quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Desanimalidades – Danny Marks

                Esgueirou-se por entre as grades com facilidade. O cheiro delicioso o atraia com um magnetismo impossível de resistir.
Estava a dois passos do inacreditável manjar quando viu o olhar azul e verde do tufo de pelos cinza, encimados por um laço rosa.
— Madame, não me coma que sou só ossos indigestos...
— Cale a boca, animal estúpido. Acredita que iria estragar o meu paladar assim? Faça-me um favor, livre-me dessa carne de cordeiro. Não aguento mais cordeiro. Eles sabem que deveriam me dar salmon.
— Ah, a senhora me toma por um tolo. Sei que quando me voltar saltará sobre mim...
— ah, ah, ah, bem que ela gostaria de poder fazer isso. Saltar? Só se estivesse com metade do peso, ou menos. Quanto está pesando agora querida?
— Ora, não me venha com sua histeria novamente, Chichi. Não tomou seus remédios hoje? Tem sorte de sua genética o fazer franzino assim, o que o torna mais patético com todos esses tremores. Me dá nojo só de ver esse seu olhar esbugalhado.  Quando vão trocar a sua fralda? Ao menos minha manicure já foi feita, criança ridícula.
— Não ligue para esses dois, pequenino.  Ficam estressados todas as vezes que os donos vão viajar e tem que ficar aqui. Não tem a sorte de ser como eu, nascido para ser exibido em grandes competições. Sabe quantos troféus já ganhei?
— Ei, Frutinha. Ainda se vangloriando dos concursos de miss? Eu preferiria que me castrassem do que ter que ficar desfilando com esse ridículo penteado. Alguma fêmea já o viu como macho de verdade?
— Olha só quem está falando. Até parece que é mais nobre que nós. Só a sua língua é azul, meu querido, não o sangue. Devia era fazer uma cirurgia plástica para ver se melhorava a aparência.
— Ora sua gata vadia...
— Por favor, alguém traga com urgência um ferro de engomar....
— Cale a boca, seu...cachinhos dourados!
— São escamas, entendeu, escamas!! Cão burro...
A confusão estava armada, uns apontando os defeitos dos outros, tentando valorizar alguma diferença que aos olhos do intruso apenas os tornavam tão iguais.
Para onde olhava só via obesidade, deformações exóticas, manias e empáfia. Era uma câmara de horrores onde as características que os distinguiam dos humanos eram deformadas até que se parecessem apenas extensões doentias de seus mestres, na ilusão de que isso os tornava companheiros irreais da carência alheia.
Abandonou o pedaço de ração que lhe pareceu totalmente envenenado de tantas coisas artificiais e enfiou-se novamente pelo buraco que lhe restituiria a liberdade, o ar saudável dos esgotos. Encontraria outro modo de matar a fome, mas jamais voltaria àquela loucura.
Afinal, era um rato ou um homem?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Pobre Diabo – Danny Marks


               Tem aquela hora especial pouco antes do dia amanhecer, enquanto a noite deliciosamente cochila, que sinto vontade de andar por ai.
                Já me disseram que não é uma boa hora de vagar pela insônia, hora de ladrão, roubada do sono da realidade como tantas coisas. 
Como se fosse perigoso algo além de estar vivo.
                Nesse universo inventado, entre uma nota que ainda não se fez e outra que está deixando de existir, há muita vida que escorre preguiçosa: O jornaleiro arrumando as revistas com as manchetes que farão o dia, o pão assando o seu perfume no ar, a circulação dos veículos carregando glóbulos vermelhos, a primeira limpeza...
                São poucos os que percebem o encanto luscofusco de fresta entreaberta.
                Sou interrompido violentamente pelo cano da arma, o metal cinzento gritando para que passe os pertences que pertencerão a outro, em breve.
                O homem me olha com medo por traz da fúria que pretende improvisar como um músico ruim de jazz. Seu instrumento desafinado se estendendo em círculos concêntricos.
                Os seus lábios se movimentam em sons que quase não entendo, ordenando as sequências aleatórias, estragando o meu momento com sua estúpida existência.
                — Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
                O pobre diabo caminhava em nossa direção com os cascos ferindo o calçamento em staccato, a pele avermelhada e febril, os chifres apontando para algum lugar que gostaria de estar, mas que abandonou por algum motivo há tempos.
                O maço salta da minha mão para a dele em movimento magnético, enquanto o ladino habitante dos esgotos se encolhe como uma mola que se estendera para além do limite.
                — Leve... leve tudo... nada disso me pertence.... leve... leve tudo, mas não me leve...
                Eletrificado em convulsivos movimentos o sujeito deixa cair a arma, o relógio arrancado ao pulso novamente, as carteiras coletadas em becos, o casaco se seguindo a todas as outras roupas. Nem mesmo os sapatos permaneceram em seus devidos lugares. Como se despindo os pecados carregados pudesse santificar a sua nudez adiposa e cinzenta, viciada diversidade.
                Observo nádegas sujas se afastando rapidamente pela avenida, já ganhando traços avermelhados para suas sombras. Todos fugimos de alguma coisa que, quando muito, imaginamos ser nossa. Recolho o maço ao bolso com um a menos, sem me importar em acender na boca do outro. Ele tem o seu próprio fogo.
                Pego a arma no amontoado de vidas furtadas e disparo cinco peças de chumbo por entre a fumaça, a morte é azul metálica.
                Alguns dentes penetram-lhe na boca enquanto estranhamente o cigarro permanece intocado nos lábios.  Um sorriso a menos, talvez. Ou algo que esperava não conseguir, obtido de forma inusitada.
                Amanhã tabloides vão estar cheios de histórias com justificativas para a tragédia inventada.  Mentiras sempre vendem mais que qualquer realidade alternativa. Estamos sempre dispostos a consumir aos bocados histórias alheias para justificar insignificâncias próprias.
                Abandono o cano fumegante no bolso e guardo memória do pobre diabo.

Nem consumiu o cigarro desejado na inferência que fizera em alma alheia. Descanse em paz... Por enquanto basta. 
               Volto a dormir. Antes que o dia se faça. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Inventando Thaís - Danny Marks




— Você não me conhece tão bem assim!
                Foi o que ela me disse aos gritos, logo depois que lhe soprei vida, descrevendo-a como já existia na minha imaginação. Somente depois que me decidi falar sobre como ela seria é que fui preenchendo as lacunas que a imaginação necessariamente cria.
                A imaginação é imperfeita para contextualizar uma ideia não realizada, normalmente fica apenas na superfície, nos contornos gerais que darão o “tom” do que será criado. Ainda mais quando a ideia em si é extremamente complexa.
                Thaís já nasceu complexa, como um paradoxo existencial.
                Imagine uma pessoa Nerd. Dessas que tem uma inteligência rápida acima da média, que parecem ter todas as respostas do mundo, ou que são capazes de criar todas as respostas necessárias como se precisassem apenas expirar o conhecimento que já haviam inspirado em um momento qualquer.
Essa é a parte fácil.
                Fica complicado quando se dá a essa pessoa o sexo feminino. Sim, uma mulher nerd!
                Já deu para perceber como a coisa fica complexa, quando se pensa em nerds, pensa-se logicamente em um homem com pouca habilidade social, tímido ou introvertido, mas por isso mesmo ou como subproduto da estrutura neuronal, com uma habilidade de aprender acima do normal.
Quem imaginaria uma mulher tendo essas características?
                Se conseguir imagina-la, provavelmente será uma baixinha, de óculos, cara sisuda, sem nenhum atributo físico ou recurso cosmético que lhe permita produzir um encanto adicional. Normalmente associamos a inteligência como uma compensação da natureza para aqueles que não nasceram belos. Quem é bonito por natureza não precisa ser inteligente e, muitas vezes, torna-se cruel, indiferente aos danos que sua beleza causa.
                Mas Thais não é assim, ela tem seus encantos femininos preservados apesar da inteligência acima da média. Mais ainda, tem sua sensibilidade aguçada em relação ao outro, preocupa-se com a alegria ou a dor do próximo, tem um senso de justiça que comunga perfeitamente com sua capacidade de ser incisiva, com as palavras, tanto no juízo que faz dos outros, quanto na hora em que decide defender aqueles que lhe parecem carecer de ajuda.
                Alguém mais imaginativo até poderia conseguir criar essa imagem mental de Thaís, apesar dos paradoxos que parecem flutuar a sua volta, como satélites.
                Um desses paradoxos fica evidente quando nos aprofundamos mais, mergulhamos por trás da máscara social de uma pessoa forte e destemida, com soluções práticas (embora isso pudesse contradizer a sua feminilidade. Mulheres não nascem para serem práticas ou nascem?), mas acima de tudo determinada em fazer o que acredita.
                Ao ultrapassar essa camada superior (e não digo isso como um defeito, mas como uma característica) encontramos uma frágil e dócil menininha, com seus bichinhos de pelúcia, sua esperança feliz, seu carinho tranquilo.  Encontramos também a solidão que a envolve em tons mais escuros e percebemos imediatamente que foi a luz que, ao abrirmos um buraco durante a nossa passagem, conseguiu penetrar até aquele lugar habitado pela melancolia e dar algumas, não muitas, cores.
                E a deusa que até então estávamos imaginando, torna-se algo superior ao se tornar humana, reconstruindo todo o entendimento que havia em nossas mentes ao restringi-la simplesmente a algum arquétipo arrancado do nosso inconsciente.
                Só nesse momento é que nos afeiçoamos verdadeiramente a Thaís. Ao lhe percebermos os defeitos para além das qualidades que se esforça em nos mostrar, mas ao contrário do que esperava isso nos encanta muito mais do que a fria aceitação objetiva que poderia haver ao desconsiderarmos sua fragilidade.
                — Você não me conhece tão bem assim.
                Repete ela, desta vez em um tom mais melancólico, um traço de medo escapando por entre um olhar e outro, cabisbaixo, na expectativa do que poderemos fazer ao descobrir-lhe. Sente-se nua, mesmo vestida com tantos traços, e ao perceber que não há qualquer movimento agressivo de nossa parte (na verdade nenhum movimento de qualquer espécie), busca forças na sua própria construção e deixa que a vejamos por inteiro.
                Ergue o olhar em desafio, aceitando que, se conseguimos romper qualquer obstáculo até ali não seriam suas delicadas mãos que encobririam o pudor. Igualmente nos desafia com a sua nudez e aguarda a nossa retórica.
                Ao fazer isso nos desarma de todo preconceito, todas as possibilidades de conjeturas e entendimentos que arrastamos até aqui... e nos vence.
                — Você não me conhece tão bem assim...
                E desta vez há uma certeza delicada em suas palavras. Ela sabe!
                Percebeu que mesmo tendo sido inventada por mim a partir de alguém ou de muitos outros; mesmo tendo sido o que a desvelou de forma dramática (talvez) para você, ainda assim ela preserva algo incognoscível, algo misteriosamente feminino que nos acolhe, mas também nos faz ir embora, buscar o que nem sabíamos que não possuíamos.
                Com um abraço indefinido, nos coloca para fora de si, garantindo que na passagem que produzimos continue haver a janela pela qual olhamos, para que se possa voltar a vê-la quando ela quiser se revelar a nós. Novamente no controle de quem é e de quem deseja ser.
                É desse personagem que inventamos; que nasceu durante o nosso olhar e refletir sobre ele, nossas descobertas; é desse ser que descobrimos o quanto podemos dizer para nós mesmos:
                — Você não me conhece tão bem assim!

                Agora é Thaís que nos inventa... enquanto a ouvimos falar de nós.

Produção - Jocélia Lemos Lacerda Pupo


Hoje tivemos uma aula linda,
mas não foi de teoria.
foi pura maestria
do professor e escritor
que há tempos não via

Professor Danny é seu nome
já é um escritor de renome
vai levando a sua vida
fazendo o que mais gosta
vai tirando do texto a resposta

Proposta aos nossos corações
de toda a sua interação.
Com as palavras ele expõe
aos alunos o texto ele propõe
Estudem com alegria e emoção.

(Jocélia Lemos Lacerda Pupo. 6 Letras UNIBR/SV)
Texto produzido em oficina literária de Danny Marks

Uma grande homenagem a um singelo trabalho. Obrigado Jocélia.

Sangue Na Tela - Marli Freitas


Para aqueles que curtiram a Lariel Frota na antologia Dias Contados I (Andross), que viajaram junto com o Baú de Cassandra (Multifoco) e com os presentes que ela nos deu aqui mesmo no Retratos da Mente, eis mais uma aventura de Marli Freitas, agora assinando com nome próprio, que pseudo é para os fracos.
Um excelente trabalho, recomendo.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Encontro - Danny Marks

                Como todas coisas sem nexo que surgiam naqueles tempos, foi culpa do Marcão.
                Justamente quando parecia que poderíamos superar tudo, e sempre se chega uma época da vida que nos julgamos invencíveis, não invisíveis; quando aquela cola que gruda parece que jamais vai desgastar, envelhecer ou quebrar; ele veio com a ideia.
                Logo naquele momento em que parece que o pior da vida já passou, que temos todo o resto pela frente para ultrapassar limites, resolver diferenças, estabelecer limites, criar uma identidade em que todos pudéssemos nos reconhecer, assim no coletivo mesmo.
                Tinha que ser culpa do Marcão achar que juntando as nossas inexperiências poderia se fazer a sabedoria necessária para mudar o mundo.
                Ele tinha medo e não fazia segredo disso.
                Depois de algumas despedidas que parecem ser o início de outra coisa que nunca se realiza; de juras que são quase como esperança e fé no inconcebível; de ser engolido pela realidade onde tudo se quebra; quem poderia acreditar?
                Não o Marcão.
                Marcão se recusava a fingir por necessidade, tentando fazer funcionar só desta vez.
Não vai funcionar!
O Marcão sabia que iríamos cair na armadilha de um jeito ou de outro... a menos que evitássemos com um artifício, por que não?
Sem juras no final? Como assim?
Fazer do futuro um projeto que já se iniciou?
Antes que o fim nos alcançasse como que de surpresa, entre um copo e outro, uma risada e um choro, um abraço e um adeus.
Foi difícil entender, convencer. A coisa parecia tão louca quanto podia ser as coisas que o Marcão inventava assim do nada. Da nuvem tempestuosa que vazava pelos olhos e ouvidos dele.
 Como assim nos encontrar daqui a dez anos? E amanhã, não vai vir? Vai sumir?
Claro! Amanhã e daqui a dez anos, encontro marcado desde já. Anota ai no calendário, na mão, na calça. Anota ai, porra!
Tem ideia que é como gripe, vai pegando aos poucos e nem se sabe até que já passou, mas fica lá, de algum jeito, mudando a gente.
Cada um ao seu tempo foi aderindo, claro que fui o primeiro. Se era muito louco, estava dentro, que a vida foi feita para ser desafio.
Quero ver a cara de vocês quando eu chegar arrasando daqui a dez anos. Venham de óculos escuros para não se ofuscarem com o meu sucesso!
Guerra de papel em bolotas, risadas, trisca o copo e derrama a cerveja que o pacto está selado. Tá anotando?
Tem sempre aquele momento em que sentimos donos do nosso destino, o olhar sem medo de virar passado.
Mas o Marcão sabia que nem todos viriam neste encontro, só não disse nada... até hoje.
Martinha fizera do casamento profissão, já estava na segunda, morada no exterior que sucesso é sempre lá fora. Paris, Canadá, Finlândia... algum dia.
Jonas já dormia há alguns anos na instituição que ninguém sabia o nome. A obsessão seguira a teimosia e o arrastara por labirintos negros habitados por fantasmas. Sonhara em ser farmacêutico, agora era consumidor.
Mas o Lucas veio com o Rogério, unidos finalmente. O Silva continuava sem rumo; a Laura, loira; Vivi de preto, a Creusa com a Cida nos braços e mais ninguém.
Cada um com uma história diferente, diferentes. Menos o Marcão.
O Marcão não casou, não ficou mais louco, não fez sucesso, não cometeu fracassos, não se aventurou em nada, não plantou nenhuma arvore, nem escreveu livros.
O Marcão continuou sendo Marcão, para não deixar de ser o amigo de sempre.
E foi ele que garantiu a minha presença.
Ali, na foto, no minuto de silêncio e nos abraços úmidos, nas histórias contadas e recontadas. Tinha que ser o Marcão para ser assim...Marcão.
Capaz de fazer a amizade vencer e se fazer eterno... como nós.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Gato Branco de Olhos Negros - Danny Marks

 

                Acordou naquele dia tão cansado ou mais do que nos que antecederam. O ar que empurrava para dentro dos pulmões não parecia o mesmo que aquele inalado pelo gato empoleirado na sua poltrona favorita. Alimentado, confortável, com a indolência de um rei satisfeito com seu reinado.
                Viver era a coisa mais maravilhosa de todas, para gatos, não para quem tinha que acordar cedo e conquistar o sustento do dia a dia com muito suor, frio as vezes, no ar condicionado gelado demais, no atropelo das horas que não avançavam para a happy hour.
                Gato ganhava a vida, todos os outros apenas a alugam por um tempo indeterminado. Quando se dá conta ela já se desgastou e ainda tem que se ficar pagando e pagando.
                Quando escovou os dentes viu no espelho o bigode fino e comprido, o nariz havia encolhido de forma estranha. Só então reparou nas pupilas que se fechavam em um traço vertical projetadas para a vida noturna, boemia, se ressentindo com a luminosidade do dia.
                Talvez se ajeitasse a boca, assim mais alongada, os pelos teriam que ser mais longos substituindo as roupas que seriam desnecessárias. Nunca mais ter que buscar marcas, estaria sempre alinhado, pronto para a ocasião. Os dedos foram se retraindo, os músculos se flexibilizando, as orelhas ouvindo o que jamais pensara existir.
                Não durou muito tempo para se transformar no que sempre desejara, a liberdade era algo a ser construído, conquistado. Vinha de dentro e nos transformava em pessoas melhores, nossos ideais que deveríamos alcançar com o esforço das escolhas.
                Não fora isso que sempre ouvira por toda a vida? Não fora essa a sua proposta que parecia jamais ser possível de ser realizada? Mas há magia no ar e tudo o que é verdadeiramente desejado, em verdade se torna de alguma forma.
                Quando saltou pela janela aberta o sol já estava alto, mas o vigor que sentia o impulsionava por cima dos telhados, correndo em sua nova vida um sangue renovado.
                Nunca se sentira tão feliz quanto naquele momento em que assumira a sua vida de gato. Quem o criara humano estava totalmente errado na suposição de que ele queria ser outra coisa que não um gato. Branco e lindo, talvez um pouco sujo depois de esbarrar aqui e ali, mas quem se importava? As pulgas apareceram sem serem convidadas, mas o aroma delicioso do almoço o fazia esquecer que... sentia nojo de ratos, tinha alergia aos pássaros, peixe é coisa de fresco.
                Em pouco tempo estava entediado de gatear pelos becos sem um lugar para ir. Tentou voltar para casa, mas já não sabia mais onde estava. Teve que fugir desesperado de uns cachorros mal encarados que, por sua natureza animal, resolveram que ele não era um bom elemento.
                Quando a noite chegou havia comido alguma coisa que nem percebera, engolida na pressa do furto descoberto. Vida de gato não é fácil, ter que estar atento a tantos perigos, tantas coisas que podem hipnoticamente ser atrativas e se revelarem armadilhas. Mas tinha que gatear como todos os gatos, não tinha escolha.
Quem nasce gato não pode começar a latir, não pode voar, não pode se alimentar de sol e chuva, não pode nem mesmo escolher onde vai se abrigar do sol e da chuva. Gato só pode gatear, não tem escolha.
                O sono veio e enrolado sobre si mesmo sonhou como seria maravilhoso nascer humano, cheio de escolhas. 



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Etica, cultura e avaliação - Prof Clóvis de Barros Filho

Palestra simplesmente necessária se alguém quiser aprender a ser "especialista de si mesmo". Conteúdos interessantes, muito bom humor, diversos temas para reflexão e um desafio: Assista alguns minutos apenas, se puder rsrs.
(Danny Marks)



sábado, 5 de outubro de 2013

Coisas que Soum Homem diria sobre Sabedoria - Danny Marks



Bem vindos amigos do Coluna D2! O único lugar onde a boca é livre. Voltamos com mais um show de entrevista e desta vez temos o prazer de falar com o emérito e controvertido Dr Soum Homem, Antropófago Social e Sexanalógico.
— Dr Soum Homem, obrigado por sua entrevista à Coluna D2.
— Mas eu ainda não falei nada.  Me agradeça depois.
— Nossos ouvintes gostariam de saber o que o senhor tem a dizer sobre a questão da Sabedoria. Alguém como o senhor que tem estudado os aspectos mais controversos da humanidade poderia nos brindar com algumas de suas experiências?
— Em primeiro lugar eu quero afirmar que isso não passa de uma grande bobagem.
— Como assim, doutor?
— Essa coisa de “Sabedoria”, isso não passa de uma tremenda bobagem. A sabedoria é apenas o resultado de se ter sobrevivido a todos os erros que pode cometer. O que tem de bom nisso? Poderia chamar de “sorte”, “esperteza”, ou qualquer outra porcaria, mas daria no mesmo.
— Mas então o senhor não acha que há uma lição em ter sobrevivido aos erros?
— Há, claro que sim. E pode ter certeza que aquele que consegue jamais vai esquecer. A mãe natureza, e por consequência a sociedade que ela desenvolveu, garante isso.
— O senhor poderia ser mais claro?
— Veja os sucessos, por exemplo. Quanto tempo dura na lembrança de alguém, qualquer um? Você, lembra do seu ultimo sucesso?
— Sim, claro, foi...
— Não importa. Provavelmente foi há muito tempo e ainda deve criar algum efeito concreto na sua vida. Mas pense no seu ultimo erro. Vai ver que se lembra do mais recente tão bem quanto de todos os outros, e mais, posso afirmar que vai lembrar dos erros homéricos por toda a sua vida com todos os detalhes, enquanto qualquer sucesso que tenha será apenas uma memória distorcida, cheia de mentiras para engrandecer ainda mais a sua participação.
— Bem, é que...
— O mesmo acontece na sociedade. Se alguém faz sucesso, isso perdura enquanto tiver efeitos práticos, depois desaparece, vira lenda. Mas os erros, ah, esses são eternos, viram história. Viram exemplos para serem contados e recontados aos que ainda nem nasceram.
— Mas o senhor não acha que isso é bom? Que as futuras gerações podem aprender com os nossos erros?
— Isso é ridículo. Quem aprende com erros é um idiota. Quando você sobrevive aos erros é que se torna lição. A vida não se aprende por observação, senão ainda seriamos macacos copiando os erros uns dos outros na busca pela sabedoria. Alguém corajoso ou imbecil o suficiente, o que dá no mesmo, faz alguma coisa inédita e se dá mal, mas sobrevive a isso. É o que ele faz para sobreviver que os outros copiam, não sei de ninguém que comete os mesmos erros para alcançar as mesmas soluções. E quando alguém erra feio...
— Os outros podem se prevenir e criar soluções sem ter errado.
— Que nada, vão ser massacrados pela multidão que vai garantir que seja objeto de ridículo até achar outro otário maior. Se ele conseguir se levantar depois disso, aí sim volta a merecer algum respeito.
— Então o senhor não acredita na generosidade, na solidariedade humana?
— Claro que acredito! Sempre que alguém se ferra vai ter um monte de gente rindo e outros dando apoio, para poderem rir por mais tempo. Se a piada acaba, não tem graça. Se o imbecil desaparece quem vai criar novas piadas? Você tem que manter vivo o motivo da piada.
— Então, na sua opinião, não existe sabedoria?
— Claro que existe, mas não há mérito algum na sabedoria além do fato implícito na sobrevivência. Quanto mais velho alguém é, mais pode se dizer sábio. Pelo simples fato de que sobreviveu, isso exclui qualquer sabedoria dos jovens. Neles o nome passa a ser esperteza.
— De qualquer forma o senhor reconhece que a sabedoria é um patrimônio da humanidade.
— Absolutamente. Todos já nascem com todo aparato para se tornarem sábios e os que sobrevivem por inteligência, pilantragem ou por qualquer outro motivo, podem almejar o título. De qualquer forma vão contribuir para que o coletivo siga sobrevivendo. O importante é que os erros não se tornem uma catástrofe global.
— Por quê?
— Para continuar como sobrevivente, ora bolas. Errar qualquer um pode, e normalmente o fazem, mesmo que não saiam divulgando isso por ai. Mas quando um erro é encarado como uma catástrofe normalmente se pretende que a culpa e a responsabilidade seja dividida com muitos. É nesses casos que a pirâmide desmorona.
— O senhor conhece algum meio para evitar os erros?
— Claro, há duas maneiras. A primeira é não fazer absolutamente nada. Como isso é impossível, já evita o erro maior de não ter feito absolutamente nada, mas o tanto que evitou fazer alguma coisa, já impediu de cometer erros.
— E a segunda?
— Seja mais inteligente do que você já foi até então.
— Mas como isso é possível?
— Ora, se eu soubesse estaria rico. Ainda estou trabalhando nisso. A questão é que se não tentar não erra, mas também não acerta. As chances são iguais para ambos lados e se olhar direito vai ver que há vantagens nisso, basta sobreviver.
                — E com este sábio conselho nós terminamos a nossa entrevista de hoje, agradecendo ao Dr. Soum Homem que nos brindou com sua presença. Obrigado e até amanhã com mais um Coluna D2.

                — Ora, contanto que continuem me pagando para vir aqui falar sobre qualquer bobagem que vocês ou os seus ouvintes achem importante, pode contar comigo. Ah?! Como assim ainda está no ar...?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Cemitério das Esperanças Renascidas - Danny Marks


            — Olá, eu queria falar com o encarregado do setor.
            — Pode falar, sou o encarregado por enquanto. Você deve ser o meu substituto, não?
            — Sim, mas como soube?
            — Ah, só de ver a gente já sabe. Você tem cara de quem acredita. Me fez lembrar do meu primeiro dia. Todos temos essa cara quando chegamos.
            — É mesmo? Nunca me disseram isso.
            — Nem vão. Não ajuda em nada, sabe? A não ser aqui.
            — Como assim? Estou confuso.
            — Normal, é seu primeiro dia, logo se acostuma. Aqui todo mundo acredita, por isso que estão aqui. Senão não haveria como fazer o trabalho. De vez em quando aparece algum fingindo que acredita, mas logo se descobre.
            — É mesmo? E o que acontece?
            — Bem, ai vai para onde eu vou, ou pior.
            — Desculpe, mas realmente...
            — Veja, é preciso acreditar para que as Esperanças possam ser plantadas, desenvolvidas e colhidas.
            — Sim, me falaram isso no treinamento. É que...
            — Fale, não tenha medo. Não há problema algum aqui. Pode se libertar e acreditar no que quiser. Isso é o que alimenta as Esperanças.
            — É que você disse que...
            — Ah sim, que eu vou para outro lugar? É verdade, fui transferido para o cemitério das Esperanças.
            — Nossa, sinto muito.
            — Não sinta. Às vezes acontece, e alguém precisa lidar com isso.
            — Eu nem sabia que elas podiam morrer.
            — Claro que morrem, aos montes às vezes. E de vez em quando algumas renascem, mas não podemos contar com isso. Por isso tem que tomar muito cuidado, é um grave problema quando alguém permite que uma esperança morra. Pior se você a matar, não há perdão para isso.
            — Então você...
            — Não, claro que não. Felizmente o meu erro não foi tão ruim. Foi horrível, mas ainda há chances de reabilitação.
            — Fico feliz. Mas também estou curioso...
            — É que... nossa ainda é difícil falar sobre isso, ainda estou trabalhando na recuperação. Eu tinha algumas Esperanças muito boas e...
            — Se não quiser falar, tudo bem.
            — Não, é bom falar com alguém que acredita. Ajuda muito mesmo...
            — Entendo.
            — Pra resumir, eu tinha só que cuidar de algumas Esperanças, mas não sei o que aconteceu. Me distraí, sei lá, não dá pra saber ao certo ainda. O fato é que perdi as Esperanças.
            — Nossa, isso é uma tragédia.
            — Sim, eu sei. Talvez por minha culpa elas tenham morrido.
            — Mas você vai se recuperar, tenho certeza.
            — É, acho que sim. Por isso me mandaram para o outro lugar. Para ver se recupero as Esperanças perdidas.
            — Se puder ajudar em alguma coisa, conte comigo.
            — Tenho certeza que sim. Viu? Nada como falar com alguém que acredita. Creio que vai fazer um ótimo trabalho.
            — Você também. É só uma fase difícil, mas vai se recuperar.
            — Agradeço. Ah, só mais uma ultima coisa.
            — Sim, claro.
            — Não esqueça de alimentar as Esperanças. Elas são muito frágeis, mas sem elas estaríamos todos perdidos.


A Senhora e a Morte (Animação) - Comentários Danny Marks


"A Senhora e a Morte" é um curta-metragem de animação espanhol, produzido por Antônio Banderas e dirigido por Javier Recio García, foi indicado ao Oscar em 2011 na categoria de melhor curta de animação, se tornando a primeira produção animada espanhola a conseguir este feito.

Sinopse: Uma senhora idosa olha nostálgica pela janela do quarto. Vemos uma fotografia de um senhor que ela acaricia com saudade. A doce velhinha vive sozinha em sua fazenda, aguardando a chegada da morte para encontrar seu amado marido novamente. Uma noite, enquanto dormia ela é convidada a atravessar as portas da morte. Quando está prestes a atravessar o portal, a velha senhora acorda dentro da enfermaria de um hospital onde um médico arrogante a trouxe de volta à vida, e ele vai lutar contra a morte para recuperar a vida da velha senhora à qualquer custo.
Apesar da temática esta animação é muito divertida. Passeia entre o desejo de morte de uma pessoa que já não tem mais o que esperar da vida, e todas as animadas tentativas da morte em levá-la já que o médico orgulhoso tem todas as artimanhas para que a velhinha continue entre nós.
A disputa entre o médico e a morte é impagável, com ótimas sacadas e muitas risadas e provoca boas reflexões. 

Um excelente vídeo para demonstrar como uma narrativa pode ser profunda e leve ao mesmo tempo, trabalhando apenas com imagens e sons, sem palavras, mas deixando a mensagem de forma simples e clara para qualquer público. 
O ritmo, a coesão, a coerência, as referências diretas e indiretas que partem do conhecimento enciclopédico mas são perfeitamente inseridas na narrativa, criam um efeito harmônico que foge ao lugar comum, apenas ampliando a abrangência narrativa, aprofundando as questões que são discutidas em subníveis de leitura.
Nada neste vídeo é desperdiçado, desde os arquétipos mais fortes até o mais simples (e hilário) contexto em que a história é narrada. Cria-se um efeito poético que toca profundamente, faz refletir, rir, e gera uma sensação de extase, de plenitude, fazendo da antitese narrativa uma forma de completar a narrativa pelos textos e subentendidos, tornando-a uma obra de arte que vai muito além do espaço que ocupa, completando-se em cada leitor.

Veja também os créditos, pois o curta tem extra.

Uma animação que pode mudar a sua vida (ou a sua morte).

Vídeo: Youtube
Texto: Danny Marks
Referências: Pitada de Cinema Cult ( http://pitadadecinema.blogspot.com.br/2012/12/a-senhora-e-morte-la-dama-y-la-muerte.html ) (2013)

Canto para minha Morte - Raul Seixas



Canto para minha morte - Raul Seixas

Canção para minha Morte - Manuel Bandeira


Bem que filho do Norte
Não sou bravo nem forte.
Mas, como a vida amei
Quero te amar, ó morte,
— Minha morte, pesar
Que não te escolherei.

Do amor tive na vida
Quanto amor pode dar:
Amei, não sendo amado,
E sendo amado, amei.
Morte, em ti quero agora
Esquecer que na vida
Não fiz senão amar.

Sei que é grande maçada
Morrer, mas morrerei
— Quando fores servida —
Sem maiores saudades
Desta madrasta vida,
Que, todavia, Amei.

Manuel Bandeira - Antologia Poética (Nova Fronteira / 2010)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Diário de um ex fumante - Danny Marks

 
            Domingo – Planejando a Grande Decisão: Amanhã vou parar de fumar, mas antes vou dar um adeus a todos estes cigarros, vou fumar todos eles e vê-los indo para o espaço como fumaça. É amanhã começa a Grande Decisão.

Segunda Feira - 1o Dia da Grande Decisão:
            Hoje decidi parar de fumar, o primeiro dia sem fumar do resto da minha vida. Dizem que não é fácil, mas eu vou conseguir, nem que leve o resto de minha vida. Não é possível que um canudinho com folhas secas seja mais forte do que eu.

            Quarta Feira - 3o Dia da Grande Decisão:
            Ah! Falei que seria moleza. Até agora não senti vontade de um cigarro. Vai ser moleza. Quem disse que parar de fumar era difícil? Que bobagem. Eu paro quando quero...

            Sexta Feira - 5o Dia da Grande Decisão:
            Caramba, onde eu coloquei os chicletes, só de sentar aqui para escrever me veio a imagem de um cigarro na cabeça. Espera um pouco que vou dar uma porrada nesse maldito cachorro que não para de latir.
            Quase uma semana sem fumar. Vai ser moleza. Sabia que eu era mais forte do que a merda de um canudinho de fumo, com aquela fumacinha azulada saindo da ponta, aquele sabor,  os momentos sem pensar nada, um café antes e depois... Deixa eu fumar, digo, chutar  o cachorro de novo...

            Domingo - 7o Dia da Grande Decisão:
            Voltei do hospital, o cachorro fugiu, depois de me morder. Isso é que é fidelidade. Tenho andado meio nervoso por causa das coisas que tão acontecendo, mas não sinto falta do cigarro. Cigarro? O que é isso? Hahahaha, vou ate comprar um para comemorar uma semana sem fumar...

            Segunda Feira - 8o Dia da Grande Decisão:
            Caramba, fumei o maço inteiro ontem, vou ter que começar tudo de novo...Comprei outro cachorro.
           
            Quinta Feira - 12 o Dia da Grande Decisão:
            Estou enjoado de balas e chicletes. Engordei oito quilos antes de descobrir que chocolate não ajuda em nada. Meu reino por um cigarro...Mas que porra de reino? Não consigo dominar nem a mim mesmo? Vou resistir, tenho que sobreviver a isso...Preciso resistir, sou um homem ou um... fumante?

            Sexta Feira - 13 o Dia da Grande Decisão:
            To quase completando um mês, faltam só...Quantos dias mesmo? Tenho que parar de contar. Contar dá ansiedade...Devia ter comprado um cão mais manso...Este quase me devorou a perna, como vou chutar ele agora? Vou dar um monte de cigarros pro desgraçado, ai ele vai ver o que é bom...Melhor não, vai que ele resolve parar de fumar também...

            Sexta Feira - 20 o Dia da Grande Decisão:
            Tenho resistido bravamente a comprar o primeiro maço, já parei de ver televisão. Ainda ontem quase dei um soco em um cara que me ofereceu um cigarro. Eu não sou covarde, eu vou vencer, é só uma questão de colocar a idéia na cabeça. Será que se eu fizer auto-hipnose adianta?
            Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros....

            Quarta Feira - 25 o Dia da Grande Decisão:
            Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros...Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros...Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros...Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros...Eu não sou fumante, eu não gosto de cigarros...Cigarros...gosto...fumante....eu...gosto...cigarros...eu..fumante...cigarros....AHGHT .

            Segunda Feira - 30 o Dia da Grande Decisão:
            Hoje faz...sei lá...melhor nem pensar no assunto... Tenho resistido melhor.
            Devolvi o cachorro para a loja, nem quis o dinheiro de volta, sai mais barato devolver o desgraçado canibal do que a conta do hospital. Tive que jogar um cobertor sobre ele, não conseguia me ver sem rosnar. Será que TPM é assim?...

            Terça Feira - 31 o Dia da Grande Decisão:
            Meu antigo cachorro voltou, aceitei ele de volta pelos velhos tempos. Porra, o cara foi leal, sofreu junto comigo enquanto pode. Tem que levar isso em consideração. Parei de dar sermão nos amigos fumantes, temos que preservar a amizade ao menos enquanto ainda os tenho, vai que eles morrem de tanto fumar? Agora falo só para o cachorro, pelo menos ele não faz cara feia, fica me olhando com aquele ar de pena...

            Quarta Feira - 60 o Dia da Grande Decisão:
            Já posso me livrar daquelas fotos aberrantes de problemas provocados pelo fumo, acho que vou parar de ter pesadelos agora.

            180 o Dia da Grande Decisão:
            Ah, já me sinto melhor. Consegui subir as escadas até o meu apartamento no quinto andar sem ficar sem fôlego, acho que já dá para encarar uma academia... Vida nova...Me sinto outro....

            Domingo - 360 o Dia da Grande Decisão:
            Enfim, acho que agora estou livre do cigarro, agora dá para sentir o cheiro da fumaça, da poluição, do suor nos coletivos, de desinfetante no metrô...
            Cacete é melhor eu me mudar de cidade, procurar um ar mais saudável...

            Segunda Feira - 361 o Dia da Grande Decisão (psicografado):

            Tava tudo indo bem, até que uma bala perdida acabou com a minha alegria, o irônico é que ainda senti o cheiro da pólvora. Sabia que devia ter mudado logo. É isso que dá ficar adiando... Bom, agora sei que não volto a fumar mais...Será?...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Homem que Cresceu para Sempre - Danny Marks

Quando ele acordou naquele dia o sol já se levantara mais cedo do que devia. Por isso ele nem percebeu que suas calças haviam ficado alguns centímetros menores.
                Na pressa bateu a cabeça ao entrar no carro e jogou a culpa do desconforto claustrofóbico ao trânsito que sempre era maior que no dia anterior.
                Só, talvez, depois de uma semana, quando teve que se abaixar para entrar pela porta da sua casa que ele começou realmente a pensar que havia alguma coisa estranha.
                Os pés já não cabiam mais na cama e passara a olhar as pessoas de cima.
                No começo até achou bacana. Finalmente cumprira os desejos dos pais. Secretamente também fora o seu desejo ser cada vez maior do que aqueles outros garotos que sempre conseguiam as melhores coisas.
                Ser grande já não era um sonho, tornara-se a sua realidade.
                Dois anos depois já não sabia mais o que fazer.
                Era um transtorno ter que ficar abaixado para ver o que todos os outros viam naturalmente. Cada vez mais percebia que quanto mais de cima olhava, menos via o que importava, as pequenas coisas cada vez mais distantes.
 À noite o ar o atingia mais frio que antes e usavam-no como referência mesmo quando não sabiam direito o seu nome.
                Sempre havia os que se aproximavam apenas para tentar alcançar alguma coisa lá de cima, descer estrelas, soprar as nuvens, apagar a lua ou acender o sol. Por mais que houvesse outros a sua volta, só olhavam para cima para pedir.
                Então ele caiu.
                Os que o acompanharam antes do fenômeno acontecer, subiram nas suas costas e voaram no vento que fazia lá em cima, sem olhar para trás. Logo ele que nunca pensara que as pessoas podiam voar, agora desejava apenas poder criar um buraco tão grande em que coubesse dentro.
                Mas qual buraco seria tão fundo?
                Aos poucos, com o próprio esforço, foi se levantando, nem sabia como. Alguns tentavam ajudar, mas o peso era demais para qualquer um carregar por ele.
Com o tempo foi se acostumando a olhar com cuidado o caminho, evitando pisar em alguém. Buscando de alguma forma voltar ao que era antes, mas sabendo que jamais poderia.
                Sua cabeça só conseguia ver o chão, que ficara tão longe quanto as estrelas. Sempre a meio caminho do espaço que o poderia tornar pequeno de novo.
                Um dia, não se sabe por que, simplesmente deu um passo por cima da montanha mais próxima e desapareceu.
                Não levou muito tempo para que se esquecessem dele, e quando lembravam faziam parecer apenas uma lenda qualquer. Uma história mal contada por alguém que fingia saber demais.
Mas o homem continuou a crescer para sempre, em um lugar que antes não imaginava ser possível existir.

domingo, 22 de setembro de 2013

Lição - Danny Marks


Antes do primeiro tapa disse:
— Isto é para o seu bem.
Depois as cicatrizes falavam por si.

O Papagaio de Botas – Danny Marks


             O policial entrou nervoso na sala do delegado.
            — Senhor, tem um caso de furto...
            — Tá, e o que eu tenho a ver com isso? Faz a ocorrência e coloca na fila.
            — Mas é que o denunciante alega que foram depenados.
            — Que se foda, anota a porra da ocorrência e coloca na caixinha.
            — O senhor não está entendendo, é um papagaio.
            O delegado apagou o cigarro na placa de proibido fumar.
            — Que tá acontecendo contigo? Não quer mais fazer as ocorrências? Que merda! Tem alguém querendo denunciar um furto, anota as coisas e depois coloca na fila. Dá pra fazer isso?
            — Mas senhor, é que é muito suspeito.
            — O que é suspeito?
            — É que ele está usando botas.
            O delegado ficou olhando para o policial por um tempo, mas nada mais foi dito. A contra gosto levantou da sua cadeira e deu uma olhada na sala de espera. Estava lá, o papagaio de botas.
            — Realmente é muito suspeito.
            — O senhor está vendo? Foi o que pensei.
            — Muito bem. Mas temos que fazer alguma coisa. Ele deu alguma indicação do endereço do furto?
            — Sim, é onde ele mora.
            — Entendo. E havia mais alguém com o suspeito para comprovar a veracidade da coisa?
            — Não, senhor. Disse que quando chegou já tinha acontecido tudo e que não viu mais ninguém.
            — Ai tem truta. Esse ai está escondendo alguma coisa, posso sentir.
            — Eu senti a mesma coisa, por isso vim falar com o senhor.
            — Precisamos agir com cautela, as coisas andam difíceis e não podemos dar vacilo, entendeu? Faz o seguinte, quem tá de plantão hoje?
            — Tem mais uns dois tomando café na padaria.
            — Passa um radio e manda virem preparados pra tudo. Enquanto isso enrola esse ai. Fica vigiando que a gente não sabe o que pode acontecer.
            — E quando os outros chegarem?
            — Captura o desgraçado e joga na cela. Deixa comigo, vou fazer esse papagaio cantar como nunca na vida dele.
            — Eu sabia que o senhor ia resolver a situação.
            — Só uma coisa.
            — Sim, senhor.

            — Bico fechado, entendeu? 

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