sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Tatuagem de Asfalto - Danny Marks


João Cabeção era um cabeça dura. Sempre foi.
                Lógico que ele nunca admitiu isso, na verdade nunca se achou um cabeça dura. Considerava-se muitas coisas: motoqueiro, roqueiro, bonito, inteligente, pegador, sarado, habilidoso. Mas cabeça dura? Claro que não. No máximo, impulsivo.
                Leu isso em um horóscopo, gostou e aderiu. Impulsivo era algo melhor que cabeça dura, não era? Não importa, mesmo que fosse a mesma coisa não admitiria jamais.
                Todos temos momentos difíceis, todos temos nossos problemas e nossas soluções, e as do João eram assim, impulsivas. Se até atleta tem que tomar impulso para saltar os obstáculos que mal tem em ser um cara que faz disso uma condição?
                Quando arrumou emprego de cachorro louco, gostou do termo. Motoboy é coisa de gringo fresco, cachorro é mais brasileiro e todo roqueiro brasileiro é louco, não é?
                A habilidade dele era tomar impulso, se jogar mesmo; fosse na vida, fosse ao entrar em uma esquina. A habilidade o salvava. Nunca aconteceu nada, então é o certo a ser feito, não é mesmo?
                Foi assim com a Maria, ou seja o nome que ela tem, mas todo João tem uma Maria que é o seu contraponto, o seu esteio,  o seu motivo de se jogar na vida.
                E a Maria vai ter um filho, desses que tiram a gente do sério, quando se é sério; ou então desses que deixam a gente louco de felicidade, quando se é louco.
                Mas louco não pensa, louco é cabeça dura, cabeças-duras não pensam, não é mesmo?
                Mas o João era apenas impulsivo, se fosse cabeça dura poderia ser diferente.
                Eu nem sei por que chamam alguém impulsivo de cabeça dura,  não tem nada a ver uma coisa com outra. Na cabeça dura não entra nada, na impulsiva talvez entre, às vezes, quando menos se espera.
                Mas o João não era cabeça dura, e isso fui eu quem provou, sem querer, por culpa do João Impulsivo com seu cabeção que se atirava nas esquinas sem pensar, como um cabeça dura, mas que nunca tivera problema porque era só tomar bastante impulso e seguir em frente.
                Eu não conhecia o João, só fiquei sabendo das coisas depois, quando não dava mais pra conhecer o João, ou o filho da Maria, ou seja lá qual for o nome da moça que ficou viúva quando as rodas macias do meu carro encontraram o crânio que deveria ser duro, mas não foi.
                E agora o João não é mais chamado de cabeça dura, não é mais chamado por ninguém.
                E só eu continuo com o João na cabeça,  que não é tão dura quanto a vida pode ser.

2 comentários:

Nilson Ramos disse...

João, se foi e até agora era lembrança, mas com essa crônica isso mudou. João virou também exemplo, desses que não se deve seguir, de cabeça dura.

Danny Marks disse...

Nilson, enquanto nos lembrarmos do João, podemos nos lembrar dos bons exemplos.
Obrigado pela participação, um exemplo a ser seguido.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...