Quando Olhos Verdes nasceu e sentiu
pela primeira vez o cheiro da savana Amarelão já apresentava os sinais do que
seria uma bela juba.
Quando Olhos Verdes se divertia com os
de sua idade em brincadeiras que lhe permitiam tonificar os músculos jovens e
aprender os princípios da arte da caça. Amarelão já saia com o grupo de caça,
aprendia as técnicas de ataque, de defesa, desgastava o fôlego em longas buscas
por alimento.
Quando se viram pela primeira vez,
Amarelão descansava o corpo de uma longa caçada infrutífera enquanto planejava
o seu futuro.
Olhos Verdes ainda pensava nas
brincadeiras infantis, e ao ver Amarelão descuidadamente relaxado sob a sombra
de uma arvore, decidiu pregar-lhe uma peça.
Aproximou-se furtivamente,
preparando-se para dar um bote certeiro, amarelão parecia dormir
tranqüilamente, os músculos relaxados, apenas as orelhas movendo-se de quando
em quando para espantar as moscas impertinentes.
Quando julgou estar bem próximo,
flexionou os músculos e saltou.
Uma patada o lançou rolando pela
poeira da savana.
— Quando quiser surpreender sua
presa, garoto, aproxime-se contra o vento, pode-se sentir seu fedor a
quilômetros.
Olhos Verdes levou algum tempo para se
recuperar do choque, quando o fez Amarelão já tinha ido embora, o que apenas
aumentou a sua raiva.
A partir desse dia Olhos Verdes
passou a dedicar os seus esforços a superar o maldito Amarelão, mas o que
conseguiu foi acumular derrotas e em cada uma delas um aviso de Amarelão...
“Observe
onde pisa, um galho seco soa mais alto do que o seu choro, garoto”
“Se não consegue correr mais do que o seu objetivo, finja
não estar interessado nele, até estar pronto para atingi-lo”
“Você só vai vencer quanto tiver menos pontos fracos do
que a sua presa, garoto”
“Garoto, persistir com inteligência é sabedoria,
persistir sem inteligência é apenas teimosia”
A cada derrota uma patada para
marcar as palavras.
Olhos Verdes se recuperava melhor
das patadas do que das palavras, essas ele fazia questão de guardar para
usá-las quando finalmente desse uma surra no maldito Amarelão.
O fato de Olhos Verdes ter sido
admitido antes da idade normal para o grupo de caça e se tornar um dos mais
hábeis de todos, foi obscurecido pelo fato de Amarelão ter-se tornado Líder do
Bando, depois de vencer o velho Juba Branca.
Em sua fúria, Olhos Verdes atribuiu
à velhice, a derrota de Juba Branca. Se ninguém o tinha vencido antes é porque
ninguém o tinha desafiado em respeito a sua sabedoria. Apenas o arrogante
Amarelão tinha feito isso.
Agora ficava mais difícil
desafia-lo, ser derrotado significaria ser expulso do grupo, precisava se
preparar melhor para ter certeza de sua vitória, mas sabia que seu dia
chegaria.
Passaram-se meses enquanto Olhos
Verdes se aprimorava em todas as tarefas e estudava os hábitos do grande líder,
sempre aprendendo e desenvolvendo-se.
O grupo nunca havia tido um líder
tão competente, a comunidade prosperava aos olhos de todos. Mas Olhos Verdes
não estava interessado nisso, sua obsessão era vencer Amarelão, vivia para
isso....
Com a temporada de seca na savana a
comida ficou mais rara, tinha-se que ir mais longe e nem sempre se voltava com
alguma coisa.
Os mais jovens começaram a morrer de
fome e de sede, e foi nessa ocasião que Amarelão desapareceu...
Olhos Verdes ficou furioso, o
maldito covarde havia abandonado o grupo à própria sorte; sua fúria atingiu o limite,
decidiu ir atrás do desertor e acabar com ele.
Era chegada a hora da verdade, só um
retornaria vivo para o bando.
Farejou as pistas e seguiu o cheiro
de Amarelão por quilômetros, até que avistou uma movimentação estranha. Posicionou-se
no alto de uma elevação para poder ver melhor.
Um bando de hienas atacava um leão
que já estava seriamente ferido.
Controlou o impulso de avançar
diretamente, chegaria exausto e ainda perderia o fator surpresa. As hienas
deviam estar famintas para atacar um leão, mesmo um leão ferido. Estavam
tentando enfraquece-lo antes de matá-lo.
Olhos Verdes deu a volta para se
posicionar contra o vento e foi aproximando-se furtivamente. Estava bem próximo
quando notou quem era a vitima; ora se não era o maldito Amarelão.
A seus pés um enorme Gnu abatido,
grande o suficiente para matar a fome do seu bando. Só então Olhos Verdes
compreendeu tudo.
Amarelão não tinha abandonado o
grupo, tinha ido buscar comida porque os outros estavam fracos demais, mas
havia superestimado a sua força. Exausto de arrastar a caça e fraco pela fome,
tinha virado presa fácil para as hienas que logo devorariam os dois.
Provavelmente ainda teria forças
para abater uma ou duas hienas, mas o bando iria vencê-lo, era uma questão de tempo.
Olhos Verdes viu a sua oportunidade,
bastaria aguardar as hienas fazerem o serviço, depois ele avançaria sobre as
sobreviventes e salvaria a carcaça do Gnu para o seu bando, seria aclamado como
o novo líder e se livraria do antigo adversário.
Os olhos de Amarelão cruzaram com os
Olhos Verdes e como se tivesse entendido as intenções deste, redobrou a fúria
contra as hienas.
Com uma patada certeira quebrou o
pescoço de uma hiena em pleno ar, conseguiu enfiar as presas em outra que se
atreveu a aproximar-se demais rasgando-lhe a jugular, dava para perceber que
consumia suas ultimas energias.
Nesse momento Olhos Verdes tomou a sua
decisão. O passo que deu quebrou um galho seco chamando a atenção das hienas, no
mesmo instante em que Amarelão tombava exaurido de suas forças.
Quando Amarelão acordou, já era
noite, o bando se reunia em torno do Gnu e das hienas abatidas. Havia comida a
sua frente, mas seu olhar foi atraído por dois olhos verdes que o vigiavam.
— Vai sobreviver, mas terá que
abandonar o posto em breve, suas feridas foram profundas o suficiente para
debilitá-lo permanentemente.
— Então vai assumir o comando,
garoto?
— Ainda não, tenho muito para
aprender, mas quando resolver deixar a liderança estarei pronto...
— Sempre soube que seria um bom
líder, garoto, desde o primeiro dia eu vi isso.
— Somente hoje percebi o que estava
fazendo comigo, obrigando-me a superar minhas deficiências. Estava realmente
disposto a morrer para salvar o bando? Seria uma grande perda para nós se eu
permitisse isso.
— Você estaria lá para conduzi-los...
— Você ainda precisa ensinar-me
algumas coisas. Desta vez estarei mais atento para suas lições. E nunca mais me
chame de garoto ou eu mesmo o mato.
Olhos Verdes virou-se para ir embora e
recebeu uma suave patada na cauda.
— Cuidado com os galhos secos...
garoto.
Olhos Verdes sorriu e continuou se
afastando enquanto dizia.
— Tomarei cuidado, velho... tomarei
cuidado.
Quando Amarelão morreu, choveu na
savana, até o céu chorava a perda do grande líder que partia e Olhos Verdes
assumiu o comando como havia prometido. Nunca sentira tanto medo quanto naquele
dia.
Estava pensando em seu amigo que se
fora, abrigado da chuva sob a copa de uma arvore, olhos fechados, quando ouviu
um galho se quebrando...
Seus músculos reagiram
instantaneamente tirando-o do caminho do jovem brincalhão que saltava sobre ele
ao mesmo tempo em que desferia uma violenta patada.
Olhou para Pernas de Gazela, que
rolava na lama meio atordoado pela patada, e sorriu...
— Cuidado com os galhos secos, garoto.
Posso ouvi-los mais longe do que o seu choro.
E afastou-se lentamente, um novo líder
precisava ser preparado para o dia em que ele, Olhos Verdes, pudesse retornar a
ver o seu velho amigo Amarelão. Nesse dia veriam quem era o melhor.
E Sorriu a esse pensamento...
(Danny Marks - 20/11/2005)
2 comentários:
Que lindo Danny.
A Savana conta um conto.
Obrigado, Rachel.
A beleza da savana tem a face da vida, muito mais do que a selva de pedra [;)]
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