terça-feira, 30 de maio de 2017

Uma ilha no meio de um lugar qualquer. - Danny Marks

          Se tem uma coisa que escritor iniciante adooora fazer é criar mundos. Não deve haver nada melhor no processo criativo do que criar, assim do nada, um mundo inteiro. Fauna, flora, sociedades, história, mitos e lendas, tudo no bater de uma tecla. É lindo, é maravilhoso, é tanta delicadeza e paz, tanta harmonia, mesmo que os corações trágicos anseiem pela guerra sem limites, exortados por odiosas mentiras daqueles fanáticos opositores da inacreditável e lúcida luminosidade que abrange todo o universo das pessoas de bem, preenchendo os seus corações com a coragem infinita que, por fim, há de vencer as agruras dos descaminhos da ignorância alheia com a força das espadas da justiça.
          Em Adjetivolândia é assim que as coisas acontecem, e tem coisas que até seu criador desconhece. Pense em um lugar especial onde as coisas ficam mais fáceis de serem assimiladas, talvez, em toda a sua profundidade. Espera, deixa tentar de forma diferente. Pense em um Mundo onde a lógica das coisas fosse bem mais simples, baseadas em adjetivos que permitiriam mais facilmente a interpretação de fatos escondidos nas sombras interpretativas.
          Quando conhecesse alguém bastaria identificar os adjetivos e pronto, já saberia tudo o que precisa saber daquela pessoa. Poderia entrar em um supermercado e vendo uma pessoa sentada atrás da caixa registradora saberia não apenas que ela é uma “caixa”, saberia muito mais, que é uma proletária mal paga, que não tem instrução suficiente para empregos melhores, que não se alimenta direito e vai engordar horrores, é mal-humorada e frustrada, e vai se casar (se já não for) com um outro proletário pobre e ter um monte de filhos remelentos que muito provavelmente vão cair no mundo do crime por não terem atenção necessária no lar. Não é fantástico?
Uma pessoa caixa de melhor qualidade vai saber se arrumar melhor, vai ser mais bonita, usar perfumes e maquiagens e ter um treinamento para atender com gentileza as pessoas, mesmo quando estiverem com cólicas menstruais e não, jamais vão ser do sexo masculino, no máximo, serão homossexuais.
          Tem aquelas pessoas que não são identificadas individualmente, só em grupos, ou bandos, depende de que lado você olha. Grupos são sempre organizados, tem objetivos definidos, podem até ter coreografia de movimentos ensaiados, música personalizada e bandeiras. Já os bandos têm isso tudo, mas pertencem ao lado oposto do seu olhar, não tem como errar. Olhou de lado, é bando, só quando se está junto ou olhando de frente, é grupo.
          Em Adjetivolândia o bom mesmo é ser famoso. É tudo de bom, só faz coisas boas, só usa as roupas certas, só tem sucesso e quem discorda é porque sente inveja. Melhor que isso só sendo Ídolo, que nesse caso ganha logo de cara uma legião de fãs, exército, séquito, seja qual o nome que estão dando no momento, cada vez que se cria um ídolo o nome muda. Enfim, ídolo é mega-blaster-hiper-super-fantástico modo de ser em adjetivolândia, porque não importa o que se faça, ou não se faça, vai ter muita gente defendendo até a morte o seu direito de fazer ou não fazer qualquer coisa, mitando sempre que uma coisa ou outra ocorrer.
          Claro que vão ter os adjetivos generalizantes que descrevem o caráter imediato através de uma intersecção de adjetivos generalizantes similares não excludentes, por exemplo.
          — Sabe aquele político?
          — Aquele bandido, famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita e esquerdopata?
          — Não, esse é o meu cunhado. Estou falando daquele bandido, famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita e facistóide. Doravante chamado apenas de Meu Patrão. Não é o máximo de bom? Já estou sentindo que as coisas vão melhorar com essa nova e dinâmica de visão de negócios voltados para o empreendedorismo engajado nas questões globais e culturais dos tempos modernos.
          — Ah, desculpa, é que para mim político é tudo igual, me confundi. Mas que maravilhosa perspectiva de futuro, agora então as coisas vão ficar de boas para o seu lado. Parabéns, já está usando o novo adjetivo?
          — Claro! Substituí o “trabalhador” por algo mais imponente e moderno. Agora sou “colaborador”, tem mais apelo mercadológico. Teve um monte de colegas que conseguiram virar “microempreendedores” com as novas diretrizes de cortes orçamentários e incentivos às carreiras individuais, mas para mim não foi desta vez.
          — Pois é, mas não liga não, quem sabe da próxima! Só toma cuidado que tem muito vagabundo disfarçado de progressista querendo passar a rasteira nas pessoas de bem, essa gente invejosa prolifera como porquinhos da índia em época de acasalamentos.
          Não é fácil criar um mundo perfeito. Mas se a gente se dedicar com vontade, esperar naquela tarde sombria que o vento sopre para o lado certo e os raios de sol trespassem as nuvens em luminosas lamparinas de ouro, então poderemos criar uma distopia ressonante em sintonia com o simulacro da existência vitalícia de uma obra de arte antenada com a diversidade dos novos tempos. Vai ser tão lindo que até faz os olhos brilharem com esperanças liquidas.
          Quando isso acontecer, aqueles escritores profissionais que odeiam adjetivação vão lançar canetas, bolas de papel incendiárias, e uma profusão de pronomes nominais, verbos transitivos diretos e indiretos, além de pragmatismos absolutos. Mas quer saber de uma coisa? A modernidade dos tempos atuais vai mostrar como são ridículas e retrógradas essas mentes minimalistas que não entendem da boa e revigorante literatura que ultrapassa os limites do lugar comum e reinventa de forma inusitada os paradigmas da realidade recriada sob a perspectiva individual do artista criador.

          Ou então as pessoas vão aprender interpretação de texto e tornar esta narrativa diferente. Será?

quarta-feira, 24 de maio de 2017

País do Diabo – Danny Marks


           Em 1884, um brasileiro chamado de Machado de Assis, publicava um texto intitulado de Igreja do Diabo. Neste, apresentava a ideia do citado personagem do título para resolver o problema de que sempre se dava mal. Faltava-lhe uma igreja que permitisse aos humanos exercerem de forma livre e desimpedida a sua natureza sórdida, coibida pela ação daqueles que se alinhavam em templos de natureza oposta. Com essa ideia em mãos, foi solicitar a Deus a justiça da igualdade de direitos. Queria montar a sua igreja, e assim lhe foi permitido.
          133 anos após, no mesmo pais, em outra história, o que se observa é o passo seguinte, a construção de um Pais do Diabo. A exemplo do que foi solicitado anteriormente, o pedido foi de que, não apenas em um templo fosse feito o que se tivesse vontade, mas em todo um país. Todos estariam livres para fazer o que bem entendessem, por mais imoral ou ilegal que isso fosse, não seriam punidos. E viva a liberdade de se ser o que é.
          Impossível! Diriam alguns tolos, acrescentando que a moral elevada é uma condição da natureza humana. Mas o que se viu foi exatamente o que o Diabo esperava. Dada a liberdade com garantia de impunidade, a corrupção se instalara facilmente. A princípio em pequenos gestos, tímidos. Um pequeno engano aqui, um desvio moral ali, justificados pela necessidade ou pela generalização. Todos mentem, quem ainda não percebeu isso?
          Do menino que colava na hora da prova ao médico que comprou os trabalhos em sites especializados, todos garantiram uma vida mais fácil com os recursos necessários. Combatia-se o crime, é claro, aquele descarado, de armas na mão. A venda de drogas ilícitas que degradavam rapidamente a ideia de uma sociedade ordenada sob princípios mais elevados, estéticos. Roubar é algo que prejudica a imagem, desviar recursos é um ato de inteligência. Matar com disparos de armas ou bombas é um crime hediondo. Matar dezenas, milhares, por projetos mal dimensionado que desabam, por falta de recursos desviados da saúde, apenas um acidente não intencional.
          O importante é ter a garantia de apoio daqueles que pensam igual, alinhados em um discurso que os defende e os representa. E como não há unidade de interesses, então é preciso criar representantes para estes, defendidos com unhas, dentes, paus, pedras, bombas, balas de borracha ou de chumbo, para garantir que a bandeira do que é moral e ético (o conjunto de valores estabelecidos e reconhecidos por um grupo) seja defendido dos imorais (aqueles que defendem discursos diferentes).
          Criam-se times e torcidas que se confrontam. Criam-se divisões polarizadas o suficiente para saber que há apenas dois lados, a seu favor ou contra, sendo obvio qual que se deve se defender e ouvir, o outro deve ser exterminado sumariamente, nem merece ocupar um lugar ao sol. Na verdade é a causa das nuvens negras que tampam o seu sol. Essa é a lei.
          A lei não deve beneficiar a todos, como assim defender bandidos? Por isso mesmo que é necessário criar uma legião de defensores da lei acima de tudo. E estes devem ser escolhidos entre aqueles que não compraram o diploma. Devem ser expertos e inteligentes (sim, há uma diferença entre os termos) para defender os que são bem-sucedidos daqueles que tentam usurpar seus vencimentos exigindo igualdade de valores. Como assim, igualdade de valores? Os que trabalharam duramente para criar esquemas ilícitos para ganhar mais devem poder gozar dos resultados dos seus esforços em driblar a concorrência e convencer com fortunas prometidas os que poderiam favorece-los.
          Os vagabundos que nada fizeram, esperando que a lei os beneficiasse, mamando nas tetas do populismo complacente com o ócio, não merecem ser compensados por nada fazer. Ao contrário, devem pagar ainda mais pela oportunidade de fazer parte do progresso, daqueles que realmente trabalham para conquistar ainda mais lucros e tornar a nação e a família rica. É uma questão de valores elevados que devem ser defendidos a todo custo.
          É claro que para que haja um lado vencedor, deve ter um lado perdedor. É a vida. O melhor adaptado sobrevive para lutar mais um dia. Soldados morrem nas guerras, para isso são feitos soldados. Pessoas morrem todos os dias, e ninguém nem fica sabendo, melhor morrer por uma causa, a minha. É preciso garantir o futuro das próximas gerações de iguais, daqueles que seguem os mesmos valores e, para alcança-los, fazer uso daquilo que aprenderam. A vida é curta e cheia de perigos, mas é sempre melhor quando se pode olhar do alto de uma montanha, de preferência de dinheiro, para as mazelas do mundo.
          Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Essa é a lei, garantida por um pelotão de fuzilamento judicial que serve aos que roubam muito, porque roubar pouco é sinal de mediocridade e deve ser combatido. O mundo é dos expertos, todos sabem. Garantir que apenas os expertos sobrevivam é tornar o mundo melhor, mais humano. Afinal a humanidade é corrupta por sua própria natureza, e só os fortes sobrevivem.
          É claro que quando todos descobrem que roubar muito compensa, e roubar pouco condena, começam a fazer uma concorrência desleal. Agora não basta ser experto, tem que ser também articulado, garantir apoio para os seus e garantir que não traiam os ideais que os fizeram fortes. Mas como evitar trair quando a traição é parte do negócio? Traindo antes que seja traído, é claro. Isso demonstra a habilidade em perceber quando a pirâmide vai desabar e permite escapar com um belo acordo de delação que vai garantir grande parte do lucro conquistado, pagando uma pequena propina à título de ressarcimento por não ter incluído, antes, os novos aliados.
          Com o mundo violento do jeito que está, é melhor viver em uma prisão domiciliar, uma mansão conquistada com muito suor dos incompetentes, garantindo uma escolta armada para impedir que os ludibriados tentem resgatar de volta o que lhes foi tomado pela inação. A lei existe para ser cumprida, desde que beneficie aqueles que as fazem e as mantém. E quem são esses senão aqueles lideres visionários que perceberam que a condição humana é uma incoerência absoluta, como declarado por Machado.

          Bendito o pais que elege o Diabo do inferno que merece. Isso fica claro a cada dia para este autor, que pretende incluir urgentemente no currículo a habilidade absoluta em criar discursos que justifiquem qualquer coisa, de forma a garantir um lugar de destaque nessa nova ordem a um custo exorbitantemente justo pelo que é oferecido. E que todos digam Amém!

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Dividir. Para. Entender. Conquistar. Verdade (Alternativa). – Danny Marks


          Toda narrativa bem construída tem, necessariamente, que responder claramente a cinco perguntas básicas: Quem? Onde? Como? Por quê? Quando? A forma como isso é feito é que representa as variações de estilo, de técnica, de talento e, acima de tudo, intencionalidade. E como isso fica na era da pós-verdade? É o que tentarei demonstrar neste texto. Acompanhe. Acredite. Pense. Discuta. Se quiser.
          Vou usar como base algo totalmente fora dos contextos literários. Algo realmente inédito (?) nos livros e nas imaginações de todos que estão em contato com a realidade no século XXI e suas projeções, e tentar construir uma narrativa coerente apresentando (ao menos) dois cenários diferentes que se interligam em uma trama complexa comandada (?) pelos atores inseridos nelas como personagens ficcionais.
          Em primeiro lugar é importante destacar o conflito. É um fato constatável facilmente que as pessoas só se interessam por uma narrativa quando sabem que haverá uma ruptura da harmonia. O desequilíbrio, controlado ou não, é o que faz qualquer coisa se movimentar no universo. Então, qualquer narrativa interessante partirá de um estado de harmonia (tensa ou não), ou saltará diretamente, para a Crise. Sem crise, não há interesse na narrativa.
          O Brasil de 2017 é um palco prolífico para crises, elas nascem de brechas e rachaduras, e de brecas e rachaduras dentro das outras. E é importante descobrir o motivo disso estar acontecendo, porque o segundo ponto de uma boa narrativa é ser inteligível. Se o conflito se apresentar de forma tão complexa que não possa ser apreendido, capturado pela percepção do público, ele deixa de funcionar como algo tratável e passa a ser endêmico (algo que faz parte da característica central).
          Como se pode apresentar a crise de forma que ela possa ser manipulável em uma narrativa coerente e que sirva à intencionalidade discursiva do seu autor? Simples, basta empregar em doses estudadas fatos e versões, utilizando verdades amplamente aceitas, arquetípicas, junto com interpretações particulares que omitem ou ressaltam em uma determinada ordem uma linha de raciocínio orientado que provocará uma resposta emocional (e isso é importante, porque a razão tem que ser driblada de forma eficiente) que endossará a totalidade pela parte já aceita e reconhecida como verdade, e que faz parte do próprio discurso interno do indivíduo a quem se destina.
          Ficou muito complicado isso? Tudo bem, vou ser mais didático. Ao utilizar meias-verdades em um arranjo bem elaborado, é possível mentir descaradamente sobre fatos comprováveis, de forma que a sensação emocional do que está sendo apresentado é de uma verdade completa, condicionando a interpretação do leitor pelo pareamento (sincronização) de sentimentos acerca de fatos semelhantes já absorvidos anteriormente e que justificam a narrativa construída que, em uma análise sóbria, levaria a conclusões completamente diferentes das alcançadas emocionalmente apenas.
          A emoção sempre antecede a razão. Sentimos primeiro para justificar depois. Isso é algo natural do ser humano, uma forma que a evolução da espécie encontrou para nos dar agilidade de resposta a uma situação de crise que a razão não poderia conseguir. Reagimos diante de um sorriso de forma amigável, porque somos condicionados pela evolução a perceber que dentes cerrados não mordem. Portanto exibir dentes cerrados em um sorriso é sinal de que não vamos morder nosso interlocutor, um sinal de paz.
          E o que isso tem a ver com o tema central? Basicamente, tudo. É através do entendimento dos elementos fundamentais da manipulação da informação que podemos desenvolver uma narrativa coerente de uma crise (conflito) de forma a perceber racionalmente como é possível que agentes vítimas dessa crise se aliem aos agentes causadores da própria crise em detrimento de seus próprios interesses, haja vista que serão os maiores prejudicados; ao ponto de defender os algozes como se estes fossem, também, vítimas dos acontecimentos.
          Então voltando ao cerne da questão, a polarização política (no sentido mais estrito da palavra: a arte ou ciência de governar grupos relacionados à Pólis, também chamada de Cidade-Estado, ou seja, grupos organizados em torno de regras que beneficiem a todos os integrantes - cidadãos). Ao criar “polos” estou na verdade separando em partes aquilo que deveria funcionar em conjunto harmônico criando uma tensão entre os opostos de forma a desenvolver um efeito controlado. Isso pode ser bom ou ruim, dependendo da intencionalidade que se deseja alcançar.
          Por exemplo: A polarização de uma análise discursiva apresenta tanto os fatos sólidos e comprováveis, quanto os fatos que são sustentados apenas por argumentações, criando um debate que pode esclarecer, ampliar, ou mesmo reformular conceitos através de uma análise mais minuciosa. Por outro lado, um discurso polarizado pode servir para arregimentar sectários contra um discurso opositor, manipulando os fatos narrados em um arranjo que justifique argumentações que não podem ser comprovadas, a não ser emocionalmente.
          Como foi apresentado anteriormente, temos em uma crise uma necessidade evolutiva de uma resposta rápida, emocional, que anula em parte a racionalidade, obrigando-a a encontrar justificativas posteriores para os atos realizados. Então, por afinidade, escolhemos um lado para defender e outro para atacar. Quanto maiores as afinidades, maior o empenho em defender e vice e versa. Eis como se torna fácil manipular a verdade através de um discurso em crise, bastando para isso acionar os mecanismos emocionais entranhados nos ouvintes, insuflando com palavras chaves (também conhecidas como “palavras de ordem”, porque direcionam) essas reações emocionais.
          Ok, acho que isso dá a base necessária para apresentação dos cenários, que como dito anteriormente, serão basicamente dois, mas expansíveis a outros que se queiram demonstrar ou analisar segundo a tese apresentada. O primeiro cenário é a “Crise Política” e o segundo a “Crise do Mercado de Livros Nacionais”. E por que resolvi apresentar esses dois temas em conjunto se não parecem estar diretamente relacionados? Pelo fato de que são, em sua base, criados por ações de seus organizadores dentro de um planejamento particular que, quando se tornam insustentáveis, apresentam como justificativa para a Crise, não os erros de gerenciamento que as criaram, mas os próprios destinatários finais e necessários dos resultados dessas ações, o público.
          Se for aplicado o conceito fundamental da construção narrativa (Quem? Onde? Como? Por quê? Quando?), a qualquer lado polarizado da “crise” apresentada, seja política, ou a do mercado literário, veremos que, não importando de que lado se encontre, os argumentos são basicamente os mesmos. Verdade. Faça o teste. Retroaja no tempo e alinhe os argumentos elencados e os tons discursivos e vai observar que são os mesmos, que ora defendem, ora atacam o lado opositor. Como isso é possível? Como não é visto? Porque não estamos acostumados a interpretar narrativas da forma correta, como não estamos acostumados a desenvolver narrativas da forma correta.
          As generalizações, adjetivações, as palavras de ordem, as cenas arrumadas para provocar e evocar sentimentos de identificação, são comuns a ambos os lados pelo simples fato de que funcionam, criando por sua vez, a polarização que impede uma racionalização necessária de que a solução é comum a ambos, bastando identificar o “Por Quê?” da crise. É afastando o leitor da objetividade do “por quê?” que se consegue induzir uma interpretação de fatos (narrativa) que beneficia o “quem” que provocou a crise de fato, eximindo-o de responsabilidade que será lançada sobre o lado opositor, a quem se deve emocionalmente destruir como solução única do conflito. Sem o lado “oposto” a crise deixa de existir. Ao menos de forma emocional e imediata.
          Ok, políticos fazem isso desde os tempos dos gregos e romanos, dividindo para conquistar. Mas o que isso tem a ver com o mercado literário? Não vou me estender mais que o necessário, então vou resumir bastante e deixar que o leitor possa alcançar, ou não, o entendimento posterior com as ferramentas apresentadas. Mas vou revelar de imediato o cerne da questão, dando um spoiler enorme (se não quiser, não leia a partir daqui) sobre o assunto.
          É mais fácil manipular discursivamente aqueles que não estão habituados a perceber as tramas argumentativas que são criadas por autores especializados em descobrir maneiras geniais de esconder as intenções em suas narrativas. Mais fácil ainda quando se desloca ao menos UM desses elementos de forma que se possa reger a apresentação dos fatos de forma desejável. É no “onde” que se esconde essa manipulação, haja vista que as culturas, os povos, são diferentes. Portanto o que funciona em um lugar, em outro é totalmente o oposto, e quando nos colocamos na polarização “nós x eles” podemos facilmente criar afinidades ou antagonismos justamente a partir dessas diferenças desejáveis ou repudiáveis (de acordo com as intencionalidades) que se quiser criar.
          Pior que um povo que lê, é um povo que lê sobre suas mazelas, sobre sua sociedade, que se reconhece e se reinterpreta diante dos olhares clínicos das soluções de longo prazo descritas em uma narrativa. Esse tipo de povo é muito mais difícil de manipular emocionalmente, a menos que seja manipulado também através da racionalização, que exige um conhecimento mais profundo e técnico. Sim, não há uma vacina contra a manipulação, mas pode-se torna-la mais difícil de ser feita, o que já é um bom avanço.
          Essa é a justificativa para que não haja incentivos a livros nacionais CONTEMPORÂNEOS (de hoje), porque é mais interessante para os governantes que os que se dedicarem a ler, o façam sobre outras realidades deslocadas no tempo e/ou no espaço e não sejam rapidamente identificadas pelos leitores que ficarão mais atentos à manipulação discursiva.
          E o que o mercado literário ganha ao impedir um acréscimo de leitores locais de literatura local? Se deixarmos de lado os fabulosos incentivos fiscais que rendem fortunas para relançamentos de livros clássicos, com vendas garantidas pelo governo em “campanhas de incentivo à cultura” que mais afastam os novos leitores que os incentivam. Também há o fato de que não é preciso fazer boa parte do trabalho de captação, preparação, divulgação de autores e originais de qualidade. Basta pagar royalties para um autor consagrado pelas mídias internacionais e vender a preços (caros devido ao custo dos mesmos royalties) no mercado ou nem pagar direitos autorais para autores já mortos há décadas e consagrados na literatura. Ou seja, são revendedores, não produtores. Os outros tem o trabalho pesado e os daqui, apenas surfam a onda, sem ter que se preocupar com o trabalho efetivamente ou com a oposição do governo a uma clareza melhor da população.
           Isso funciona em países que consideram, culturalmente falando, os livros como objetos de consumo supérfluo e que não estão em crise econômica. Assim “ler o livro da moda” é sinal de status, e pode-se manipular até mesmo o que vai ou não estar na moda, auferindo imensos lucros a partir de trabalho algum. O problema aparece quando há uma crise econômica, em que os “supérfluos” deixam de ser possíveis de ser adquiridos. Mas todos sabem que crises econômicas são resolvidas no tempo, de uma forma ou de outra, e livros, realmente são perigosos nesses momentos porque dão ideias demais, algumas contrárias às que se deseja que sejam vistas. Embora possa-se sempre alavancar vendas com os tipos de publicação certas, aquelas que endossam um determinado tipo de narrativa e que serão vistas superficialmente por leitores emocionalmente motivados e preparados pelos discursos corretos, embasando as superficialidades com “tratados” consagrados no imaginário popular.
          Então de quem é a culpa? Se chegou aqui com essa ideia, é porque não entendeu nada do que foi dito anteriormente, retorne e leia novamente ou desista, este texto não é para você, apenas aceite isso porque o “tio” está dizendo, ok? Não há culpados, genericamente falando, em uma narrativa que se baseia em fatos e construções argumentativas. Da mesma forma como não há heróis, não há vilões, apenas sobreviventes ou vítimas. Heróis, vilões, culpados, inocentes, são elementos utilizados pela literatura de fantasia para formação do caráter, e quando cumprem bem o seu papel, são essenciais e necessários para balizar um padrão de conduta socialmente aceito pela coletividade. Isso não pode se aplicar a construção de narrativas que tentam desmistificar (tirar o mito, a fantasia) a realidade. Ou seja, o tipo de literatura que não é para criar sonhos, causar emoções elevadas, moldar os sentimentos morais. A realidade não tem uma moral implícita, ela é uma construção social, e deve ser vista com todos os nuances possíveis e imagináveis para ser a melhor que se pode alcançar.
          A solução para qualquer crise, em especial para a Política e para a do Mercado Literário Brasileiro, é perceber a necessidade de mudar a narrativa e criar, com base em fatos, algo que atenda aos interesses de quem, tanto políticos como agentes do mercado literário devem servir: a população. E como é possível isso ser feito? Utilizando as ferramentas apresentadas, identificando em primeiro lugar “Quem? Onde? Como? Por quê? Quando? ” e a partir daí entendendo qual o seu papel nessa trama e posicionando-se de forma que ela realmente o satisfaça ao final. Só assim é que se consegue superar uma crise e avançar em um sentido benéfico e desejável. Senão, o que se constrói é uma tragédia anunciada que terá como consequência a necessária reestruturação de todo o tecido narrativo na contenção de danos, na contagem dos prejuízos e vítimas e na vergonha das próximas gerações de ter que lidar com os erros visíveis para todos, depois que os fatos foram consumados.
          Quer ajudar a resolver a crise política e do mercado literário nacional? Então leia, converse, analise, discuta racionalmente os seus argumentos, e acima de tudo, ouça os argumentos contrários e verifique se não são os mesmos que está usando. Fale sobre aquilo que gosta e sobre o que não gosta com argumentos verificáveis racionalmente. Apresente os autores e agentes nacionais para os seus amigos e comente com eles sobre os pontos fortes e fracos das narrativas que estes apresentam, observe o que os seus amigos podem acrescentar sobre o assunto. Dessa forma estará construindo uma história que figurará em muitos livros, ficcionais ou históricos, que serão objetos de estudos para as novas gerações, provocando sentimentos e reflexões duradouros e necessários. Eu tenho certeza que nos veremos nelas.  

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Aforismos de Criminal Minds 12ª Temporada



12X01 – The Crimsom King

Raiva é minha refeição. Eu me alimento de mim mesmo. E assim, devo morrer de fome.
William Shakespeare

O mal que os homens fazem vive depois deles. O bem, muitas vezes é enterrado com seus ossos.
William Shakespeare

12X02 – Sick Day

Perda e posso. Morte e vida são um. Não há nenhuma sombra onde o sol não brilha.
Hilaire Belloc

O amor começa cuidando dos que estão mais próximos, os que estão em casa.
Madre Teresa

12X03 – Taboo

Prazeres pecaminosos e proibidos são como pão envenenado. Eles podem satisfazer o apetite naquele momento, mas há morte neles no final.
Tyron Edwards

Três coisas não ficam escondidas por muito tempo: O Sol, a Lua e a Verdade.
Buda

12X04 – Keeper

Cuidado com o homem que não fala e com o cachorro que não late.
Provérbio Cheyenne

O que pode haver de maior para as almas humanas que sentir-se juntas para sempre, unidas no silêncio de inimagináveis lembranças?
George Eliot

12X05 – The Anti-Terror Squad

Os maliciosos possuem uma felicidade sombria.
Victor Hugo

Liberdade é o que você faz com aquilo que foi feito a você.
Jean-Paul Sartre

12X06 – Elliott’s Pond

A força de uma família, como a força de um exército, está na lealdade uns aos outros.
Mario Puzo

Enquanto a memória de alguns amigos queridos morar no meu coração, eu vou dizer que a vida é boa.
Helen Keller

12X07 – Mirror Image

Um irmão pode ser o guardião da identidade de alguém, a única pessoa com as chaves para libertar o ego mais fundamental.
Marian Sandmaier

Então disse o pai: Você está sempre comigo, e tudo que eu tenho é seu. Mas era preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu irmão estava morto e tornou a viver. Estava perdido e foi encontrado.
Evangelho de Lucas

12X08 – Scarecrow

Deus às vezes nos leva até aguar turbulentas, não para nos afogar, mas para nos purificar.
Autor Desconhecido

Às vezes, coisas boas desmoronam para coisas melhores acontecerem.
Marilyn Monroe

12X09 – Profiling 202

Que loucura é essa de esperar o mal antes de ele acontecer?
Lucius Annaeus Seneca

A vida dos mortos é colocada na memória dos vivos
Marcus Tullius Cicero

12X10 – Seek and Destroy

Agora, vamos criar esse grupo de ladrões, e chamar de gangue de Tom Sawyer. Todos que quiserem entrar nela terão que fazer um juramento e escrever o nome em sangue.
Mark Twain

Uma gangue é onde um covarde vai se esconder.
Mickey Mantle

12X11 – Surface Tension

Devemos lembrar que Satã também tem seus milagres
John Calvin

O tempo move-se em uma direção, a memória em outra.
William Gibson

12X12 – A Good Husband

Um bom marido faz uma boa esposa.
John Florio

Nada é mais triste do que a morte de uma ilusão
Arthur Koestler

12X13 – Spencer

Pois não há homem justo sobre a Terra que faça o bem e nunca peque.
Eclesiastes 7:20

Existem tantas coisas frágeis afinal. Pessoas se despedaçam tão facilmente, assim como sonhos e corações também.
Neil Gaiman

12X14 – Collision Course

A Ilusão de controle faz a impotência parecer mais palatável.
Allie Brosh

Perda de controle sempre foi a fonte do medo. Também é, no entanto, sempre a fonte de mudanças.
James Frey

12X15 – Alpha Male

Homens fortes, que realmente são modelos, não precisam rebaixar mulheres para se sentirem poderosos.
Michelle Obama

Uma das muitas lições que se aprende na prisão, é que as coisas são o que são, e sempre serão o que serão.
Oscar Wilde

12X16 – Assistance is Futile

Ser contrário a consciência, não é correto ou seguro. Aqui estou. Nada mais posso fazer.
Martin Luther

Esperança é ser capaz de ver que existe luz, apesar de toda a escuridão.
Desmond Tutu

12X17 – In the Dark

A Vida, é claro, nunca tem toda atenção de alguém. A Morte sempre permanece interessante. Nos puxa, nos atrai.
Janet Malcolm

Quão abençoadas são algumas pessoas que na vida não têm medos ou pavores, que dormem à noite como se dormir fosse uma benção que não traz nada além de doces sonhos.
Bram Stoker

12X18 – Hell’s Kitchen

Como posso ser substancial sem dispor de uma sombra? Também devo ter um lado sombrio para ser completo.
Carl G. Jung

Não pode ser visto, não pode ser sentido. Não pode ser ouvido, não pode ser cheirado. Encontra-se atrás das estrelas e sob colinas, e preenche buracos vazios. Vem primeiro e segue depois, acaba com a vida, mata a risada.
J. R. R. Tolkien

12X19 – True North

É progresso se um canibal usar um garfo?
Stanislaw Lec

O futuro é inevitável e preciso, mas pode não acontecer. Deus se esconde nas lacunas.
Jorge Luiz Borges

12X20 – Unforgettable

O passado nunca está onde você pensa que o deixou.
Katherine Anne Porter

A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente.
Soren Kierkegaard

12X21 – Green Light

A vida de todo homem termina do mesmo jeito. São apenas os detalhes de como ele viveu e como ele morreu que distingue um homem de outro.
Ernest Hemingway

12X22 – Red Light

A vilania que me ensina irei executar, e será pesada. Mas farei melhor do que a instrução pede.

William Shakespeare


Distopia Made in Brazil – Danny Marks



          Que os brasileiros possuem uma criatividade sem limites, isso ninguém no mundo dúvida. Que a “malandragem” brasileira é sem precedentes, também não. Isso já foi cantado e difundido por todos os cantos deste pequeno planeta e tem, desde sempre, sido seu maior tesouro e pior veneno, afinal, a diferença é apenas uma questão moral e ética.
          O “colorido” brasileiro quebra a monotonia do “preto no branco” maniqueísta que está impregnado nas diversas culturas pelo mundo e que dificulta olhar soluções alternativas, criativas, para algum problema complexo. E muitas empresas ao redor do mundo perceberam isso, tanto que investem em especialistas brasileiros para achar soluções inéditas e inusitadas.
          Nós temos, provavelmente, os mais criativos geradores de narrativas do mundo todo. Então, por que o mercado literário nacional não decola? Talvez porque o brasileiro pense no curtíssimo prazo, no imediato, ao contrário de outros povos que tem uma visão mais ampla e necessária de continuidade.
          Veja, por exemplo, a construção de uma narrativa complexa que supera facilmente qualquer grande obra de Hollywood em termos de enredo (e podem até mesmo juntar vários em um) que não seria tão inteligente, criativa e inusitada: A Distopia Brasileira.
          Imagine uma distopia baseada em grupos políticos interessados em lucrar muito e rapidamente em um esquema que levaria anos para ser descoberto, se fosse. Ok, isso seria um péssimo plot se fosse montado do início. Seria necessária uma desconstrução a partir de um evento que chocaria o público logo de início e prenderia sua atenção chamando-o para a trama. Como fazer isso? Uma técnica simples deve bastar. Um escândalo político é descoberto e levado à público pela instituição responsável por investigar esses esquemas ilícitos.Nada melhor que a promessa de uma grande reviravolta para fazer o público se interessar logo de início.
          Tem que começar com uma bomba política, abalando reputações de pessoas que estão no poder e que possuem uma certa credibilidade entre os seus partidários. Ok, isso não é o suficiente para compor uma boa história, afinal seria apenas mais um “bem contra o mal” e no final todos esperariam que o bem triunfasse e pronto. O que falta? Se estamos falando em distopias, é preciso que haja uma conspiração. Conforme vão sendo levantados os fatos relevantes do escândalo, mais e mais pessoas vão sendo envolvidas.
          Que tal se colocarmos alguns elementos socioeconômicos? As reputações abaladas são de pessoas que representariam, ou deveriam, a parcela mais pobre da população que consiste em um grande eleitorado, já que estamos falando de um país em desenvolvimento. A parte econômica se daria pela inserção de empresas criadas dentro do esquema, que se tornariam gigantescas com lucros obtidos através de negócios escusos e propinas com o financiamento e aval dos membros do governo. E isso seria descoberto e levado à opinião pública gerando uma grande revolta entra e população. Ainda não está convincente? Então vamos acrescentar mais elementos.
          Para garantir que conseguiria os privilégios desejados, esses “empresários do mal” teriam financiado campanhas políticas de todos os partidos. Assim, não importando quem entrasse, estariam nas suas mãos. Que tal se houvesse um esquema entre as empresas “colaboradoras” do esquema, para que dividissem entre si as obras financiadas pelo governo, superfaturadas para incluir mesadas (sim, propinas mensais garantidas por anos) para os que aprovassem e outras para que não fossem denunciadas. Inverossímil? Bem, estamos falando de um esquema que vai crescendo durante anos e se infiltrando cada vez mais fundo. Que será desvelado em flashbacks investigativos e em ações no tempo real.
          Vamos colocar então algo que agite essa trama, está tudo muito embolado, é preciso dinâmica. Que tal grupos opositores, cientes do esquema todo, competindo entre si para serem os que recebem os maiores lucros, e para isso montam esquemas dentro de esquemas para construir um projeto de se manter no governo através de negociatas internas, enquanto para os eleitores se apresentam como opositores ferrenhos?
          Oito anos cada e todos seriam servidos, certo? Errado, estamos falando de pessoas que não tem escrúpulos e são gananciosas, viciadas em ganhar dinheiro fácil. Então começam a planejar um esquema para derrubar os que estão no comando, e ficar ainda mais tempo. Eliminar a concorrência ilícita, e assumir totalmente o controle com o “combate à corrupção”, dos outros. Basta uma traição aqui e ali e muitos sacrifícios pequenos, de membros não tão importantes assim “corrompidos” pelo esquema alheio.
          Mas o contra-ataque também ocorre e as coisas ficam meio neutralizadas, só que uma vez levantado o pano, outros elementos descobrem o esquema lucrativo e começam a ficar ambiciosos também. Então as empresas que ganhavam rios de dinheiro de forma fácil, passam a ser achacadas por todos os lados e resolvem revidar. Basta que comecem a revelar em delações premiadas os esquemas e assim, pouco a pouco, vão derrubando o esquema todo, enquanto conseguem vantagens legais pela delação e ainda conseguem segurar boa parte dos lucros que obtiveram ao longo do tempo (e aqui retornamos ao início com a operação já citada). Afinal, não é preciso entregar tudo e os próprios delatados teriam interesse em se manter calados, seja por vantagens adquiridas e posteriores ou por ameaça.
          Agora é preciso um plot twist, uma reviravolta. Que tal bagunçar ainda mais a coisa com outros elementos? Que tal construir narrativas indignadas, divulgadas pelas mídias, gerando heróis instantâneos (pessoas que fazem um trabalho honesto, e por isso se tornam um exemplo contra a corrupção), e fazem uso daquela área sombria dos procedimentos legais, jogando um lado corrupto contra o outro lado corrupto (afinal, isto é uma distopia, e até heróis tem que ser sombrios) aliciando exércitos através de fatos revelados sob um viés que os apresente para este ou aquele grupo, de forma a se identificarem.
          Mas espere, isso vai acabar derrubando o país em uma crise sem precedentes, seja política, seja econômica, seja social. Desencadear uma guerra civil gerando uma ditadura, o que seria ruim para todos. Então o que é preciso é deixar muitas lacunas, de forma a manter a tensão, mas também fazer com que as pessoas fiquem em dúvida sobre o que está acontecendo. Isso permitiria que os esquemas continuassem agindo em ambos os lados ocultos, ao mesmo tempo que “medidas saneadoras” estivessem ocorrendo. Algo como um truque de mágica. Olhe para uma das mãos enquanto a mágica acontece na outra. Narrativas convincentes com meias verdades seriam divulgadas abertamente pela própria imprensa ou por algum dos envolvidos em cadeia midiática nacional.
          É preciso lembrar que uma distopia tem que criar aquele clima de desesperança generalizada, de que as coisas são assim e não podem mudar. Para isso é preciso que a corrupção seja apresentada de forma tão generalizada que não há qualquer possibilidade de uma solução, pacífica ou não, porque só haveria uma substituição do Status Quo por outro semelhante, ou pior. Resta aos personagens escolher um lado e esperar que seja o menos pior. Lutar para conseguir uma vaga no esquema. Garantir que as coisas não mudem para algo muito mais estranho e ruim. Melhor ficar com os demônios conhecidos.
          Não, isso seria ridiculamente maniqueista e comum; cadê a criatividade? O melhor é fazer com que as Empresas, aquelas mesmas que se beneficiaram de todo o esquema e que entregaram os corruptos que aliciaram para se livrar deles, também comandem as massas de forma a que se crie um sentimento de que é possível se livrar dos bandidos (os políticos) e gerar uma nova moral (das empresas). Assim, basta interromper por algum tempo os esquemas de corrupção e o país volta a crescer normalmente (o que estava sendo impedido pelo próprio esquema) devido (e essa será a narrativa apresentada) aos heróis que criaram uma nova forma de governo, reformaram as leis e fizeram um esquema mais justo onde todos (menos os interessados) paguem um pouco pelo bem-estar comum. E a população, vendo políticos poderosos presos, com bens confiscados, repudiados publicamente, sentem-se com a alma lavada e voltam a fazer o que sempre fizeram, trabalhar cegamente.
          Claro que com o tempo todo o esquema anterior será esquecido, os presos podem ser beneficiados por algum outro acordo não divulgado e logo retornam aos seus lucros escondidos. As Empresas que ficaram bilionárias com os esquemas entregam parte dos lucros ilícitos, pagam multas vultosas aos olhos do público (mera parcela do que lucraram), pedem desculpas, e voltam a empregar pessoas porque afinal, não podemos parar a nação que já dá mostras de crescimento. E uma nova geração de corruptos, em um novo modelo, pode ser aos poucos fomentado deixando para os futuros livros de história as outras tramas.
          Mas, pode ser que o sucesso da primeira fase seja tão grandioso que seja necessário ter uma segunda temporada. Que tal se o próprio poder judiciário estiver infiltrado por corruptos que ocupem cargos significativos e que sejam obrigados a proteger com manobras legais descaradas e imorais os corruptos presos aos quais estão vinculados. Provocariam com isso uma guerra dentro das instituições, abalando as estruturas, colocando a população estarrecida em um êxtase imóvel, assistindo ao show de horrores que se tornaria o cenário político que determinaria o seu futuro, sem saber o que fazer, apático. Quantas reviravoltas seriam possíveis à partir daí? Juízes investigados? Ministros indiciados? Aviões que caem misteriosamente com importantes figuras de destaque nessa guerra? Acidentes vasculares imprevistos apesar dos anteriores quadros médicos perfeitos? Inúmeras possibilidades de descer ainda mais o nível e aumentar ainda mais a tensão da narrativa. Que tal um plot twist do tipo “O poder econômico global, vendo que o modelo brasileiro poderia ser copiado por políticos de outros países já envolvidos em corrupção, sentindo-se ameaçados, resolvem interferir na guerra a favor dos que querem derrubar o esquema e moralizar as coisas”? É preciso lembrar que é uma distopia, os interesses comandam, não os sentimentos, e o Brasil não é um país deslocado do mundo. As empresas que detém o controle dos políticos corruptos em outros países, poderiam se sentir ameaçadas se o esquema brasileiro se invertesse e seriam forçadas a agir com todo o poder que possuem. A Terceira Guerra Mundial não seria necessariamente com armas, embora possa haver conflitos armados localizados, mas seria no campo de batalha econômico, e o Brasil seria um dos pivôs dela.
          O sentimento de que a humanidade possa descer tão baixo, que não haja realmente heróis altruístas, que grupos de interesse possam se juntar com os supostos adversários para lucrar ainda mais com uma suposta guerra entre si, matando milhões no processo sem jamais serem incriminados de fato pelos seus atos, não é algo que o público vai esperar em uma narrativa, mas trata-se de uma distopia, é feita para apresentar o pior do pior possível. Pior que uma corrupção generalizada, é o sentimento de que, nem mesmo nós faríamos melhor, se houvesse oportunidade. Isso seria olhar para os nossos erros e ter que os admitir, exigindo uma atitude madura de superação.
          Por isso que não temos autores brasileiros fazendo narrativas de sucesso. Ninguém acreditaria que essas coisas poderiam ser reais e estar acontecendo em algum lugar do mundo. Nossas fantasias mais inacreditáveis, são justamente isso, inacreditáveis. Mas, somos os melhores em descobrir formas inusitadas de fazer as coisas, para o bem ou para o mal, maniqueisticamente falando. E talvez seja apenas isso que nos salve, afinal.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Dias Azuis - Danny Marks


          Quando a força da gravidade alcança todas as células do seu corpo com a percepção de que estão ali, juntas em cada milímetro cubico, e erguer-se se torna algo que exige esforço, você percebe que é um Dia Azul.
          A fumaça das folhas que o acalmavam, fusionadas no vapor ou na chama, não alcançam o mesmo intento de antes. Não se afogue em sal, mas deixe que saia, na manhã cinzenta ou na tarde ensolarada. Deixe que saia porque muitas vezes o dia fica azul.
          Ah, que doces lembranças que retornam com intensidade. Que pensamentos que gostaria de ter levado ao passado, para o momento certo que provocaria a atitude que o tornaria mais. O que mais? Não há como saber agora que outros conhecimentos se sobrepuseram e o fizeram entender que há dias que são azuis.
          Há dias coloridos, rosa, amarelo, vermelho. Dias negros, cinza, também fazem parte do calendário, o planeta girando sobre suas rodas imaginárias, dançando em torno do astro que arde em sua solitária condução. Dias frios, outros quentes, outros se tornam noite sem que se perceba por quem. Há aqueles de energia ultravioleta, no infravermelho do seu olhar em busca do calor, no amor ao frio, cianótico para uns, dourado para outros.
          Há tons nas cores, como há sabores nas línguas que se tocam. Gradações que se percebem ou se dispersam nos sentidos, afinados ou compostos de outras melodias que não se percebe. Toque aquele acorde febril e veja como vibra a atmosfera que nos envolve, e ainda assim, não seremos dois iguais na multidão, quando muito um par a evoluir na dança dos dias azuis.
          Todas as melodias terminam, os acordes descansam entre um show e outro, improvisos nos acompanham e estabelecem o seu próprio ritmo. O insuportável silêncio nos invade com um grito de bis do respeitável público, de ingressos na mão, esperando ansioso pela solução que virá. Cai o pano, as luzes acendem, hora de ir. Não vá para a luz! Não deixe que se vá, prenda com correntes fortes e mate-se sem reverberações.
          Não, há dias que precisam ser azuis para poder nos lembrar que há muitas cores necessárias na paleta do Criador, mas nenhuma se repete além do seu breve momento de brilho ofuscante, lusco fusco de intimo saber.
          Então você consegue pegar o ritmo novamente, e descobre o seu momento, e está tudo bem. Porque há tanto na harmonia desse universo que até mesmo o mais azul dos dias, só serve para lhe dizer o quão grandioso é. E o seu sorriso não é mais azul, e o vapor ou a fumaça das folhas de outono já não precisam mais acalmar o peso das suas células orbitando um coração. Há toda uma composição urgente na calma dos seus gestos e o solo se torna um voo de liberdade que toca as almas distantes com seus acordes de reconhecimento.

          Agora você pode se ver novamente, em seus novos olhos azuis, como as estrelas em uma noite sem fim, onde sempre poderá plantar as suas esperanças a piscar em vários tons, sabores e cores. Porque se todos gostassem apenas do verde, o que seria dos Dias Azuis?

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Pequena História de Uma Figura - Danny Marks




Havia um mar...
No mar pequenas ondas iam e vinham.
Era noite...
Havia um céu salpicado de estrelas e pensamentos.
Havia uma praia...
Na areia pequenos rabiscos desenhados, sem sentido.
Ele apareceu com seu passo de quem já teve pressa, mas aprendeu a esperar, olhou os rabiscos sem sentido.
Dando uma longa risada em direção às estrelas, sentou-se na areia e passou a unir os rabiscos sem sentido e traçou uma figura que, de algum modo, era a sua imagem e semelhança.
Ele deu permissão à figura para viver no mundo que criara para ela.
Mas a figura era apenas um esboço.
E como esboço precisava ser aperfeiçoada.
Ele concedeu-lhe o poder de criar novos traços, figuras ou esboços que a ajudassem a se retocar e foi embora percorrer outros caminhos.
A figura começou a julgar-se poderosa, pois podia fazer tudo o que quisesse, e quanto mais a lembrança dele se afastava mais ela duvidava de sua existência.
A figura buscou aprender sobre o seu mundo e, aprendendo, começou a querer dominar tudo, mudar o que sabia e o que não sabia, criar novos traços sem sentido, como os que um dia ela tinha sido.
Apagou, rasurou, rabiscou tudo o que achava sem utilidade momentânea, fez coisas pelo simples prazer de poder fazer, sentia uma necessidade de ser maior, muito maior do que a lembrança que ainda restava dele, queria o poder para ser livre, sem perceber que somente a sua incompreensão a prendia no chão.
O mesmo chão que a tinha sustentado voltou-se contra sua arrogância, a mesma força que tinha sido dada para criar, criou as ferramentas da destruição, e rabisco após rabisco, esboço após esboço, todos foram desaparecendo, apagando-se como a tinta que fica velha
E a Figura ficou só, sem rabiscos ou esboços com quem pudesse falar.
Sozinha pôs-se a chorar...não entendia...não queria entender...
Suas lágrimas rolaram pelo seu corpo rabiscado e foram juntar-se as ondas que iam e vinham na praia.
Amanheceu...Havia um mar...
E no mar pequenas ondas iam e vinham na areia da praia.
Havia um céu...E no céu um sol quente...
Havia uma praia...e na areia nenhuma figura, nem mesmo esboços...
Apenas alguns rabiscos sem sentido.
Ele voltou, olhou os rabiscos e sorriu, havia tempo...
E enquanto olhava, lembrou-se de um lugar distante, um tempo em que havia aprendido sobre as linhas tortas...e como torna-las belas e perfeitas...
Sentou no chão e sem pressa, passou a juntar os rabiscos criando um desenho, e o desenho de alguma forma era a sua imagem e semelhança...

Um dia haveria mais alguém naquela praia...ele sabia disso...

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