Aos colegas de trabalho e ao meu nobre empregador:
Venho por meio desta comunicar que estou deixando o emprego e a profissão por motivo justo e peço a compreensão de todos. Os motivos são os que relato a seguir, ainda que sob forte tensão.
Foi com grande felicidade que abracei o meu trabalho no Pet Shop, e até o dia de ontem eu tinha a maior alegria de contribuir para o conforto e a beleza desses pobres seres que Deus nos deu para companheiros.
E foi nesse mesmo espírito que ontem, após o horário de almoço, fui atender a Dona Gertrudes, como devem saber a mais nova, e ex, cliente.
Fui de ônibus, pois meu carro encontra-se para reparos, e como não era muito distante resolvi que não haveria problemas. E não haveria, se não fosse o Genivaldo.
Genivaldo é, ou era, um gato. No sentido mais específico da palavra. Um grande gato negro. Não sei se a lei contra discriminação racial se aplica ao caso, mas é melhor não arriscar, do jeito que as coisas estão.
Acho que estou embaralhando as coisas, mas ainda tremo só de pensar.
Enfim, fui recebida pela gentil senhora em sua casa, e fingi nem reparar no senhor, de cabelos brancos, que dormia de cuecas no sofá abraçado com um controle remoto. Era só fazer o meu trabalho e sair rapidamente com o bônus pelo serviço a domicílio e voltar a minha vida normal.
Peguei o gato com muito cuidado, sempre é preciso ter cuidado com bichos alheios, mas não havia dificuldade alguma, até que o maldit..., digo, senhor de idade, acordou e dispôs-se a ver o futebol na sua TV nova.
Não sei se para me impressionar, por alguma deficiência auditiva ou por qualquer outra causa desconhecida, justamente quando eu me dispunha a iniciar o meu tão delicado trabalho, o som quadrifônico da TV, em seu mais alto volume, disparou a falar.
O gato, que já estava se acostumando com a minha presença, simplesmente deu um salto que o faria campeão de quaisquer jogos olímpicos felinos que pudesse haver, e foi se enfiar embaixo da geladeira em um espaço que eu acharia impossível para qualquer ser vivo ocupar.
Com a ajuda de Dona Gertrudes, tentando ignorar o irritante som, fui com muito cuidado arrastando o desgra...Gato de seu refugio, para não o ferir. O bichano havia se transformado em um amontoado esquivo de pelos e unhas e eu decidi que era mais seguro para mim e para ele, cortar-lhe logo as garras, antes mesmo de o escald...dar-lhe banho.
A gentil senhora se dispôs a ajudar segurando o mesmo, enquanto eu pegava as minhas ferramentas de tosa.
A mulher sacudia o gato com uma freqüência quase igual a que eu faria se fosse a dona e estivesse com os nervos no estado que me encontrava, mas isso só contribuiu para que o mesmo, irritado, fugisse para debaixo do armário.
E lá fui eu, ficar em uma posição nada própria para uma dama em casa alheia quando o sexagenário modelo de roupas intimas adentrou a cozinha com o controle remoto enfiado qual arma em sua ridícula vestimenta. Não sei se pela minha posição ou pelas roupas que usava, o cidadão correu para outro cômodo da casa, ao mesmo tempo em que eu conseguia resgatar a criatura das sombras e das teias depositadas naquele canto esquecido por Deus e pela faxineira.
Dei o felino esquivo para a senhora segurar e peguei rapidamente as ferramentas, antes que o mesmo resolvesse dar-me mais trabalho, e então aconteceu.
Um grito horrível veio do interior da casa, no exato instante em que eu aproximava uma pontiaguda tesoura do ser peludo, que era sacudido pela dona em um espasmo que jamais havia visto.
O resultado foi o fim de sete vidas em uma única estocada.
A mulher largou o gato falecido em cima de mim e correu para acudir o marido. E qual não foi a minha surpresa ao ouvi-la gargalhar?
Eu só podia estar na casa de alguma bruxa do mal!
Então ela veio me contar ainda rindo, toda feliz, que o marido havia deixado cair o maldito controle remoto da TV no vaso sanitário e que ela agora não ia ter que aturar ele zappeando entre os canais enquanto ela tentava ver a novela.
Eu olhei para ela com cara de quem não entendia nada , ainda segurando o cadáver que sujava o meu jaleco novo de forma irremediável. Ela se compadeceu e disse-me que não havia sido culpa minha, que era culpa do alemão.
Eu achei que ela falava do marido, mas quando ela continuou com os espasmos que me pareciam sacudidelas, compreendi que tratava-se de outro alemão.
Ofereci-me para dar um destino digno ao animal recém falecido e até recusei o pagamento pelo serviço que na verdade nem havia feito. Saí o mais rápido que pude dali, com as minhas coisas em uma sacola e na caixa que guardava as minhas ferramentas o infortunado ex membro da comunidade felina.
Logo chegou um ônibus, lotado, como era de se esperar de alguém que havia adquirido sete anos de azar, ou o raio que o valha. Mas eu o peguei mesmo assim.
Um gentil rapaz vendo-me atrapalhada com a caixa se dispôs a segura-la para mim e eu rapidamente a dei. Queria era me livrar logo daquilo.
Mas para minha surpresa, no ponto seguinte, o individuo saiu correndo do ônibus com a caixa embaixo do braço e os berros da assistencia de “pega, ladrão”. Um policial saiu correndo atrás do bandido, mas não sei se conseguiu alcançá-lo.
Então eu desabei! Comecei a chorar compulsivamente.
As pessoas tentavam me acalmar, e até se ofereceram para pagar a minha passagem.
Eu resolvi tirar o resto do dia de folga e hoje acordei decidida a abandonar definitivamente essa maldita profissão que nos expõe a tantos perigos e surpresas
Vou tentar ser piloto de provas ou quem sabe infectologista; profissões que devem ser muito mais tranqüilas e seguras.
E se por acaso alguém devolver a dita caixa, vocês sabem onde podem enfiá-la.
Sem mais, Obrigada!
2 comentários:
Tragicamente engraçado....nenhuma morte violenta deveria provocar o riso,mas afinal, rir é preciso. Texto primoroso!!!!
Obrigado, Lariel,
A intenção do texto é justamente essa, superar as tragédias com o auxílio inestimável do humor, que nos salva muitas vezes de novas tragédias.
Beijos Mágicos, linda.
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