-Tá fazendo a unha na Cida .
-Ué, tem festa e num to sabendo?
-Não pai, a Cida tá cobrando baratinho pra praticar,só isso.A coitada da
mãe nunca tem chance de se cuidar um pouco.
-Hummmm.... sei.
................
No espelho do
banheiro Zé se depara com um quase desconhecido, o que vê é uma
pálida imagem do passado.
Desconfortável desvia o olhar, enquanto enxuga as mãos na toalha rosa com beirada em
crochê.
Está mexendo no controle da televisão,
quando Zulmira entra apressada.
-Oi Zé, chegou
mais cedo? Fui na Cida fazer as unhas,olha como ela tá trabalhando direitinho?
Aproveitei fiz uma escova, gostou?
-Hum...hum.
-Só vai dizer isso? Hum..hum
-Você quer que eu diga o que? A tal Cida
num tá fazendo o curso, não vai
abrir um salão lá na avenida?Deve di sabe o que faz. Se você tá toda feliz
desse jeito,minha opinião não interessa.
-Nossa Zé, que grosseria, se soubesse que ia ficar bravo, não teria ido.
-Num to bravo mulher, deixa de besteira. Você é bonita de qualquer
jeito. Só estranhei porque hoje num tem festa nem nada.
-É que a Cida precisa praticá, toda a vizinhança tá aproveitando.Ela
cobra menos da metade do preço de salão.
-Tá certo, não vamu discuti a toa. Dá pra arrumá a comida mais cedo, vou ver o futebol lá na quadra com
a turma.
Após servir
o jantar e arrumar a cozinha,como sempre ela está só. Recostada no sofá,
folheia o livro que a filha mais velha emprestou dias atrás. De olhos fechados, alisa a capa
com carinho,como se fosse o rosto de alguém querido, sempre amou livros. Quem sabe,como
afirmam as meninas, ainda haja tempo para aprender algo novo.
.Além de noções
de gramática e ortografia, tem
textos interessantes que ela, embora
achasse impossível, está conseguindo entender muito bem. Abre uma página ao acaso, o título chama
atenção:
O caminhante das estrelas
“....chegou sem avisar, o estranho
caminhante. Em uma das mãos um saco de tecido transparente contendo
letras cintilantes,inquietas, parecendo
ter vida própria. Na outra mão uma tocha,
para iluminar o escuro.
Seus passos deixam um rastro vindo
das estrelas, e o caminho à frente
marcado pela chama da tocha, não está
bem definido, mas é misterioso,
atraente......”
-O que? Que foi, nossa você já chegou? Acho que peguei no sono.
-Acha? A televisão ligada, esse livro em cima de você, tá de bobera
mulher. Que mania é essa agora de ficar com esse livro pra lá e pra cá.
-Foi a Géssica que me emprestou pra eu esclarecer uma dúvida com uma
palavra, sabe aquele dia em que a gente discu...
-Desculpe Zuzu, mas to morrendo e de sono. Ainda bem que amanhã já é
sexta, depois me fala disso, vamu pra cama que já é tarde!
Ressentida com
mais uma indiferença, mas extremamente
cansada, pega rápido no sono.
O caminhante vindo das estrelas se aproxima sorrindo. Atira em sua
direção as letras inquietas, que rápido formam um tapete, onde ela deita sem
cerimônia. Algumas se transformam em pequenas borboletas coloridas que em
vôos rasteiros, tocam de leve seu corpo
aqui e ali,provocando uma sensação muito boa.
Ele traz um livro na mão e sorri enigmático.Leva a
tocha em sua direção e com a chama, toca
de leve seu corpo.Um calor que não
queima, mas invade cada espaço inexpugnável.
Uma onda de prazer acontece, como
um jato de vida incontrolável, penetra
todas as células adormecidas.
-Zuzu, Zuzu, o que foi, tá
passando mal?
-Hã? O que tá acontecendo Ze?
-Que tá acontecendo digo eu,
tá se debatendo, gemendo feito louca.
Foi alguma coisa que fez mal? Qué um sal
de fruta?
-Não Zé, foi só um pesadelo.
-Então reza pro anjo da guarda e volta a dormi em paz!
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