Eu paro o carro do outro lado da rua, por instinto, meus olhos ainda colados na aparição emoldurada no retrovisor. A noite quente faz com meus hormônios fervam, quase dá pra sentir o meu desejo correndo pela rua deserta e escura como um lobo perseguindo a sua presa. Desço do carro procurando lentamente a chave do portão, as mãos cegas por aquele corpo apertado em jeans escuros.
Nossos olhos se beijam em pleno espaço. Ela chama por um nome que não é o meu. Grita alto. Dá alguns passos e volta. Grita de novo. Não encontra a minha atenção.
A chave presa por um cordão no cinto é içada como um peixe que se recusa a sair do bolso quente. Ela se aproxima. Eu acendo um cigarro e sopro a fumaça com força.
— Você mora aqui?
O perfume dela me agride por entre a fumaça. Reparo na boca delicada, os seios arfantes tentando escapar do aperto da blusa sem alças.
— Moro.
— Você é policial? Tira? Alguma coisa assim?
— Eu pareço ser policial?
— Se for tudo bem. Pode dizer. Não tenho problema nenhum com a polícia. Nunca vi você aqui antes. Você mora mesmo aqui? Eu estou morando na casa em frente. Você é policial, não é?
Avalio a situação. Vejo as mãos tremulas dela, a mentira, curiosidade. A adrenalina corre pelas veias intumescidas com o vigor de uma explosão.
— Você precisa de alguma coisa?
— Acho que estavam tentando assaltar a minha casa. Eu moro sozinha. Quer dizer, a minha mãe mora comigo, mas eu não moro mais com a minha mãe. Às vezes eu fico na casa do meu pai. Ele vai morar aqui agora. Quem iria querer assaltar a minha casa? Eu sou muito boa pras pessoas, dou comida quando precisam, sabe?
Fico pensando em como seria delicioso apertar aqueles seios em minhas mãos, beijar aquela boca que não para de falar. Há uma química soprando por entre as esquinas e me golpeando de dentro para fora.
— A sua mulher deve estar te esperando.
— Não sou casado.
— Não, está tudo bem. Quer que eu ajude em alguma coisa? Se estiver sozinha...
— Você pode me dar uma carona? Você é policial, não é? Tem cara de policial. Desses que ficam escrevendo, como é mesmo o nome?
— Escrivão. Não sou.
— Não tem problema se for, pode falar. Pode me levar até a casa da minha mãe? Eu não quero ficar sozinha com alguém rondando a minha casa.
Ela entra no carro e eu dirijo por algumas quadras até que ela manda parar em uma rua escura. Ela me dá um beijo suave na boca. Minha tensão aumenta. Olho pelo retrovisor, outra rua deserta e escura.
— É aqui que sua mãe mora?
— Você não gostou de mim?
— O que você quer? Parece que fumou demais.
Ela pega outro cigarro meu e acende. Puxa um dos seios por cima da blusa deixando-o mais esmagado ainda.
— Não faça isso. Se quiser abrir a blusa abra, desse jeito vai se machucar.
— Você não é gay que eu já vi, mas é muito estranho. Muito sério. Eu tenho medo de homens que não sabem rir.
— Por que eu deveria estar rindo? Só estou tentando entender o que você quer. Então decido se posso atendê-la.
Ela passa a mão sobre a minha calça enquanto me morde a orelha.
— Eu estou tentando conseguir uma grana para ir no “Fantastic” sábado. É isso. Não fumei nada não. Eu tenho maconha aqui, se você quiser. Pronto, pode me prender agora. Eu sabia que era policial.
— Eu não vou te prender. Não pago por sexo, se é isso que quer. Nunca paguei antes. E não vou começar agora.
— Você é muito estranho. E bonito também. Não vou conseguir nada com você não é mesmo?
— Você não é prostituta, não é boa com isso. Deveria tentar outra coisa pra arrumar dinheiro. É muito bonita. Se quiser eu posso ajudar.
— Não vai me dar dinheiro, preciso de grana. Pode me levar até a próxima esquina?
Eu levo. Paro em um lugar mais iluminado. Ela reclama. Eu não ligo.
— Você é muito inteligente. Queria ter conhecido você antes. Vou embora.
— Pode ficar se quiser. Eu gostaria. Não precisa mentir pra mim.
Ela apenas faz um carinho no meu rosto e sai. Depois muda de idéia volta e me dá um beijo demorado, suave e perfumado. Vejo um reflexo úmido no olhar dela.
Então sai e vai encontrar-se com algumas pessoas que estavam conversando próximas. Fala alguma coisa com eles e depois segue ainda fumando o ultimo cigarro que eu lhe dei.
Eu acendo um cigarro para mim. A noite está mais fria agora.
Eu não a vejo voltar-se enquanto observo o retrovisor. O motor rodando lentamente em ponto morto. Engato o carro e sigo em frente.
Algumas coisas eu simplesmente jamais vou ficar sabendo e preciso aprender a aceitar isso. Ainda vejo no retrovisor o beijo dela na minha boca e a casa em frente a minha. Vazia como sempre esteve.
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