-Zé, como
era aquela coisa que a médica
falo no posto uns tempo atrás?
-Posto....médica? Do que
você tá falando mulher?
-Zé, fais tempo, quando o pessoal do governo tava explicando
os jeito de evitá
gravidez?
-Nossa Zulmira, você bebeu?
Acha que lembro disso mulher... conversa
doida!
-Conversa doida não, bem que
ajudou a genti a pará de faze filho.
-Qué dize filha né Zuzu, que
desse mato não saiu nenhum cuelho!
-Si não esquecesse, ia lembra que ela falô disso também. Quem faz o sexo da criança é o
pa....
-Pô, essa istória de novo! Melhor mudá a conversa, isso
sempre acaba em discussão. A janta tá pronta?
(....)
Sobre a toalha
xadrez os pratos estão arrumados. Embora
simples, percebe-se o capricho: garfos do lado esquerdo,facas do lado direito, copos de vidro barato, reluzentes, guardanapo de
papel florido, dobrado em quatro.
Na pia a mulher termina de
temperar a salada. Semblante triste por
não ter conseguido falar ao marido de suas angustias.
-Que foi mãe, tá
chorando?
-Não menina, deixa de bobagem.
-Tá sim, não me enrola,conta logo, o que aconteceu?
-Deixa de ser boba Dany, num tá vendo qui sua mãe acabou de discacá cebola?
-Teu pai tá certo. Chama suas
irmã, a comida tá pronta. A Géssica tem prova no cursinho, diz pra ela si
apressá.
Durante o jantar Zé se esforça pra disfarçar a tensão. Conta
piadas sem graça, ri mais que de
costume, fazendo com que as quatro
filhas tenham momentos
descontraídos.
Não estivessem em plena juventude mergulhadas em suas prioridades, talvez percebessem que
os olhos vermelhos da mãe, não são pelo
descascar de cebolas, mas de lágrimas por temores que a pobre não tem espaço pra falar
a ninguém.
Aos poucos a cozinha
fica em silêncio.José se apressa em levar Géssica ao cursinho,
no velho fusca da família. Ela é
orgulho dos pais: cursa o último ano do ensino médio pela manhã,
trabalha como recepcionista num consultório dentário à tarde, e ganhou uma bolsa de estudos num cursinho
preparatório para a universidade à noite.
Também nada têm
do que se queixar das outras três:
empenhadas em trilhar seus caminhos corretos.Zulmira é uma mãe presente: pobre nos estudos, incentiva e vê com orgulho o quanto suas
meninas tem gosto pelos livros.
Volta a chorar sozinha, agora de emoção, ao lembrar da promessa das duas mais velhas
outro dia após o almoço.
-Mãe, fica sossegada. Quando me formar
vou pagar uma empregada, a
senhora vai ver!
-Também to nessa mãe. Quero ver
dona Zuzu com a mão lizinha, perfumada, unhas bem grandes pintadas de vermelho.
- Outra coisa, a senhora vai fazer
algum dos cursos que vive falando!
-Estudar? Ficou doida menina, já passei do ponto.
-Passou nada. Lá no cursinho tem
um monte de gente de cabelo branco, que não teve chance antes e agora está
tirando o atraso.
(...)
Deixando a cozinha
em ordem, Zulmira relaxa no sofá
da sala. As pernas andam doendo demais, talvez precise apressar a cirurgia de
varizes.
Acaba caindo no sono e
tendo um sonho estranho: Ela e o
marido jovens, namorando sentados sobre a grama verdinha no Jardim Botânico.
Acordou com uma sensação esquisita, lembrando que de fato vivera uma tarde assim.
Estavam as vésperas do casamento,
José insistindo numa intimidade maior, sorrindo
malicioso lhe entregara um
pacotinho de balas, cada uma delas com
um bilhetinho amarrado, um código quase secreto, que ela ruborizando entendera
muito bem: quero a bala e você.....
Encontrar no meio do caderno da filha mais nova,
aquela palavra repetida dezenas de
vezes, tirou-lhe completamente o sossego, a fez recordar das insinuações
libidinosas de outrora.
(...)
-Tá tudo bem mãe, to achando a senhora abatida!
-Tudo bem filha,só os problema de sempre.
-Não vai mesmo contar né? Ando percebendo sua preocupação. Puxa vida, não sou mais criança,
a senhora não confia em mim?
-Claro que confio filha,em você e nas suas irmãs,mas existe tanta barbaridade por aí, qualquer coisa diferente a gente entra em pânico.
-Tá vendo, tá acontecendo alguma
coisa,fala logo mãe!
-Ai filha, promete que não comenta com as meninas, nem com seu pai?Tô
com a pulga atrás da orelha por causa de
umas coisas que li numa folha de caderno da Lu.
-Cartinha de namorado, recadinho, isso é normal na idade dela mãe, não
esquenta.
-Se fosse isso.... é uma coisa feia de falar. Procurei conversar
com seu pai,mas ele é ignorante, nem me deixou chegar perto do assunto.
-Então foi por isso que a senhora tava chorando outro
dia na hora da janta?
-Mais ou menos.Fui perguntar pra ele
como era aquele jeito que a médica do posto ensinou pra evitá filho.
-Num to falando?Mas seu pai nem quis ouvir nada.
-Mãe, conta tudo desde o começo. O
que tem a ver o que a médica falou sobre anticoncepcional,com a
folha de caderno da Lú?
-Vou contar. Tô com um pouco de
vergonha, mas você já vai fazer dezenove
anos e está estudando pra fazer faculdade de enfermagem, tem tudo a ver,mas deixa eu falar de uma vez,
senão não consigo tá?
Você sabe que casei muito nova,naquele tempo a gente não tinha essa
intimidade de hoje em dia.Sexo só depois do casamento, é claro que muita gente
dava umas escapadinhas, mas daí era um escândalo daqueles. Seu pai vivia
insistindo num pouco de ousadia, mas eu era muito medrosa.No final foi bem
difícil segurar,ele vivia me dando presentinhos com bilhetes maliciosos.
Outro dia quando fui limpar a estante no quarto de vocês, caiu uma folha
de caderno da Lu com uma palavra feia escrita um monte de vezes.Lembrei das
explicação da médica porque era o jeito que seu pai criticava os ensinamento da
dotora.
-A senhora falou pra não interromper, mas não dá. De qual ensinamento a
senhora tá falando e qual é a palavra
feia que a Lu escreveu?
-Taí essa palavra que você falou:interromper. Eu perguntei pro sei pai e ele não lembrou.
Como é aquela coisa de parar o sexo antes do.....bem antes do final, pra evitar
a gravidez?
-Coito interrompido. Agora bagunçou de vez,o que isso tem a ver?
-Tudo ora bolas.Seu pai depois da palestra da médica, chegou em casa criticando, dizendo coisas
feias, como a palavra escrita no caderno da sua irmã.
-Ai meu Deus do céu, a senhora tá
querendo me enlouquecer? Conversa
sem pé nem cabeça!
- Espere um pouco. Olha a folha do caderno da sua irmã,veja o que está
escrito aí um monte de vezes! Só
pode ser recadinho secreto de um namorado sacana que tá querendo se
aproveitar da inocência da pobrezinha.
-Mãe, então é essa palavra que causou a confusão na sua cabeça?
-É essa sim, a mesma que seu pai
dizia fazendo gozação com o que a médica do posto tinha ensinado.Dizia que não
ia passar o resto da vida interrompendo o bem bom, ficou falando um tempão,lembro
como se fosse hoje.
Meta fora, meta fora, a doutora que use esse método de evitar
barriga,comigo não, isso é contra a natureza!
-Mãe, calma. Senta aqui pertinho,
vou explicar: Essa palavra no
caderno da Lu não é o que a senhora tá pensando. É da aula de português, fui eu
quem dei a dica dela escrever várias vezes pra memorizar,e não é meta fora é
metáfora!
-Me...metáfora e não meta fora. Eu nunca ouvi essa palavra, puxa vida filha, como é bom a gente ter
estudo, tava num sofrimento danado,com a cabeça cheia de caraminholas.
Quanta burrice meu Deus, justo eu que
vivo criticando seu pai por ser ignorantão!
-Calma dona Zuzu, não precisa ficar se martirizando. Vou pegar um livro
de português pra explicar pra senhora do
que se trata.
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