quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Sobre o que você escreve? - Danny Marks



Recentemente fui ao lançamento do mais recente livro de uma querida amiga, colega de Letras, e me perguntaram sobre o que escrevo. É um daqueles momentos em que fico sem palavras.
Como responder a isso de forma verdadeira, sem parecer pedante, incompetente, mentiroso? Sem virar verborragia, sem tergiversar, sem parecer técnico demais ou superficial demais? Complicado falar sobre isso, da mesma forma que é complicado se definir como pessoa em poucas palavras, até porque, muitas vezes, nos reinventamos constantemente.
          Costumo dizer que escrevo sobre pessoas, o estilo quem define é a ideia que não consegui deixar ir. Quem por acaso tenha se interessado em ler os meus textos vão poder verificar que isso é verdade. Normalmente trabalho com o conceito de esperança, mesmo nas distopias. Trabalho com o conceito de pessoa, mesmo quando os personagens são animais, robôs, seres fantásticos, forças da natureza ou, até mesmo, pessoas comuns. 
          Já escrevi literatura de terror/horror, de FC – recentemente me aventurei no steampunk, um absurdo –, de filosofia, literatura policial, romance, fantasia, psicologia, literatura fantástica e o que mais me pediram ou me deu vontade de tentar fazer. Algumas vezes me vi escrevendo textos técnicos sobre diversas temáticas, resenhas, monografias, teses, o que foi necessário ou solicitado. Trabalhei como revisor, organizador e editor, ensinei a fazer e aprendi fazendo.
          Mia Couto diz que gosta de dar voz a pessoas que não teriam voz de outra forma, Marcelino Freire diz que escreve sobre o que o incomoda. Eu faço um pouco dos dois, também.
Nos meus textos estão todos os autores que li e gostei, além de todos os autores que li e detestei, estão todas as pessoas que conheci e todas que gostaria de encontrar algum dia. Estão todos os traumas e as esperanças, todos os demônios e anjos, vilões ou heróis, reais ou imaginários, que de alguma forma fizeram parte da minha vida.
          Como definir o meu estilo específico de escrita se não me preocupo com ele até que seja necessário escrever uma ideia? Tem aquela que fica melhor no estilo de literatura fantástica, a outra que fica bem em uma Ficção Científica, outra que só se justifica no horror/terror, tem a que exige um policial, outra que é a cara de uma fábula, ou se realiza bem em um conto ou crônica. Tem as que são mais complexas e simplesmente obrigam um espaço maior para se desdobrarem, viram noveletas, romances. 
          Como falar que esse passeio entre estilos e formatos não é uma coisa tranquila, um modelo que gosto de seguir, mas uma necessidade que me obriga a gastar horas e valores que muitas vezes fazem falta em outras coisas? Como dizer que amo escrever, mas que há momentos que desejaria que uma ideia apenas desaparecesse da minha mente e fosse procurar outro para a realizar, que preciso dormir e ela não me deixa, que não quero falar sobre isso? Como explicar que as vezes é vicio, as vezes paixão; que as vezes é sedução e em outras é tormento? Quem em sã consciência dificultaria as coisas que gosta de fazer? 
          Sim, é um problema sério não poder ser definido de forma simples. Como vou apresentar aquele romance que tem vampiros, inteligências artificiais, humanos, transumanos, lobisomens, nano robôs, demônios ninjas, competindo em uma elaborada teoria da conspiração para comandar o futuro da humanidade em uma verossímil trama filosófica que poderia estar acontecendo em algum futuro distópico alternativo neste exato momento? Em que gênero isso se encaixa? Como formar leitores quando não se pode dizer qual vai ser o tema e o estilo do próximo livro ou texto? Quando, literalmente, qualquer coisa pode acontecer?
          Sem falar que é preciso conhecer mais profundamente diversos estilos para poder transitar entre eles, é preciso entender os mecanismos da narrativa para que não vire uma colcha de retalhos mal elaborada e aberrante. Realmente não é uma coisa simples saltar de um modelo descritivo para um modelo dialógico, ou de traçar um modelo com diversos núcleos de personagens com influencias diretas e indiretas, com tramas paralelas e trama central, multiplots e perspectiva diretiva. Uma trama é tão mais bela quanto mais fios consegue trabalhar na composição da imagem sem que se perca os entroncamentos certos, as evoluções necessárias, a perspectiva singular e geral, mas pode exigir apenas uma linha direta e simples ou ficará horrível e sem sentido. 
          Isso exige um respeito e conhecimento profundo da técnica que se pretende usar, que jamais deve vazar arrogantemente para o texto, que deve sempre ser compreendido pelo leitor, apesar das enormes complexidades que desvela, permitindo uma leitura superficial e ágil ou uma leitura aprofundada, com diversas chaves de leitura e links bem elaborados para ampliar a experiência da leitura. A chamada literatura em camadas interpretativas que me fascinam, mas que exigem tudo e mais um pouco de quem se atreve a tentar fazer algo do tipo.
          Há tempos defini as minhas atividades em termos de possibilidades, resumindo tudo em uma frase simples e emblemática que serviu como uma bússola para os que chegassem e para os que permanecessem: “Fazemos o possível hoje e o impossível amanhã”.
          Então como definir de forma simples e complexa a minha literatura, o meu estilo pessoal? Creio que a melhor forma de fazer isso em uma frase é dizer: “Escrevo aquilo que gostaria de ter lido, mas não haviam escrito, ainda”.
          Até que alguma forma melhor me ocorra, será essa a forma que vou usar para definir o que escrevo. Espero que isso facilite para os que tentarem entender e se interessarem em serem meus leitores, todos os outros não importam tanto assim.

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