terça-feira, 26 de maio de 2009
Mentira, Fantasia e Virtualidade, as faces do Novo Paradigma Cultural
Como blogueiro, ativista cultural, escritor e estudante, estou sempre me deparando com questões e textos controversos em vários meios de comunicação. Segundo o ditado popular, “opinião é como braço, cada um tem o seu”.
Sempre procuro respeitar as opiniões que encontro, o que não significa que, necessariamente, precise concordar com elas ou até, quando for o caso, combatê-las.
Mas, algumas vezes, me deparo com alguns casos que não compreendo a construção lógica do autor e tento aprofundar o tema para poder compreender melhor.
Na intenção de ampliar ainda mais o conteúdo cultural deste blog, resolvi criar a coluna “Minha Opinião”, onde pretendo apresentar textos que causem estranhamento e buscar entendê-los através de uma análise mais aprofundada, disponibilizando esse meu debate interno para os colegas poderem apresentar o seu parecer, ampliando a questão ou até criando novos textos para debates.
Como estréia desta coluna, apresento um texto extraído do Blog Ana R - Sobre Todas as Coisas com uma matéria de Rosely Saião, psicóloga e colunista do jornal Notícias Populares e da seção Sexoteen, do UOL
Texto Original Transcrito:
Dia da mentira por Rosely Saião
Todo mundo sabe que hoje é o dia dedicado à mentira e que as crianças adoram planejar brincadeiras e pegadinhas para aplicar nos colegas nesse dia. Tudo bem: isso é saudável e lúdico já que há um contexto para tanto. Porém, hoje quero falar da importância de se ensinar o amor à verdade aos filhos.
Em tempos em que os pais estão ocupadíssimos em preparar os filhos para o futuro no sentido prático e instrumental, um grande número deles se esquece de que a base da educação familiar reside em outro foco: na transmissão das tradições familiares e na educação moral.
Desde pequenas as crianças já podem aprender a importância que devemos dar à verdade. Mas, vamos reconhecer: tem sido muito difícil ensinar o valor da verdade no mundo contemporâneo. Vou tomar a Internet como um dos elementos que torna isso ainda mais difícil.
Não há dúvida alguma de que a ampla divulgação de todo o tipo de informação que ocorre na internet é importante. Entretanto, como qualquer pessoa pode publicar qualquer coisa na internet, como saber se as informações encontradas correspondem à verdade?
Vamos considerar um aluno que busca na internet conteúdos para realizar um trabalho escolar. Para saber se o que encontrou é digno de confiança em relação ao conhecimento, é preciso ter uma bagagem teórica muito sólida, o que os estudantes ainda não têm porque estão em formação para ter. Por isso, podem valorizar conteúdos sem nenhum rigor científico. O mais sensato seria incentivar os alunos a pesquisarem o conhecimento em publicações fidedignas, como os livros, por exemplo.
Voltemos è educação moral. Uma criança pequena depende dos pais para viver, por isso precisa confiar neles. Se ela percebe que os pais mentem a ela – e as crianças percebem isso rapidamente e com clareza – perde a confiança nos pais e, como conseqüência, tem seu desenvolvimento prejudicado, além de passar a dar valor à mentira.
No cotidiano, os adultos cometem pequenas mentiras para preservar sua intimidade, sua privacidade. Um exemplo: mandar dizer que não está para evitar um telefonema de trabalho em horário de descanso. Mas isso precisa ser explicado à criança para que ela não passe a valorizar a mentira.
Algumas atitudes dos pais, que são observados atentamente pelos filhos, podem ensinar a mentira aos filhos. Arrumar atestado médico para justificar a falta em dia de prova quando ele não esteve doente; orientar o filho a dizer que o pneu do carro do pai furou para explicar o atraso na chegada da escola; encontrar para o filho alguma desculpa que justifique sua falha na escola. Todos esses exemplos são reais e apontam a direção contrária à de uma boa educação moral.
Por isso, o dia da mentira até tem seu valor: o de indicar que a mentira intencional, desde que não prejudique nem desrespeite ninguém, é aceitável. Mas apenas nesse dia.
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Minha Opinião:
Para que se entenda a complexidade do assunto é preciso buscar nos filósofos e estudiosos contemporâneos o embasamento necessário para desenvolver o tema.
Com base no que o Edgard Morin apresenta no livro O Pensar Complexo (ed Garamond) a cultura da modernidade sofre do mal de fragmentação ao extremo, da especialização absoluta, o que torna o saber dissociado do contexto onde poderia se aplicar.
Nesse contexto são geradas inúmeras crises que poderiam ser evitadas ou, no mínimo, previstas se houvesse uma visão das interrelações do todo com as partes.
Ele sugere que através dos sete saberes (O Conhecimento, o conhecimento pertinente, a identidade humana, a compreensão humana, a incerteza, a condição planetária e a Antropo-ética) será possível apresentar um novo paradigma para a educação, onde cada parte sofre influência do todo e o todo influencia diretamente cada parte. O aprendizado é apresentado de forma holística
Junte-se os fatos da Crise da Modernidade e os relatos dos livros didáticos e paradidáticos que são comprados e distribuídos sem que haja uma revisão adequada e muitas vezes contendo falhas de conteúdo ou material desnecessário, e tem-se uma problemática em indicar livros como sendo uma fonte de pesquisa melhor que a Internet.
Neste ponto, é importante destacar a diferença entre a cultura do texto e a do Hipertexto.
A cultura do texto é linear e inicia-se em um ponto e segue traçando-se uma reta pelo desenvolvimento até a sua conclusão de uma forma restrita e direta, eliminando-se e/ou ignorando-se qualquer variável ou desvio do argumento central.
Já o Hipertexto valoriza os acréscimos tangenciais que se ligam à argumentação central através de um Link (uma conexão que remete a um novo caminho argumentativo) que pode ou não ser acionado a qualquer instante. Nesse formato os saberes se interligam acrescentando uma visão ampla ao tema central sem se desviarem do mesmo. Cada ramificação, ou link, pode ser explorado antecipadamente, durante ou posteriormente a argumentação central, tornando possível revisitar o tema com novas abordagens além de permitir uma conexão mais ampla com o objeto de estudo e as diversas facetas da realidade.
Edson Cruz, Nelson Magrini, Marcelino Freire, Dalmo Duque dos Santos, entre outros escritores, professores e divulgadores culturais da atualidade, ressaltam a necessidade de trabalhos como o apresentado pela Wikipédia (www.wikipédia.com.br) onde qualquer pessoa pode apresentar textos sobre qualquer assunto, porém, todos os usuários podem fazer ou solicitar correções e/ou acréscimos que são avaliados pelos organizadores. Descoberta alguma falha ela é corrigida não apenas pelos organizadores, mas pelo conhecimento acumulado de toda a comunidade que usa o veículo, o que supera a visão de qualquer revisor individual com larga margem de escala e rapidez.
O blog, veículo cada vez mais utilizado para comunicação, e que foi, inclusive, fonte da matéria que deu origem a este texto, também sofre o mesmo procedimento, embora em menor escala.
Essa crise de paradigmas que a atualidade está enfrentando já foi apresentada por Marylin Ferguson, no livro “A Conspiração Aquariana”, publicado 20 anos antes dos trabalhos de Edgard Morin, e apresenta um comparativo apontando as mudanças de paradigmas em vários setores sociais.
Marilyn intuiu que e a sociedade queria mudar, pois o "status quo" não satisfazia. Esta transformação se opera através de 4 fases, segundo seu livro:
- Há na sociedade um sentimento de vazio, de nojo, de insatisfação, de tédio consumista. Compra-se, consome-se, come-se, diverte-se, mas a sensação de nojo e vazio continua uma realidade dolorida. As pessoas estão insatisfeitas.
- Neste estado de coisas, neste estado de espírito, nesta ansiedade, parte-se em busca de respostas.
- A integração - a pessoa começa a refletir mais e a selecionar para si um mestre, um guru interior e nesta fase a pessoa experimenta uma grande "cura", a cura psicossomática. Qualquer terapia vale. A pessoa intui que estas idéias respondem às suas ansiedades, aceita-as, entra "na rede" e se faz mais um seguidor para a grande conspiração aquariana.
A conspiração - a pessoa já está sintonizada com as idéias propostas pelos grupos, que são inúmeros, e assim vai se criando uma Rede Universal de "conspiração silenciosa" que pretende com isto dar uma nova visão de mundo e curá-lo, expandir sua consciência para levar a paz ao cosmo. Expandir todo o potencial humano retido, reprimido acorrentado no homem por circunstâncias existenciais, sociais, religiosas ou econômicas. "É preciso liberar-se, e liberar as feras acorrentadas dentro de si. Atingir o seu eu profundo", a divinização.
O livro fala em Vila Global. Propõe a necessidade de criar, construir uma rede universal através destas idéias, pois é necessário "pensar globalmente e agir localmente", em pequenos grupos. Tudo muda, nada é permanente "sejam as idéias, sejam as formas", é preciso mudar.
"O mundo no qual se estabelece a rede universal operará a transformação do indivíduo, que terá como conseqüência a do mundo, do contexto universal. Esta seria a nova conspiração, a nova religião universal".
Compreendendo o ambiente sócio-político mundial e a crise da modernidade podemos avançar na problemática dos valores morais necessários a construção de uma sociedade capaz de lidar com a superinformação e os erros intencionais ou inadvertidos dos produtores dessa informação. É o que explica Edgard Morin, conhecido como principal crítico da educação racionalista do século XX e propositor de um novo paradigma educacional.
Segundo ele é necessário desenvolver os sete saberes (como passaram a ser chamados):
1º Saber: Erro e ilusão - Não afastar o erro do processo de aprendizagem, íntegrar o erro ao processo, para que o conhecimento avance.
2º Saber: O conhecimento pertinente - Juntar as mais variadas áreas de conhecimento, contra a fragmentação.
3º Saber: Ensinar a condição humana - Não somos um algo só. Somos indivíduos mais que culturais, somos psíquicos, físicos, míticos, biológicos, etc.
4º Saber: Identidade terrena - Saber que a Terra é um pequeno planeta, que precisa ser sustentado a qualquer custo. Idéia da sustentabilidade, terra-pátria.
5º Saber: Enfrentar as incertezas - Princípio da incerteza. Ensinar que a ciência deve trabalhar com a idéia de que existem coisas incertas
6º Saber: Ensinar a compreensão - A comunicação humana deve ser voltada para a compreensão. Introduzir a compreensão; compreensão entre departamentos de uma escola, entre alunos e professores, etc.
7º Saber: Ética do gênero humano - É a antropo-ética. Não desejar para os outros, aquilo que não quer para você.
A antropo-ética está ancorada em três elementos:
Indivíduo, Sociedade, Espécie.
Morin defende a interligação destes três elementos desde O Paradigma Perdido: a natureza humana (Biblioteca Universitária, 1988 – 4a edição). Na questão prática de aplicar os 7 saberes, a questão fundamental é que o objetivo não é transformá-los em disciplinas, mas sim em diretrizes para ação e para elaboração de propostas e intervenções educacionais.
Desta forma, a solução apresentada para a crise da modernidade e para a nova cultura globalizada que envolve pais, filhos, educadores, sociedade, etc, em um conjunto complexo de interações passa pela reinvenção do que é moralidade e do que é construção do conhecimento de base para a instrumentalização das novas (e antigas) gerações para enfrentar os desafios que surgem inexoravelmente a cada dia e a cada avanço tecnológico.
A equação que se apresenta é complexa, mas, aparentemente, é melhor desenvolvida pelas mentes jovens que já nasceram nesse universo multimídia, do que pelas pessoas que ainda tentam se agarrar a valores que estão ultrapassados pela própria evolução social. Em ambos os casos a única forma de haver um desenvolvimento estruturado é a compreensão dos mecanismos e uma abertura sistemática ao NOVO, repensando os valores anteriores e atualizando-os dentro do cenário que se estabelece. Isso fica mais claro quando inserimos as considerações de Bernardo Toro diante dessas mudanças na educação e no ensino.
Ele propôs a criação dos Códigos da Modernidade:
- Domínio da leitura e da escrita
- Capacidade de fazer cálculos e resolver problemas
- Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações
- Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social
- Receber criticamente os meios de comunicação
- Capacidade de localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada
- Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.
São sete competências mínimas para a participação produtiva e a inserção social do ser humano no século 21, nota-se que não é feita distinção de geração na necessidade dessa inserção.
Para desenvolvê-los, o ensino deve ser contextualizado o que não significa utilizar qualquer tema da atualidade e sim canalizar as energias para assuntos que fazem sentido na vida dos alunos.
Toro valoriza também o que chama de saber social, um conjunto de conhecimentos, práticas, valores, habilidades e tradições que possibilitam a construção das sociedades e garantem as quatro tarefas básicas da vida: cuidar da sobrevivência, organizar as condições para conviver, ser capaz de produzir o que necessitamos e criar um sentido de vida. A escola é apenas um dos ambientes em que ocorre a aprendizagem. A família, os amigos, a igreja, os meios de comunicação, as empresas, são outras importantes fontes de conhecimento para os indivíduos.
Para concluir, cito Paulo Freire, que por toda a sua vida e em toda a sua obra, destacou que o aprendizado é algo para a vida toda. Inicia-se na infância, com o apoio dos adultos, e se desenvolve no ambiente com o suporte dos educadores e meios de comunicação. Rejeitar esse novo paradigma que se forma ou tentar subjugar, de alguma forma impositiva, o novo cenário aos anteriores é negar que a criatividade e capacidade de adaptação humana nos trouxeram, através das crises e soluções encontradas, ao momento atual, e que repensar valores é uma prática saudável e necessária ao crescimento, em qualquer fase da vida. Essa sim, seria uma mentira totalmente prejudicial. Foi através da fantasia, que é uma forma de mentira, que novas idéias puderam ser inseridas na sociedade e trabalhadas para tornarem-se realidades práticas, então, podemos crer que, mesmo que às vezes seja usada de forma indevida, essa capacidade humana, como tantas outras, bem empregada, é totalmente produtiva e benéfica ao desenvolvimento.
Como apresentei no meu livro “O Caos Contido”:
“O remédio, em excesso, pode matar. O veneno, na dose certa, pode curar”.
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