— Não acredito que você está dando bola para essas coisas agora, Otávio.
— Não sei, essas coincidências tem ocorrido e...
— Eu te conheço desde criança, cara. Você nunca foi de ligar para essas coisas. Muito pelo contrário, que eu me lembre. Conta, o que está acontecendo? Não está indo bem na empresa?
— Não, está tudo bem. Conseguimos alguns clientes novos e o dinheiro está entrando como nunca...
— Já sei, está com problemas de saúde.
— Fiz um check-up, tudo ok. Estou com uma saúde de ferro...enferrujando.
— Então é a Circe? Algum problema com ela? Fala. Você sabe que pode confiar em mim, não sabe?
— Ela anda meio estranha ultimamente. Essa coisa das cartas foi ela quem inventou e... não dá pra negar que algumas coisas realmente batem.
— Ah, fala sério, Otávio. Ficar dando bola para cartas em plena era de internet? Se ainda fossem email...
— Você ri porque não é com você....Mas acho que tem razão, deve ser apenas insegurança. Quando tudo está bem...
— ...É sinal que pode piorar. Eu lembro. Mas esse tempo já foi. Agora é bola pra frente.
— Você está certo. Bobagem minha, desculpa eu te ligar a essa hora para ficar te incomodando.
— Que nada, amigão. Qualquer coisa pode me procurar, sabe disso. Vai pra casa mais cedo hoje? Posso passar lá e tomamos uma cerveja juntos para desanuviar logo.
— Não, vou ter que ficar até mais tarde, sabe como é...
— Sei...os clientes novos...
— É, alguém tem que trabalhar, não é mesmo?
— Não fala assim que magoa. Eu estou apenas curtindo umas férias prolongadas entre um emprego e outro. Logo arrumo alguma coisa e vai ficar sem o teu parceiro de bar.
— Tá bom. Então...divirtam-se...
— ...
— Quem era, Antônio?
— Seu marido.
— O quê? Ficou louco? Porque não me avisou que era ele?
— Qual o problema, amor? Ele não desconfia de nós dois. Não viu que eu sondei ele? Agora você pode ficar sossegada.
— Não sei, não. Ele anda muito esquisito. E além disso as cartas falaram que...
— Não começa de novo, já discutimos isso antes, que saco. Até o Otávio já está acreditando nessas coisas.
— Se não fosse pelas cartas não estaríamos juntos. Lembra dos namorados? Foi a primeira carta que eu tirei para você, e o louco...
— Sim, eu sempre fui meio louco, mas foi por isso que gostou de mim, não é? Essa coisa de ser certinho demais é para caras como o Otávio. Eu prefiro viver a vida com toda a intensidade, a boa vida.
— É, mas se não fosse ele você não pagava nem o apartamento onde mora.
— Ele não! Você. A minha dama de copas. Minha rainha. Nada mais justo que o Otávio pague pelo que ele não te dá. Ele trabalha e sustenta você, eu dou o prazer que ele não consegue. Não é perfeito?
— Você não vale nada mesmo, né?
— Quando você faz essa cara me dá o maior tesão, sabia?
— Bobo....Tenho que ir...
— Ahá! Não tem não. O Otávio falou que vai chegar mais tarde hoje, podemos ficar mais um pouco juntos. Viu como eu sou experto?
— Seu Antônio, chegou essa carta para o senhor.
— Ah, obrigado. Nossa, não tem remetente. Quem deixou aqui?
— Não sei não senhor, estava na caixinha lá na portaria. Tinha o numero treze e achei que era para o senhor.
— Deixe-me ver...
— Credo. Que coisa é essa?
— Uma carta de tarot. A Morte.
— Quem lhe mandaria uma coisa dessas? Eu, heim! Coisa esquisita.
— Como você sabe que é para mim?
— O senhor não mora no numero treze? Então...
— Tá legal, deixa pra lá, deve ser alguma brincadeira.
— Como assim, Antônio?
— Aquela carta que deixou na recepção para mim.
— Eu não deixei nada. Tá maluco? Sabe que eu não escreveria um bilhete para você, quanto mais uma carta.
— Não. Uma carta de tarot, em um envelope com um número 13.
— Carta de tarot? Quem te enviaria uma carta de tarot? Será que o Otávio desconfia de alguma coisa?
— Bobagem. Deve ter sido algum engraçadinho. Escuta, e aquele dinheiro que você ficou de me arrumar?
— Eu trouxe, está em uma caixa em cima do sofá. Tive que disfarçar porque o Otávio estava em casa hoje. Eu disse a ele que iria ver uma amiga e levar algumas coisas para ela.
— Em casa? Mas e os novos clientes?
— Estavam lá também. Uns árabes, eu acho. Não gosto como eles olham. Jeito esquisito.
— Árabes? Mas o Otávio não tem uma empresa de eletrônicos? Deveriam ser japoneses.
— É porque você me deixa feliz. Deixa eu pegar logo o negócio.
— Como? Eu não coloquei nenhuma carta ai.
— Colocou sim, olha aqui, o julgamento. Viu? Eu também conheço o tarot...O que foi?
— Não fui....
Do outro lado da rua Otávio protegeu o controle remoto dos pedaços de vidro e concreto que caiam. A explosão fora mais forte que o previsto. É o que dá trabalhar com gente que não entende do negócio. Pelo menos não o ligariam ao atentado. E agora estava livre para seguir o seu destino.
Guardou o aparelho no bolso e entrou no carro alugado. Esqueceu de recolher uma ultima carta, caida sobre o banco: O Mundo.
2 comentários:
Querido escritor,
Parece que as cartas não mentem jamais!rsrsrs
Ao contrário dos personagens Otelo
de Shaspeare e Dom Casmurro de Machado de Assis não há delirios de ciúmes aqui, o amante é que não vê o que está abaixo do nariz. Como a Carta Roubada de Allan Poe mencionada pelo psicanalista Lacan, é incrível quando nós cegamos por não querer ver.
Parábens pelo conto.
Beijos
Anna,
Este foi um trabalho inspirado no conto "A Vidente" de Machado de Assis, claro que com a visão de Danny Marks rsrs.
Não podia fugir a uma brincadeira com Otelo que quase se converte em Otário, mas acaba ficando como Otávio que pode ser um cara cruel e vingativo, mas não é nada bobo.
Assim como no conto do Machado, aqui os enamorados ignoram os "sinais", crentes que o Destino os protege, mas cada um tem um destino e isso pode fazer toda a diferença.
Obrigado pela sua presença, seja sempre bem vinda com a sua Palavra de Mulher, minha querida escritora.
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