As portas abriram e ela precipitou-se
para dentro, lágrimas amargas a queimar-lhe os olhos. Pela segunda vez entrava
em um elevador, desde que ficara claustrofóbica em uma brincadeira ruim, na
infância. Com o temor infantil progredindo para o pânico adulto, resolvera
procurar ajuda profissional.
Dois anos de terapia e um romance com
seu psicólogo haviam feito milagres e caminhava para a cura. Ainda subia os
dois lances de escada que a conduziam aos seus encontros no divã, até que ele
comunicou sua mudança para o nono andar e que indicaria outro profissional para
atendê-la. Não queria que ela sofresse, disse, e ela aceitou. Sempre aceitava
tudo o que ele mandasse, sempre querendo agradá-lo. Dois meses de desencontros
a obrigaram a enfrentar o cubículo macabro.
Algumas horas de sistemática preparação
de corpo e alma e suportou a subida pelos nove andares, olhos fechados e
coração pulsando entre o medo e a alegria de superar-se e comunicar-lhe a novidade
do seu progresso, queria que a visse renovada.
Ninguém na recepção, porta do consultório
fechada, não trancada.
Uma brecha pequena e um olhar furtivo,
o sorriso definhando no rosto ao ver e ouvir os sons que denunciavam
previamente o tratamento que era dado no divã. A visão de corpos nus entrelaçados
e o riso medonho em sua mente.
Ali no “seu divã” viu o monstro
ressurgir e abraça-la em suas paredes fechadas, o mundo girou e escureceu à sua
volta. Correu entrando na primeira porta que se abria e o elevador tragou-a em
sua descida automática.
Quando se apercebeu onde estava as
luzes apagaram e o elevador parou. Um simples fiapo de luz iluminando o seu
medo vindo de alguma brecha acima, queria morrer, mas já estava enterrada.
— Não se preocupe, deve ter sido uma
falha nos geradores, mas logo arrumam e vai ficar tudo bem.
Ficou paralisada, muda pelo medo,
trancada no escuro solitário com um estranho e com imagens a suceder-se na
mente. Chorou soluçando, desabando completamente como as paredes de sua
fortaleza.
— Por favor, não chore. Vai manchar o
seu lindo vestido. — disse-lhe a voz.
Sentiu o toque suave de um lenço em
suas mãos, dedos fortes e ásperos o sustentavam em oferta, pegou-o rapidamente,
limpando o rosto sem saber o que mais fazer.
— Eu queria tanto... Estava disposto a
obrigá-lo a dar-me o seu nome e endereço e depois... castigá-lo por trair você.
Tinha que a ver ainda que ao longe, mas o destino a trouxe assim, tão linda, e
me permitiu poder falar-lhe sem medo uma última vez. Não, não fique com medo...
não vou lhe fazer mal algum.
Ela sentiu o hálito suave, o carinho nas
palavras e soube que ele a amava. Estranhamente sentiu-se segura com a
insegurança dele, se identificando com aquele ser de quem só podia ouvir a voz
emocionada.
— Quando abrirem as portas
desaparecerei de sua vida. Nada posso lhe oferecer, sou pobre, feio, mas... Eu amo
você. Desde que a vi no consultório dele, não consigo pensar em outra coisa, só
em vê-la, sentir o seu riso.
Ela sentiu o apelo desesperado na voz
dele fundir-se às suas próprias necessidades. Todos os seus sentidos e
sentimentos em um turbilhão em meio à escuridão e num impulso sua boca procurou
a dele nas sombras. Desejo reprimido, desespero, caos de sentidos e memórias
fundindo corpos em êxtase frenético com a urgência de condenados. Luz,
movimento, realidade superando fantasias. Roupas arrumadas às pressas quando a
luz voltou, olhar furtivo para o dono daquela alma incomum.
Uma arma guardada às pressas, portas que
se abrem e uma fuga prometida. Ela ainda levou alguns segundos para se recompor
e sair atrás dele gritando:
— Vilma! Meu nome... é Vilma.
Ele parou e voltou a olhar para ela,
deslumbrante em seu vestido amarrotado. Ela o alcançou e capturou-o novamente
em seus braços, as bocas coladas sem importar quem olhava a cena. Nunca mais
precisaram de psicólogos, apenas elevadores.
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