segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Mas, quanto mais tem de menos? - Danny Marks


          O Brasil está cheio de puristas, ao menos aparentemente.
          Essas figuras intransigentes que defendem com dureza a tradição irretocável dos discursos renascem a cada palavra estranha que aparece, ou quando há um interesse maior em defender a superficialidade do que se quer discutir.
          Quem não conheceu aquela pessoa que, já na infância, se esmerava em corrigir palavras ou frases ditas ou escritas para esgrimir sua superioridade, na língua? Talvez não muitos, hoje em dia, por conta dos aplicativos de celular que devoram e corrompem palavras a título de corrigir ou sugerir algo que permita uma maior rapidez na transmissão do pensamento.
          Cria-se a impressão de que dominar um vocabulário melhor, mais extenso e elaborado, é sinal de erudição, de um saber superior que deve ser respeitado. SqN (só que não) diriam os digitadores polegares. E, por vezes, há muita razão nisso. Basta observar o quanto fica raso um debate que tergiversa (enrola, fica rodeando sem aprofundar) em cima da forma como foram ditas as coisas e não com as coisas que foram ditas.
          Cada vez mais comum nos meios políticos, esse purismo da língua se torna a forma feroz de defender os interesses da nação, apontando para este ou aquele infortunado candidato a qualquer coisa com o dedo rígido da incompetência. Para que tantas pernas? Perguntaria o poeta.
          A lógica diz que, quando não se busca um aprofundamento no conteúdo, permanecendo apenas na análise da forma, é porque não se possui o conhecimento necessário, ou não se tem o interesse nessa iluminação do obscuros, sendo a superficialidade a melhor forma de se proteger em ambos os casos.
          Então, quando um político, ou adversário deste, se prende ao purismo nas frases e termos discursivos sem adentrar ao conteúdo oferecido (ou não) por estes, o que me vem à mente é justamente a incompetência sobre o conteúdo ou a falta de interesse em revelar algo que pode afetar a ambos, acusado e acusador, por algo que deve permanecer oculto aos olhos alheios, mas que são bem visíveis a ambos os lados.
          Perceba que quando um corrupto se defronta com outro, jamais vão falar em corrupção. Não se quer levantar questão sobre o tema. Então fala-se em “o que tem feito”, no sentido de obras públicas, deixando a ameaça implícita apenas ao outro sobre as obras ocultas. É nesse ponto que os verdadeiros puristas da língua, analisando os discursos dariam o veredito de que o “mas” (no entanto, por outro lado, alternativamente) é substituído de forma consciente ou inconsciente pelo “mais” (somatória, acréscimo) para gerar forma tergiversativa no discurso do que não se quer dito de forma clara, mas que se deseja que seja apreendido (percebido) pelos defensores ideológicos defenestradores (ato de lançar violentamente de uma janela ou local elevado, ao chão) do discurso alheio.
          Quando a violência se expressa em minucias (coisas mínimas) deixando de lado os pontos mais importantes, fica claro, para quem quiser entender, que não há objetivo em propalar (divulgar, tornar público) a verdade, apenas se agarrar em algo que não se torne uma arma voltada contra si.
          Suicídio não vence batalhas, e a cada dia mais, fica evidente esse fato para os dirigentes dessa nobre nação miscigenada na raça e na língua, que ainda é viva, no sentido de que se renova constantemente, mas ainda precisa de muito para ficar viva, no sentido popular de experta.
          E depois me perguntam: Mas, o que isso tem de mais?

(Publicada originalmente em www.ossoscronicos.blogspot.com.br)

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