preto, como as peças que movimentava, sacou um charuto e pôs-se a acende-lo com um longo ritual, repetido tantas vezes em outros momentos, que, segundo ele, ampliava o sabor do momento. O de Branco, como as peças que movimentava, entendia de rituais também, mas alguns simplesmente abominava. Naquele momento não disse nada, apenas estudava o movimento do seu adversário no intricado jogo que se estendia em vários tabuleiros dispostos em plataformas que se justapunham em crescente espaço e importância, segundo as regras estabelecidas.
          — Interessante que tenha elevado um dos peões à torre. — disse o de Branco — mas isso não impede o movimento da minha rainha, como pode ver.
          — Com todo o respeito a sua posição, não tente compreender as minhas jogadas, caro colega, as tenho desenvolvido há tempos, antes mesmo que você assumisse o lugar de jogador. Não estou interessado na sua rainha louca, neste momento. Não me julgue de forma tão superficial.
          — Com o devido respeito, caro colega, talvez o fato de terem me alçado à condição de jogador se deva ao fato de que se faz necessário uma renovação das estratégias, uma nova abordagem, por assim dizer. Creio que não há mais espaço para jogadas antigas, embora lhes reconheça a força; mas, como dizem lá em cima “Outros tempos, outras soluções”!
          — Nobre amigo, já estive com adversários que vieram com as mesmas falas que as suas, todos almejavam “novos rumos” e se acreditavam capazes de solucionar qualquer intervenção que eu pudesse fazer. Provou-se que as coisas não mudaram tanto assim, continuo sendo o vencedor.
          — Tudo é uma questão de perspectiva, nobre amigo. Perceba que as suas aclamadas vitórias, parciais, diga-se de passagem, foram as causadoras da situação atual que abrange todos os tabuleiros. Está novamente desconsiderando os fatores externos; um erro, me perdoe o trocadilho, “clássico”.
          — Bobagem, historicamente tenho enfrentado esse fator externo com tranquilidade e avançado apesar dele, deveria ter estudado melhor os jogos anteriores.
          O de Branco se recostou na confortável cadeira depois de ter elevado um dos bispos para um patamar mais elevado, alterando a dinâmica do jogo de forma global, suas peças locais estavam situadas exatamente onde queria, embora dessem a impressão de que estivessem fragilizadas em suas posições. Tomou uma taça de vinho que lhe serviram, bebeu apenas um gole e a devolveu a bandeja, antes de responder ao adversário.
          — Esse tem sido o seu erro, na minha interpretação. Tem se apoiado em velhas soluções para resolver novos problemas, mas as coisas não são como antes, sabe disso. Sim, claro que estudei os jogos anteriores, até para poder fazer melhores projeções e verificar as tendências da evolução das peças.
          — Evolução! Vocês novos estão sempre apontando a evolução como algo que pode desestabilizar a balança, mas o fiel continua sendo o mesmo. Eu comando a evolução! Eu digo o que vai evoluir e o que vai simplesmente desaparecer, não existe acaso no meu jogo.
          — Não se pode burlar a evolução, no máximo retarda-la! Como tem feito sistematicamente, mas tem esquecido que o motor principal da evolução é justamente a sobrevivência. Há regras que podem ser quebradas, distorcidas, manipuladas, mas há regras inflexíveis e é preciso lidar com elas com cuidado.
          — Esse é um discurso covarde, caro jogador, veja a sua situação! Ela reflete exatamente a fragilidade da sua estratégia — em um movimento conseguiu converter vários peões brancos em peões negros, diminuindo ainda mais a vantagem do adversário nesse patamar.
          — Eu invejo a sua estratégia de criar o caos para controlar melhor os mecanismos, mas entenda, há outras formas de se lidar com o caos e a destruição. O cenário geral exige atitudes radicais que não creio que esteja preparado para entender. — Um novo movimento com os peões brancos aliciou vários peões negros no que levou a queda de duas torres e projetou a derrocada de uma outra torre, mais ampla e difusa, em algumas jogadas a frente. O movimento especulativo foi observado pelo adversário que apagou raivosamente o charuto no cinzeiro que lhe foi oferecido.
          — Você não pode fazer isso, vai afetar também as suas jogadas! O que é isso? Alguma jogada suicida com a sua rainha louca? Eu permiti que alçasse esse peão à rei, não entendeu ainda que essa era a MINHA jogada, não a sua?
          O de Branco gargalhou alto e provocou um olhar de reprimenda dos outros jogadores que estavam no local. Conteve-se e baixou a voz, em tom quase confessional, aproximando-se do adversário que, sabia, iria derrotar em breve.
          — Não, nobre adversário, você é que não percebeu que há um objetivo mais amplo em jogo, não basta vencer, ou mesmo trocar as peças e manter as estratégias. Não, é algo muito mais complexo do que possa alcançar, por isso será substituído. O que está em jogo não é a sobrevivência das peças deste tabuleiro, nem mesmo deste jogo. Tudo isso está para mudar. De que adianta continuar com estratégias ultrapassadas quando o próprio tabuleiro está mudando e exige manobras que as regras anteriores não podem prever?
          Pela primeira vez o de Preto sentiu medo. Observou atentamente as posições globais e deu-se conta de que havia perdido, embora suas posições fossem aparentemente as mais favoráveis. Não havia percebido que os organizadores haviam decidido as coisas há muito tempo e que fora apenas mais um peão elevado a uma posição privilegiada e que seria sacrificado em estratégias que nem conseguia alcançar, quanto mais entender.
          Começou a observar que, ao contrário do que poderia ter imaginado antes, o caos que provocava promovia um determinado tipo de ordem, resistente e concentrada. Olhou as bordas dos tabuleiros e percebeu que em todos os níveis havia uma sistemática destruição de peças e realocação de tantas outras. Seus longos anos de jogador haviam lapidado a sua percepção de jogadas limítrofes, ele mesmo se valera de várias delas ao longo das partidas, mas nunca havia visto algo de tamanha proporção, só podia imaginar alguns indícios do que estava por vir e sabia que o seu fim estava próximo. Algum outro jogador, mais preparado para os novos tabuleiros, que seriam montados com novas estratégias, iria substitui-lo. Não havia como vencer quando a sua derrota estava determinada pelos Organizadores.
          Deixou que outra torre fosse desmontada pelo adversário, até colaborou com isso. Recolheu uma taça de vinho que lhe ofereciam e bebeu lentamente. O gosto não lhe pareceu muito bom, desta vez, mas fingiu que estava tudo bem.
          Poderia ser derrotado. Seria derrotado, era inevitável! Mas não entraria para os registros como um covarde que entregava o jogo no momento que descobria a jogada final. Cairia como um rei, de forma majestosa, assassinado em seus aposentos mais íntimos por algum maldito traidor que havia ajudado a criar.
          Seu próximo movimento foi ousado, com um sorriso feroz a estampar-lhe as faces. Não pode deixar de notar o leve tremor nas mãos do adversário. Talvez ele também tivesse feito suas projeções e, quem sabe, entendera melhor qual era o seu verdadeiro adversário.
O de Preto iria garantir esse entendimento, o prazer de um condenado era saber que o seu inimigo logo estaria no mesmo calabouço onde foi executado.

Esse não era um jogo para amadores.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Epidemia – Danny Marks


— Bom dia, o senhor é o próximo?
— Sim, sou eu. Gostaria de agradecer a oportunidade, aqui estão os documentos que...
— Não, guarde isso, por favor. Não sei se lhe informaram, mas é melhor tomar cuidado com algumas coisas. Sabe como é, tempos difíceis, com essa epidemia se alastrando cada vez mais.
— Sim, perfeitamente! Desculpe, é que não estou bem ao par de como funcionam as políticas de...
— Evite essa palavra também. Atualmente estamos utilizando o termo “Sugestões de procedimentos”.
— Certo. De qualquer forma gostaria de dizer que estou disposto a vestir a camisa e...
— Uniforme! Estamos suprimindo esse outro termo também. Para não causar nenhum engano, sabe? Na verdade, em breve estaremos adotando os uniformes transparentes, para não haver nenhuma sugestão equivocada com determinadas cores.
— Transparência? Nos uniformes?
— Sim, e nas roupas de baixo também, para garantir. Tivemos alguns problemas com cuecas recentemente. Já superamos isso, mas vai que...
— Mas, desculpe perguntar, não há problemas com, não sei; o quadro de funcionários não é misto? Quero dizer...
— Plural, usamos o termo plural para os colaboradores. Dá um caráter mais inclusivo, sem discriminar sexos e etc. O importante é o engajamento nessa nossa... desculpe, não estou encontrando as palavras... — consultou rapidamente um caderninho enquanto lia para si mesmo — “Luta” não pode, “empreendimento” deve ser evitado para não lembrar “empreiteira”, “guerra” nem pensar, droga já riscaram também o “trabalho”? Ah, aqui está: etapa! — voltando a falar com o entrevistado — Como ia dizendo é importante o engajamento das pessoas nessa nova etapa de... do que estamos fazendo para... superar, isso, superar a cris... quero dizer, superar a... — olhando desesperadamente o caderno e por fim encontrando uma palavra liberada — epidemia.
— Sei... também me sinto assim. Eu poderia ter uma cópia desse seu... como dizer? Dessa coisa que o senhor está consultando?
— Não fale em consultoria aqui!!! O senhor quer acabar comigo? Não presto consultorias, nem palestras! Digo, eu presto, só não faço esse tipo de... consulta, isso. Não sou um consultor!
— Ok, tudo bem! É que, como disse, as coisas andam complicadas, na verdade nem sei bem o que vou fazer aqui, as pessoas não conseguiram me explicar direito e até estou achando que resolveram me aprovar para evitar maiores explicações.
— O senhor está cogitando se aprofundar nessa questão? Digo, pretende levantar o sigilo da sua contratação?
— Não, nem pensar, está difícil arrumar alguma colocação e nem sei mais quais palavras usar sem criar um problema.
— Eu sei, tem ficado cada vez mais difícil. Por isso estamos contratando novos... você sabe. Ainda ontem tivemos dois casos de infectados e está se espalhando cada vez mais. Mesmo com toda a nossa... todo o nosso... quer dizer, com o que estamos fazendo para evitar o surgimento de novos casos, ainda está... do jeito que está. Soube que em outros lugares tem havido uma proliferação rápida, já estão sendo obrigados a tentar se comunicar sem se comunicar, de forma que não haja uma contaminação maior.
— Não se preocupe, vou observar as coisas para ver qual a melhor forma de agir. Preciso muito dessa vaga e não quero desperdiçar a oportunidade.
— Perfeito. Só uma coisa, a sua assinatura não está muito legível. Qual a sua graça? Digo, nome, não estou fazendo qualquer referência a um trabalho anterior ou julgando alguma particularidade do seu caráter, nem...
— Entendo, é Renan! E o senhor?
O homem ficou murmurando a resposta e de repente se pôs a rir e a chorar ao mesmo tempo. Arrancava páginas do caderno e cabelos, tirava e vestia as roupas dando gritos incompreensíveis. Teve que ser retirado à força de cima de uma das mesas onde se dispunha a fazer um discurso com palavras de ordem aleatórias e sem sentido algum.
O candidato ficou paralisado vendo aquela cena, até que um outro assistente veio conversar com ele.
— Coitado, mais um que sucumbiu à infecção. O senhor estava com ele? Viu alguma coisa? Poderia dar o seu depoimento?
— Depoimento? Não... não sei de nada, não vi nada. Não fui informado do que aconteceu. Vou falar com os meus assessores, vou consultar as bases, vou...
Não pode concluir, a mesma equipe que havia levado o assistente anterior voltou às pressas para levar o candidato também.
Quando se viu sozinho novamente, o novo assistente recolheu os papeis e os documentos que estavam espalhados pelo chão e os colocou em uma das caixas descrita como “Arquivo Morto”. Nem quis olhar para o conteúdo. Melhor não arriscar uma infecção. Tempos difíceis.


sábado, 19 de março de 2016

Danny Marks estréia na Dragonfly com "Escultor de Ossos"


O próximo volume de nossa coleção policial já está quase pronta para ser disponibilizada. Com data de lançamento prevista para a dia 18 de Abril, ira trazer uma narrativa do autor DANNY MARKS. Vamos saber um pouco mais sobre ele?
Danny Marks, nascido Daniel Teijeira Claro, é natural de Santos, SP. Formado em Administração e Letras, Pós Graduado em Alfabetização e Letramento, é autor de “UNIVERSO SUBTERRÂNEO”, “O JOGO”, SEGUNDO O JOGO”, “AMOR, SEXO E OUTRAS TRAGÉDIAS”, entre outros. Palestrante e professor de produção textual é editor responsável pelo blog literário “OS RETRATOS DA MENTE”
A obra inédita, a compor a coleção “CRIMINAL”, tem o título de "ESCULTOR DE OSSOS", e trás uma fascinante narrativa sobre serial-killer. Imperdível.
Acompanhem essa e outras novidades da Dragonfly no facebook https://www.facebook.com/editoradragonfly/?fref=ts
Ou no blog da Editora Dragonfly dragonflyeditorial.blogspot.com

segunda-feira, 14 de março de 2016

Sísifo, construindo o futuro. (Editorial Coluna D2) – Danny Marks


Olá amigos do Coluna D2, o único lugar onde a boca é livre, pedimos licença poética para os usos que normalmente damos a este espaço humorístico para falar de um assunto sério sem, porém, deixar de cumprir nosso papel de levar a crítica, a análise dos fatos e a informação da melhor forma que nos cabe.
Esclarecido de antemão esse importante ponto passamos a comentar a manifestação que ocorreu em todo território brasileiro no dia 13 de março de 2016, onde milhões de pessoas foram às ruas pedir uma mudança da situação vigente.
Nossos repórteres entrevistaram diversos manifestantes e obtiveram declarações no mínimo importantes. Vamos, por motivos de coerência textual, deixar de lado as manifestações mais absurdas do tipo “porque não mataram todos em 1964”, “o PT é o pai da Aedes Aegypt” e outras do mesmo tipo. Vamos nos concentrar nas frases que, acreditamos, estejam mais de acordo com os sentimentos e pensamentos, manifestos ou não, do grupo que se reuniu em protestos legítimos.
Frases do tipo “Chega, não aguentamos mais”, “Fora corruptos”, “A hora da mudança chegou, fora Dilma, fora PT”, “Nós somos de direita. Direita neles”, e outras do mesmo tipo, foram as mais amplamente divulgadas e reproduzidas pelos dirigentes e manifestantes. Porém, quando nossos repórteres perguntavam aos manifestantes coisas como: “Quem você acha que vai assumir a presidência em caso de renúncia ou impedimento (impeachment) da presidente?”, “Que mudanças você quer para o pais?”, ou ainda “O que é ‘ser de Direita’ para você?”, as respostas que obtivemos foram do silêncio incômodo até uma confusa tentativa de explicação envolvendo coisas dispares com o conceito, ou ainda, uma solicitação de outros para ajudar na argumentação, bem como vários casos de “não sei, mas do jeito que está não pode ficar”.
Como esta coluna tem o intuito de levar informação com diversão, decidimos explicar para os manifestantes alguns pontos que talvez não tenham sido bem esclarecidos pelos organizadores dos eventos. Vamos a eles.
              Em caso de Impedimento da Presidente o que ocorre? A resposta é: Depende.
              No caso de apenas a Dilma ser Impedida, assume o vice Michel Temer, que está indiciado também na lavajato, aquela famosa operação da Polícia Federal que está investigando os atos de corrupção e que é a principal fonte da insatisfação com o governo do PT, em particular, o governo Dilma.
              Em caso de haver Impedimento da chapa por denúncia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de atos ilícitos na campanha, são destituídos Dilma e Michel Temer e assume o presidente da Câmara dos Deputados, atualmente Eduardo Cunha, também indiciado na mesma operação lavajato, que teria entre sessenta e noventa dias para convocar novas eleições.
              Aqui cabe um adendo importante: Esse quadro descrito acima só ocorre se o Impedimento for ANTES do final do ano de 2016 configurando, portanto, menos de 50% de mandato cumprido. Se o Impedimento ocorrer depois de janeiro de 2017, inclusive, o que ocorre é a chamada Eleição Indireta, aquela que já registramos anteriormente na história do Brasil e que foi extremamente combatida para ampliar a democracia e dar ao povo uma representatividade efetiva. Em caso de Eleição Indireta, o Congresso Nacional assume o caráter de um Colegiado Eleitoral e define dentre os seus membros quem será o novo presidente. Isso está previsto na constituição brasileira e quem quiser pode ir verificar, aqui só estamos dizendo onde está o peixe e quem quiser que o vá pescar, isso ajuda no processo democrático como o entendemos. Uma rápida pesquisa na internet deve trazer bons resultados.
              O que é ser de Direita? O termo remete à Revolução Francesa e se estabeleceu porque os que apoiavam o rei e o regime monárquico sentavam-se a direita do Rei, enquanto os opositores e partidários da revolução, sentavam-se a esquerda do Rei, no parlamento. De forma geral costuma-se dizer que a esquerda inclui progressistas, sociais-liberais, ambientalistas, social-democratas socialistas, democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, comunistas e anarquistas; enquanto a direita inclui capitalistas, neoliberais, econômico-libertários, conservadores, reacionários, neoconservadores, anarcocapitalistas, monarquistas, teocratas, nacionalistas, fascistas e nazistas.
              Creio que a quantidade de “legendas” permite verificar que o tema não é tão simples e polarizado como alguns querem demonstrar. É possível ainda que um grupo mais de “esquerda” assuma posições mais de “direita” devido a necessidades pontuais e imediatas, sem abandonar o seu discurso geral ou orientação. O mesmo vale para o lado “oposto”.
              Portanto a nossa conclusão acerca de toda a movimentação política que está ocorrendo, e que teve sua mais midiática forma até o momento na manifestação do dia 13, está apenas mexendo uma fervura que não pode ser definida pela polarização que se está querendo vender para o povo pelos organizadores a favor ou contra. Fica a dúvida sobre quais são os verdadeiros interesses por trás de toda essa movimentação que se configura no, assim chamado pelos especialistas, Jogo Político.
              Nós da Coluna D2 não defendemos ou apoiamos bandeiras partidárias porque entendemos que as coisas não se resumem a “palavras de ordem” ou “discursos de legenda”, é preciso mais informações, principalmente as históricas, e reflexões para entender que a democracia é boa por permitir que a diversidade estimule novas formas de ver sob perspectivas diferentes os mesmos problemas, em busca de soluções melhores que as já apresentadas. Entendemos que a política é a arte de conviver com as diferenças sem que haja conflitos desnecessários, mas também entendemos que toda forma de poder acaba por buscar se blindar contra toda e qualquer oposição que se fizer contra a sua manutenção, e que quando um sistema começa a usar de manipulação da informação para se revestir de uma couraça protetora, é preciso curar esse sistema com doses ainda maiores de informação que permitam novamente o debate racional, com argumentos sólidos que ajudem a olhar em perspectiva os fatos e, se for necessário, corrigi-los antes que a “cura” provoque a morte do doente.
              Vemos com bons olhos as manifestações pacíficas, sejam de apoio ou de repúdio ao que está dado, porque representam um engajamento necessário ao bem-estar coletivo e, nesse sentido, nos sentimos obrigados a colaborar apontando fatos que acabam por se perder nos embates polarizados, na tentativa de restabelecer os diálogos que sempre se provaram salutares.
              Agradecemos aos nossos leitores pela paciência e pelo prestigio que dedicam a este espaço e esperamos em breve poder voltar às nossas atividades humorísticas e críticas, que sempre serão necessárias a evolução dos diálogos que constroem uma sociedade mais justa e capaz de, reconhecendo os próprios erros, rir deles, enquanto buscam as soluções necessárias.

Sem mais,

Danny Marks
Editor (Ir)responsável do Coluna D2

sexta-feira, 11 de março de 2016

Agora é Moda - Rita Lee

Agora é moda, sair nua em capa de revista
Agora é moda, pichar a vida de artista
Agora é moda, bionicar o corpo inteiro
Agora é moda, culpar o mercado estrangeiro
Dance, dance, dance - Dancei!
Agora é moda, poupar dinheiro pro futuro
Agora é moda, pegar alguém pulando o muro
Agora é moda, acontecer uma tragédia
Agora é moda, a inquisição da Idade Média
Dance, dance, dance - Dancei!
Agora é moda, matar pra não morrer de fome
Agora é moda, chauvinista pra ser homem
Agora é moda, ter vocação pra ser famoso
Agora é moda, saber que dói mas é gostoso
Dance, dance, dance - Dancei!
Agora é moda, economizar a gasolina
Agora é moda, coroa e cara de menina
Agora é moda, tentar salvar a natureza
Agora é moda, achar que tudo é uma pobreza
Dance, dance, dance - Dancei!
Agora é moda, chorar de tanto dar risada
Agora é moda, morrer na curva de uma estrada
Agora é moda, ser o dono da verdade ah, ah
Agora é moda, dizer que amor não tem idade
Dance, dance, dance - Dancei!
Agora é moda, bancar o fino e educado
Agora é moda, dançar pra não ficar parado
Agora é moda, fazer novela de vanguarda
Agora é moda, chegar depois da hora marcada
Cheguei!

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