quinta-feira, 30 de junho de 2016

PIRÂMIDE DA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO - Danny Marks



Anteriormente apresentei as bases gerais da construção de uma Teoria da Conspiração, bem como a forma de se criar camadas que manipulam as informações e induzem as perspectivas gerenciáveis. Foi apresentada uma TC baseada em fatos locais facilmente reconhecíveis, com alguns questionamentos válidos que poderiam ser trabalhados no seu desenvolvimento ficcional. Agora a proposta é ampliar o foco e aprofundar ainda mais a complexidade e descer aos níveis mais profundos possíveis. Para isso será necessário observar alguns outros elementos que vão aos poucos construindo o nosso panorama geral ao mesmo tempo que servirão de bases para a ampliação, reformulando o entendimento do que já havia sido apresentado e obrigando uma nova perspectiva e reinterpretação.
Observemos as crises em vários países e até mesmo em blocos econômicos. O Mercosul que até hoje não decolou, a crise na Síria que desestabilizou a União Europeia, o terrorismo internacional.  Como juntar tudo isso em uma TC que ampliaria em diversas camadas a nossa base local? Como fundir a crise brasileira em uma crise global, com interesses particulares extremamente complexos e verossímeis?
          Basta acrescentar um elemento comum a todos, algo tão grande e insuperável que obrigue a medidas extremas, complexas, de curto, médio e longo prazo. Não vamos falar em guerra global. Quando as armas nucleares entraram no cenário foi necessário rever essa forma de atuação, a “Guerra Fria” foi uma solução paliativa que acabou se tornando obsoleta e revista no seu devido tempo e embora tenha rendido boas histórias conspiratórias, precisou evoluir. É preciso pensar em algo que motivasse governos em diversas camadas conspiratórias, algo que fale diretamente na questão da sobrevivência pessoal e global em níveis incontestáveis quanto a necessidade de medidas extremas e que não provoque nada semelhante a um conflito armado global. Mas o que seria?
          Posso começar pelo óbvio e pensar na superpopulação do planeta. Na crise cada vez mais grave no gerenciamento de recurso finitos. Não importa o quão rápido a ciência gere recursos, em algum momento não teremos espaço para tantas vidas, não teremos como sustenta-las com alimentos, com expectativa de vida minimamente razoável. Quando populações inteiras são submetidas a condições de vida precárias há necessariamente a revolta, seja local, seja internacional. Alguns dirão que isso já foi revisto, que as técnicas de produção, armazenamento e distribuição evoluíram de forma a jogar para um futuro indeterminado essa necessidade de rever as políticas de natalidade globais. Será? Em se tratando de uma TC sempre é preciso cuidado, poderíamos pensar na manipulação de informações, programas de desestimulação de famílias grandes, revisão dos comportamentos sexuais para fins não reprodutivos. AIDS entraria facilmente nessa lista, apoio ao homossexualismo, incentivo a busca da realização pessoal individual. Tudo pode ser utilizado para questionar as intenções por trás de políticas globais e lançar dúvidas argumentativas perfeitamente coerentes, mesmo que totalmente erradas. Gerar a desconfiança é tão útil quanto promover certezas quando se trata de construir teorias conspiratórias, as realidades podem ser facilmente torcidas e distorcidas para atender os objetivos dos conspiradores.
          Então vamos buscar alguns elementos históricos. Lembre-se que uma boa TC precisa gerar sentimentos fortes para reduzir a intervenção racional. Tivemos a crise na Etiópia que gerou uma comoção mundial, foram feitos bons negócios para aplacar a fome na África e mitigar os espíritos mais privilegiados de condições. E ainda assim, há fome na África e em outros lugares do mundo. Os corações abertos foram se fechando aos poucos, assim como os bolsos, quando as epidemias começaram a se alastrar de forma global, muitas delas à partir da própria África. Ebola, AIDS, Gripe Aviária, Gripe Suína, Vaca Louca, só para citar as mais famosas, provocaram ações antes impensáveis. Em tempos de crise alimentícia no mundo todo, toneladas de alimentos foram sistematicamente destruídos, segmentos sociais excluídos e olhados com desconfiança, o medo se alastrando e exigindo soluções desesperadas antes inconcebíveis.
          Quem foi capaz de pensar em genocídios seletivos através de doenças sistematicamente desenvolvidas para mitigar os efeitos da superpopulação no planeta, ao mesmo tempo em que bons negócios proliferavam devido à crise de abastecimento de alimentos e até mesmo de remédios, pode pegar seu diploma de conspirador, e esconde-lo para não se revelar. Sim, essa é uma boa argumentação para mais uma camada conspiratória que se liga ao momentum local. Basta consultar os arquivos históricos e elaborar suas teorias utilizando como bases empresas multinacionais, pan-nacionais e governos corruptos, fatos noticiados alimentariam facilmente milhares de histórias conspiratórias com cenários locais e/ou internacionais.
          Mas é possível outras abordagens mais dramáticas, mais profundas e, porque não dizer, mais sórdidas. Afinal estamos adentrando os subterrâneos mais profundos das Teorias da Conspiração e o Inferno é o limite, certo? Para ir mais fundo é preciso ter uma percepção mais crua, mais dramática e desconstrutiva dos valores humanos. Precisamos mergulhar fundo nas piores possibilidades da crueldade humana, no egoísmo alienante que beira os limites da sociopatia. Eu digo limites porque nem todos conspiradores são sociopatas, é importante destacar que a ferramenta da TC não age apenas na vítima, mas no próprio executor. Com argumentos bem convincentes é possível que o próprio conspirador passe a acreditar na mentira que propaga, justificando até mesmo para si os seus atos condenáveis, o que não seria necessário no caso de um legítimo psicopata.
          Diferentemente da psicopatia, em que a ausência do reconhecimento dos sentimentos do outro e da possibilidade de empatia, impede um convívio social saudável, a sociopatia se desenvolve na alienação em relação a segmentos sociais. Um sociopata é capaz de conviver muito bem com os seus semelhantes, mas se exclui de todo o resto da raça humana por se considerar acima destes. Se considera como alguém que merece ter a sua sobrevivência assegurada por ser essencial ao projeto de humanidade que se molda aos seus interesses. Portanto acha totalmente justificável sacrificar inocentes para que se salvem alguns. Notavelmente essa linha de pensamento já demonstra a sociopatia implícita no discurso de que “se tiverem que morrer alguns inocentes para preservar a ordem, que seja”. Como o sociopata não se julga inocente, de certa forma se exclui dos que irão morrer por César.
          Então como seria possível incluir essa camada mais vil e fortemente emocional naquelas camadas anteriormente apresentadas de forma que atinja um nível ainda maior da TC? Simples, mas para isso precisa-se lançar mão de algumas teorias paralelas. Uma delas é a da pirâmide social.
          Pela lógica da pirâmide social, quanto mais próximo do cume menos indivíduos. Ou seja, quanto mais alto na pirâmide de poder e recursos, menos pessoas com maior capacidades e recursos de manipular toda a base que os precede. Portanto, temos camadas e camadas de gerentes de recursos cujo único objetivo é cada vez mais acumular recursos e poder para fazer parte daquela ínfima classe, invisível à base geral, que comanda todo o resto sem ser comandada por ninguém. No topo da pirâmide apenas alguns são admitidos, com os recursos que ultrapassam absurdamente blocos inteiros em que se apoiam e que comandam. Uma boa metáfora seria uma arvore minúscula, com apenas uns poucos frutos, alimentada por raízes homéricas espalhadas por extensões absurdamente grandes.
          Quantos teriam nessa “seleta” parcela da comunidade piramidal? Podemos escolher qualquer número simbólico. Treze, dez, sete, seis, não importa. O principal é que sejam invisíveis, ainda que observáveis. Seria necessário que fossem reconhecíveis entre os poderosos, mas jamais apontados como os “Donos do Mundo”. Do contrário, seriam alvos fáceis e não se sustentariam. Também seria necessário que se traçasse um caminho possível para alcançar essa posição, um caminho que necessariamente iria igualando o pretendente a todos aqueles a quem pretende ter acesso. A lógica aqui é de que apenas um sistema igual é capaz de combater um outro sistema; ou de que só se pode substituir uma peça do sistema por outra equivalente, o que torna impossível destruir o sistema. Aliás, a base de qualquer TC é de que é impossível destruir o sistema que ela denuncia, não importa o que seja feito, no máximo pode-se alterar os seus componentes. Será?
          Então, para finalizar, vamos aplicar o que foi apresentado até agora na nossa TC fictícia e dar por encerrado esse exercício imaginativo. Qual motivação seria necessária para que os “Donos do Mundo” decidissem provocar uma crise global, com diversas camadas de conflitos localizados, aproveitando os recursos gerados a partir das manipulações agressivas, mas com resultados temerários e de difícil controle? É preciso lembrar que uma guerra global com armas nucleares não é de interesse para ninguém, principalmente para os orquestradores da TC, então o que motivaria algo tão arriscado?
          Posso pensar em várias soluções para isso, mas vou apresentar apenas uma mais simples e que atende completamente ao mais cético leitor: Aquecimento Global.
          Como assim? Uma teoria da conspiração fundada em algo que está visível em qualquer noticiário das últimas décadas? Algo que já foi discutido e reconhecido à exaustão? Pois é, simples assim. Vamos testar a hipótese?
          — Princípio da Universalidade – Afeta a todas as pessoas no planeta.
          — Princípio da Realidade – Não há como negar os efeitos gerados pelo aquecimento global, está noticiado e comprovado de diversas formas.
          — Principio da Simplicidade – É compreensível a qualquer um, embora possa ser trabalhada em diversos níveis de complexidade nos interesses de governos, empresas ou segmentos organizados.
          — Principio da Solução – É possível “combater” os efeitos danosos com práticas ecológicas globais, ou aliar-se aos que promovem os seus efeitos planejando como adquirir mais recursos durante a própria crise.
          Atendidos os requisitos necessários, podemos então usar a argumentação para elaborar a TC. Qual o motivador das ações dramáticas? Posso listar alguns:
          — Sobreviver à catástrofe que está para ocorrer em nível global.
          — Reduzir o “rebanho” de forma drástica, fazendo com que os melhores adaptados possam sobreviver e reconstruir a sociedade sob novos moldes, atendendo, é claro, aos interesses dos Donos do Mundo.
          — Arregimentar recursos durante a crise, basta lembrar do conceito de criatividade expandida e investimentos massivos devido à crise generalizada.
          — Apagar completamente os indícios que demonstrariam claramente quem provocou o aquecimento global e se beneficiou dele.
          Como juntar todas as peças de forma a traçar uma linha entre a base e o topo da “pirâmide”? Partindo de uma conspiração local e esmiuçando os motivadores até se “descobrir” relatórios que comprovem “cientificamente” que os efeitos climáticos serão menos sentidos em uma região específica do planeta, por exemplo, as áreas equatoriais e tropicais. Repare que nesta região mais agraciada pelo sol, os efeitos de uma glaciação provocada pelo aquecimento global (sim, isso pode parecer estranho, mas pesquise a respeito, vai se surpreender) seriam menos sentidos nessa região, além de que alguns países de proporções continentais como a África e o Brasil, estão bem dentro dela.
          Opa, agora começamos a “entender” a fome na África ou as crises brasileiras que, surpreendentemente, não são tão intensas quanto poderiam. Poderíamos até começar a repensar o bordão de “Brasil, um país do futuro” sob nova perspectiva. Poderíamos repensar diversas coisas, desde as políticas sociais implementadas nas terras tupiniquins até a influência que o país tem adquirido em conselhos globais, como a ONU. Podemos viajar pelas possibilidades apresentadas pela globalização, pela internet e até mesmo pelas “experiências” políticas de união de blocos político-econômicos dispares como o Mercosul e a União Europeia.
          Sim, não há limites para as possibilidades criativas em cima do modelo apresentado, seja pela vertente positivista, com os melhores e maiores valores humanos preservados, como fez Arthur Clark, por exemplo, no excelente livro de TC chamado de “Richter 10” onde apresenta uma maravilhosa versão ao mesmo tempo catastrófica e otimista do futuro. Podemos ir na linha oposta e desconstruir a humanidade à moda de Kurt Vonnegut. Podemos ir onde a imaginação nos levar, ou não.
          Mas espere, por que motivos um autor se disporia a apresentar abertamente um veio rico, com todas as bases estruturais de execução, de como montar teorias da conspiração, sendo que suas ideias podem ser utilizadas pelos concorrentes sem que haja nenhum retorno financeiro para o mesmo de forma direta? Isso não lhe parece muito obscuro? Deve haver algo que não foi explicado adequadamente, há interesses escondidos nisso que precisam ser investigados. Está começando a se sentir manipulado por este autor em um nível que não compreende completamente, mas que já desconfia?
          Se você foi capaz de pensar nisso e releu tudo o que foi apresentado sob uma nova perspectiva, parabéns. Pode ser que tenha chego à conclusão de que aquele que ensina alguma coisa entende muito mais profundamente do seu objeto de estudo, do que aquele que acaba de aprender. Essa pode ser a sua “deixa” de saída, sistematicamente planejada desde o princípio. Ou pode ser que o objetivo tenha lhe escapado de alguma forma e vai tentar ir mais além do que foi apresentado, vai começar a estudar este autor e seus textos. Pode ser até que se torne um fã e passe a segui-lo e a apresenta-lo para outros na tentativa de descobrir outras vertentes para o que lhe escapou. O que posso acrescentar?
Nos vemos no topo. Ou não.

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