sábado, 31 de janeiro de 2009

Uma História da Savana - Danny Marks


                      Quando Olhos Verdes nasceu e sentiu pela primeira vez o cheiro da savana Amarelão já apresentava os sinais do que seria uma bela juba.
Quando Olhos Verdes se divertia com os de sua idade em brincadeiras que lhe permitiam tonificar os músculos jovens e aprender os princípios da arte da caça. Amarelão já saia com o grupo de caça, aprendia as técnicas de ataque, de defesa, desgastava o fôlego em longas buscas por alimento.
            Quando se viram pela primeira vez, Amarelão descansava o corpo de uma longa caçada infrutífera enquanto planejava o seu futuro.
            Olhos Verdes ainda pensava nas brincadeiras infantis, e ao ver Amarelão descuidadamente relaxado sob a sombra de uma arvore, decidiu pregar-lhe uma peça.
            Aproximou-se furtivamente, preparando-se para dar um bote certeiro, amarelão parecia dormir tranqüilamente, os músculos relaxados, apenas as orelhas movendo-se de quando em quando para espantar as moscas impertinentes.
            Quando julgou estar bem próximo, flexionou os músculos e saltou.
            Uma patada o lançou rolando pela poeira da savana.
            — Quando quiser surpreender sua presa, garoto, aproxime-se contra o vento, pode-se sentir seu fedor a quilômetros.
            Olhos Verdes levou algum tempo para se recuperar do choque, quando o fez Amarelão já tinha ido embora, o que apenas aumentou a sua raiva.
            A partir desse dia Olhos Verdes passou a dedicar os seus esforços a superar o maldito Amarelão, mas o que conseguiu foi acumular derrotas e em cada uma delas um aviso de Amarelão...
            “Observe onde pisa, um galho seco soa mais alto do que o seu choro, garoto”
            “Se não consegue correr mais do que o seu objetivo, finja não estar interessado nele, até estar pronto para atingi-lo”
            “Você só vai vencer quanto tiver menos pontos fracos do que a sua presa, garoto”
            “Garoto, persistir com inteligência é sabedoria, persistir sem inteligência é apenas teimosia”
            A cada derrota uma patada para marcar as palavras.
            Olhos Verdes se recuperava melhor das patadas do que das palavras, essas ele fazia questão de guardar para usá-las quando finalmente desse uma surra no maldito Amarelão.
            O fato de Olhos Verdes ter sido admitido antes da idade normal para o grupo de caça e se tornar um dos mais hábeis de todos, foi obscurecido pelo fato de Amarelão ter-se tornado Líder do Bando, depois de vencer o velho Juba Branca.
            Em sua fúria, Olhos Verdes atribuiu à velhice, a derrota de Juba Branca. Se ninguém o tinha vencido antes é porque ninguém o tinha desafiado em respeito a sua sabedoria. Apenas o arrogante Amarelão tinha feito isso.
            Agora ficava mais difícil desafia-lo, ser derrotado significaria ser expulso do grupo, precisava se preparar melhor para ter certeza de sua vitória, mas sabia que seu dia chegaria.
            Passaram-se meses enquanto Olhos Verdes se aprimorava em todas as tarefas e estudava os hábitos do grande líder, sempre aprendendo e desenvolvendo-se.
            O grupo nunca havia tido um líder tão competente, a comunidade prosperava aos olhos de todos. Mas Olhos Verdes não estava interessado nisso, sua obsessão era vencer Amarelão, vivia para isso....
            Com a temporada de seca na savana a comida ficou mais rara, tinha-se que ir mais longe e nem sempre se voltava com alguma coisa.
            Os mais jovens começaram a morrer de fome e de sede, e foi nessa ocasião que Amarelão desapareceu...
            Olhos Verdes ficou furioso, o maldito covarde havia abandonado o grupo à própria sorte; sua fúria atingiu o limite, decidiu ir atrás do desertor e acabar com ele.
            Era chegada a hora da verdade, só um retornaria vivo para o bando.
            Farejou as pistas e seguiu o cheiro de Amarelão por quilômetros, até que avistou uma movimentação estranha. Posicionou-se no alto de uma elevação para poder ver melhor.
            Um bando de hienas atacava um leão que já estava seriamente ferido.
            Controlou o impulso de avançar diretamente, chegaria exausto e ainda perderia o fator surpresa. As hienas deviam estar famintas para atacar um leão, mesmo um leão ferido. Estavam tentando enfraquece-lo antes de matá-lo.
            Olhos Verdes deu a volta para se posicionar contra o vento e foi aproximando-se furtivamente. Estava bem próximo quando notou quem era a vitima; ora se não era o maldito Amarelão.
            A seus pés um enorme Gnu abatido, grande o suficiente para matar a fome do seu bando. Só então Olhos Verdes compreendeu tudo.
            Amarelão não tinha abandonado o grupo, tinha ido buscar comida porque os outros estavam fracos demais, mas havia superestimado a sua força. Exausto de arrastar a caça e fraco pela fome, tinha virado presa fácil para as hienas que logo devorariam os dois.
            Provavelmente ainda teria forças para abater uma ou duas hienas, mas o bando iria vencê-lo, era uma questão de tempo.
            Olhos Verdes viu a sua oportunidade, bastaria aguardar as hienas fazerem o serviço, depois ele avançaria sobre as sobreviventes e salvaria a carcaça do Gnu para o seu bando, seria aclamado como o novo líder e se livraria do antigo adversário.
            Os olhos de Amarelão cruzaram com os Olhos Verdes e como se tivesse entendido as intenções deste, redobrou a fúria contra as hienas.
            Com uma patada certeira quebrou o pescoço de uma hiena em pleno ar, conseguiu enfiar as presas em outra que se atreveu a aproximar-se demais rasgando-lhe a jugular, dava para perceber que consumia suas ultimas energias.
Nesse momento Olhos Verdes tomou a sua decisão. O passo que deu quebrou um galho seco chamando a atenção das hienas, no mesmo instante em que Amarelão tombava exaurido de suas forças.
            Quando Amarelão acordou, já era noite, o bando se reunia em torno do Gnu e das hienas abatidas. Havia comida a sua frente, mas seu olhar foi atraído por dois olhos verdes que o vigiavam.
            — Vai sobreviver, mas terá que abandonar o posto em breve, suas feridas foram profundas o suficiente para debilitá-lo permanentemente.
            — Então vai assumir o comando, garoto?
            — Ainda não, tenho muito para aprender, mas quando resolver deixar a liderança estarei pronto...
            — Sempre soube que seria um bom líder, garoto, desde o primeiro dia eu vi isso.
            — Somente hoje percebi o que estava fazendo comigo, obrigando-me a superar minhas deficiências. Estava realmente disposto a morrer para salvar o bando? Seria uma grande perda para nós se eu permitisse isso.
— Você estaria lá para conduzi-los...
— Você ainda precisa ensinar-me algumas coisas. Desta vez estarei mais atento para suas lições. E nunca mais me chame de garoto ou eu mesmo o mato.
Olhos Verdes virou-se para ir embora e recebeu uma suave patada na cauda.
— Cuidado com os galhos secos... garoto.
Olhos Verdes sorriu e continuou se afastando enquanto dizia.
— Tomarei cuidado, velho... tomarei cuidado.
Quando Amarelão morreu, choveu na savana, até o céu chorava a perda do grande líder que partia e Olhos Verdes assumiu o comando como havia prometido. Nunca sentira tanto medo quanto naquele dia.
Estava pensando em seu amigo que se fora, abrigado da chuva sob a copa de uma arvore, olhos fechados, quando ouviu um galho se quebrando...
Seus músculos reagiram instantaneamente tirando-o do caminho do jovem brincalhão que saltava sobre ele ao mesmo tempo em que desferia uma violenta patada.
Olhou para Pernas de Gazela, que rolava na lama meio atordoado pela patada, e sorriu...
— Cuidado com os galhos secos, garoto. Posso ouvi-los mais longe do que o seu choro.
E afastou-se lentamente, um novo líder precisava ser preparado para o dia em que ele, Olhos Verdes, pudesse retornar a ver o seu velho amigo Amarelão. Nesse dia veriam quem era o melhor.
E Sorriu a esse pensamento...

(Danny Marks - 20/11/2005)

2 comentários:

docerachel disse...

Que lindo Danny.
A Savana conta um conto.

Danny Marks disse...

Obrigado, Rachel.

A beleza da savana tem a face da vida, muito mais do que a selva de pedra [;)]

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