quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Cartas - Danny Marks



— Era uma Torre! Imagina isso?
— Não acredito que você está dando bola para essas coisas agora,  Otávio.
— Não sei, essas coincidências tem ocorrido e...
— Eu te conheço desde criança, cara. Você nunca foi de ligar para essas coisas. Muito pelo contrário, que eu me lembre. Conta, o que está acontecendo? Não está indo bem na empresa?
— Não, está tudo bem. Conseguimos alguns clientes novos e o dinheiro está entrando como nunca...
— Já sei, está com problemas de saúde.
— Fiz um check-up, tudo ok. Estou com uma saúde de ferro...enferrujando.
— Então é a Circe? Algum problema com ela? Fala. Você sabe que pode confiar em mim, não sabe?
— Ela anda meio estranha ultimamente. Essa coisa das cartas foi ela quem inventou e... não dá pra negar que algumas coisas realmente batem.
— Ah, fala sério, Otávio. Ficar dando bola para cartas em plena era de internet? Se ainda fossem email...
— Você ri porque não é com você....Mas acho que tem razão, deve ser apenas insegurança. Quando tudo está bem...
— ...É sinal que pode piorar. Eu lembro. Mas esse tempo já foi. Agora é bola pra frente.
— Você está certo. Bobagem minha, desculpa eu te ligar a essa hora para ficar te incomodando.
— Que nada, amigão. Qualquer coisa pode me procurar, sabe disso. Vai pra casa mais cedo hoje? Posso passar lá e tomamos uma cerveja juntos para desanuviar logo.
— Não, vou ter que ficar até mais tarde, sabe como é...
— Sei...os clientes novos...
— É, alguém tem que trabalhar, não é mesmo?
— Não fala assim que magoa. Eu estou apenas curtindo umas férias prolongadas entre um emprego e outro. Logo arrumo alguma coisa e vai ficar sem o teu parceiro de bar.
— Tá bom. Então...divirtam-se...
— ...
— Quem era, Antônio?
— Seu marido.
— O quê? Ficou louco? Porque não me avisou que era ele?
— Qual o problema, amor? Ele não desconfia de nós dois. Não viu que eu sondei ele? Agora você pode ficar sossegada.
— Não sei, não. Ele anda muito esquisito. E além disso as cartas falaram que...
— Não começa de novo, já discutimos isso antes, que saco. Até o Otávio já está acreditando nessas coisas.
— Se não fosse pelas cartas não estaríamos juntos. Lembra dos namorados? Foi a primeira carta que eu tirei para você, e o louco...
— Sim, eu sempre fui meio louco, mas foi por isso que gostou de mim, não é? Essa coisa de ser certinho demais é para caras como o Otávio. Eu prefiro viver a vida com toda a intensidade, a boa vida.
— É, mas se não fosse ele você não pagava nem o apartamento onde mora.
— Ele não! Você. A minha dama de copas. Minha rainha. Nada mais justo que o Otávio pague pelo que ele não te dá. Ele trabalha e sustenta você, eu dou o prazer que ele não consegue. Não é perfeito?
— Você não vale nada mesmo, né?
— Quando você faz essa cara me dá o maior tesão, sabia?
— Bobo....Tenho que ir...
— Ahá! Não tem não. O Otávio falou que vai chegar mais tarde hoje, podemos ficar mais um pouco juntos. Viu como eu sou experto?
— Seu Antônio, chegou essa carta para o senhor.
— Ah, obrigado. Nossa, não tem remetente. Quem deixou aqui?
— Não sei não senhor, estava na caixinha lá na portaria. Tinha o numero treze e achei que era para o senhor.
— Deixe-me ver...
— Credo. Que coisa é essa?
— Uma carta de tarot. A Morte.
— Quem lhe mandaria uma coisa dessas? Eu, heim! Coisa esquisita.
— Como você sabe que é para mim?
— O senhor não mora no numero treze? Então...
— Tá legal, deixa pra lá, deve ser alguma brincadeira.
— Amor, que coisa foi aquela ontem a tarde?
— Como assim, Antônio?
— Aquela carta que deixou na recepção para mim.
— Eu não deixei nada. Tá maluco? Sabe que eu não escreveria um bilhete para você, quanto mais uma carta.
— Não. Uma carta de tarot, em um envelope com um número 13.
— Carta de tarot? Quem te enviaria uma carta de tarot? Será que o Otávio desconfia de alguma coisa?
— Bobagem. Deve ter sido algum engraçadinho. Escuta, e aquele dinheiro que você ficou de me arrumar?
— Eu trouxe, está em uma caixa em cima do sofá. Tive que disfarçar porque o Otávio estava em casa hoje. Eu disse a ele que iria ver uma amiga e levar algumas coisas para ela.
— Em casa? Mas e os novos clientes?
— Estavam lá também. Uns árabes, eu acho. Não gosto como eles olham. Jeito esquisito.
— Árabes? Mas o Otávio não tem uma empresa de eletrônicos? Deveriam ser japoneses.
— Você e suas piadinhas.
— É porque você me deixa feliz. Deixa eu pegar logo o negócio.
— Ah, não me diga que não foi você ontem. Olha outra carta aqui.
— Como? Eu não coloquei nenhuma carta ai.
— Colocou sim, olha aqui, o julgamento. Viu? Eu também conheço o tarot...O que foi?
— Não fui....
Do outro lado da rua Otávio protegeu o controle remoto dos pedaços de vidro e concreto que caiam. A explosão fora mais forte que o previsto. É o que dá trabalhar com gente que não entende do negócio. Pelo menos não o ligariam ao atentado. E agora estava livre para seguir o seu destino.
Guardou o aparelho no bolso e entrou no carro alugado. Esqueceu de recolher uma ultima carta, caida sobre o banco: O Mundo.

2 comentários:

Unknown disse...

Querido escritor,
Parece que as cartas não mentem jamais!rsrsrs
Ao contrário dos personagens Otelo
de Shaspeare e Dom Casmurro de Machado de Assis não há delirios de ciúmes aqui, o amante é que não vê o que está abaixo do nariz. Como a Carta Roubada de Allan Poe mencionada pelo psicanalista Lacan, é incrível quando nós cegamos por não querer ver.
Parábens pelo conto.
Beijos

Danny Marks disse...

Anna,

Este foi um trabalho inspirado no conto "A Vidente" de Machado de Assis, claro que com a visão de Danny Marks rsrs.

Não podia fugir a uma brincadeira com Otelo que quase se converte em Otário, mas acaba ficando como Otávio que pode ser um cara cruel e vingativo, mas não é nada bobo.

Assim como no conto do Machado, aqui os enamorados ignoram os "sinais", crentes que o Destino os protege, mas cada um tem um destino e isso pode fazer toda a diferença.

Obrigado pela sua presença, seja sempre bem vinda com a sua Palavra de Mulher, minha querida escritora.

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