segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Cálice - Danny Marks

 
Sabe aqueles momentos em que você tem todas as palavras na mão e não tem desejo nenhum de usá-las? Pode parecer um paradoxo, uma dicotomia até. Não é. Talvez devesse usar uma interrogação nessa frase: Não é?
          Ela assumiria um aspecto de ironia, uma pergunta retórica, uma afirmação inquisitiva que não necessita de respostas, porque não é uma pergunta; mas não afirma nada, porque pede uma resposta que não será ouvida. Um balé sedutor de ir e vir, sem sair do lugar.
          Existe uma crueldade latente nisso, ter todas as palavras na mão e não se ter o desejo de usá-las, diria até que é uma forma cínica de se lidar com a situação.
          De certa forma é triste, como se o seu melhor estivesse prestes a se entregar, e o guardasse para si. Egoísmo autorizado porque te pertence o direito de não usar o que tem, de reservar para si algo que, em si, não terá efeito porque só se realiza quando dividido, compartilhado.
          Dá raiva, não é? Não há retórica aqui, apenas afirmação.
          É por dar raiva que se faz isso, por desejar a raiva que dá, por não querer nada além da fúria silenciosa do que não foi entregue, não foi dividido, que se volta para si mesmo.
          O desejo de não ter o desejo satisfeito, de não ir em frente, não por medo, por raiva que se deseja intensamente.
          Claro que pode ser por medo, em alguns momentos pode haver muito medo, não se sabe exatamente do que, mas sente-se mesmo assim, fluindo lentamente. Tencionando os músculos.
          Ou seria o poder que se possui de não ceder, de se recusar e represar o que explodiria naturalmente; estancando o que, preso, morre.
Deixar morrer é ter poder?
          Melhor seria exercer o poder de deixar viver, de não interromper o fluxo.
          Isso implicaria uma responsabilidade com o que deixa, uma corrente que nos liga ao que está saindo, partindo para nunca mais voltar. Que poderia nos puxar para longe.
          Existiria liberdade se houvesse a necessidade de fazer o que não se está disposto a fazer, mesmo que com isso se conseguisse apenas a morte do que foi preso? Represado?
A quem pertenceria o que naturalmente veio e que não se quis usar?
          Quem se sentiria obrigado de usar tudo o que tem? Por obrigação. Que prazer adviria disso? Existe prazer obrigatório?
          Desejo e prazer. Um Freud moderno se resumiria a isso matando definitivamente as alternativas. Imaginar a “não ação”, o “deixa para lá” que, como lágrimas insatisfeitas no rosto, simplesmente, não rolam.

          E assim, no momento em que todas as palavras poderiam ser ditas, é apenas o silêncio que vai falar mais alto. Aceita um Cálice?

 (08/10/2007)

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