segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Água Aromatizada – Danny Marks


Existem histórias que acabam não sendo contadas, não por sua importância, mas por outros fatores que nem sempre dominamos. Esta história envolve literatura, ficção e vida real, sem barreiras separando-as. Aconteceu no domingo, 18/08/2019, em Paranapiacaba/SP onde ocorriam dois eventos simultâneos. O Festival do Cambuci, com diversas iguarias feitas a partir desta fruta e o VI Steamcon Paranapiacaba, um evento steampunk. Para quem não conhece o Steampunk é uma variação literária originada do Movimento Cyberpunk que renovou a Ficção Científica em bases diferentes, demonstrando que nem sempre a tecnologia traz em seu bojo as sementes de uma sociedade melhor; por ser uma ferramenta necessita de pessoas melhores para que os seus resultados sejam proveitosos para todos. Com essa premissa básica surgiram inúmeros subgêneros da Literatura Cyberpunk (que se tornou um gênero literário em si, com variantes próprias), entre eles o retrofuturismo vitoriano, também conhecido como Steampunk.
Paranapiacaba tem sua história vinculada às ferrovias, cujas locomotivas antigas usavam a energia do vapor para se deslocar. Junto a sua bem preservada estrutura de uma cidade interiorana com casas em modelos que lembram as antigas construções (algumas são desse período mesmo, restauradas e preservadas) e o clima montanhoso e cheio de cenários e histórias fortes, tornou-se um ponto ideal para as pessoas que criam personagens baseados no modelo ficcional do Steampunk, com acessórios, armas e roupas que lembram a época vitoriana em especial ou variações que remetem ao tema e seguem um possível avanço tecnológico alternativo. Steamplay é mais do que criar um personagem, é criar uma história para o seu personagem e incorpora-lo durante os eventos, reconstruindo a literatura em bases concretas, mesclando-a com a realidade de forma harmônica para além da imaginação.
Ok, este é o cenário básico da minha história real, mas serve apenas para pano de fundo da cena em si. No dia citado compareci como autor e apreciador de eventos literários. Sempre é bom conhecer mais pessoas e situações, sem falar em cenários que posso usar em algumas das minhas narrativas. Mas, como sempre digo, mais importante do que os cenários são as pessoas. É nesse ponto que entra a minha mais recente amiga Rosana Martim. Eu havia andado pela cidade sob um sol forte, usando roupas não tão adequadas a um clima desses, ainda mais que nunca se sabe quando vai fazer um frio congelante ou um calor escaldante, às vezes as temperaturas sobem ou descem de forma assustadoramente sobrenatural por lá, fica o aviso.
Cansado depois de um dia com diversos eventos e atrações, depois de ter visitado diversos lugares e ficado com a certeza de que não conseguiria ver tudo o que gostaria, não importando quantas vezes retornasse (que dirá em um único dia), passei em frente a uma das casas que também abriga um comércio. Convidado por um amigo que foi comigo na excursão para o evento, me sentei para terminar de tomar o sorvete de morango com leite condensado e cobertura de limão (parece absurda a combinação, mas estava excelente). Sedento pelo sol, pelo sorvete e por ter desidratado em bicas durante o dia, resolvi comprar uma água no café que há dentro da casa. Perguntei a dona Rosana se tinha água e ela me disse que não tinha nenhuma para vender, mas me ofereceu uma água aromatizada com ervas de sua fabricação.
Eu queria água gelada, ela percebeu isso, a aromatizada era ao natural, então me perguntou se servia uma “torneiral estupidamente gelada”. Eu brinquei que só aceitaria se fosse assim, já que não poderia comprar a água iria ser exigente. Ela riu e pegou no freezer um copo de água que estava quase congelando. Reparei que era um copo plástico comum, desses que se usam para beber, não era um empreendimento de fazer gelo ou algo do tipo. Aceitei a generosa oferta percebendo que se destinava a dona do estabelecimento que ao ver a minha frustração em não ter uma água fresca para matar a sede, resolveu me ceder sua própria.
Bebi com satisfação e agradecimento, aceitei depois mais um copo de água aromatizada. Naquele momento me lembrei do romance Um Estranho em Uma Terra Estranha do Robert Heinlein que trata sobre um humano criado por marcianos e que considera como uma oferenda de irmandade, um copo de água. Para quem conhece a história fazer paralelos é muito simples, para quem não conhece, fica a recomendação de uma excelente novela de FC. Assim que percebi que havia recebido uma graça dessa graciosa pessoa que é Rosana, me senti compelido a lhe dar algo tão simbólico e dadivoso quanto. Peguei o meu boton de Sobreviventes, com a triqueta enlaçada (símbolo celta da trindade divina, do infinito, das boas energias universais de prosperidade e fartura que também representa o meu livro SOBREVIVENTES) e presenteei a minha “irmã de água”. Meu celular estava com a bateria quase no fim e achei até que já havia “morrido”, me despedi da senhora e fui até a feira comprar um licor de cambucí em uma caveira de vidro (queria levar algo de lembrança, com muitas ideias delirantes na cabeça).
Então em um impulso resolvi verificar o meu cel e vi que restava uma faixa vermelha de bateria, mas ainda não havia “morrido”. Voltei até a casa da Rosana e pedi para tirar uma foto com ela, se conseguisse. Um rapaz que havia estado lá tomando um café e estava de saída, e que acompanhara todo o caso, se ofereceu para bater as fotos antes de ir. Agradeci esse gesto de bondade também. Como falei para dona Rosana, uma gentileza se paga com gentileza e isso torna o mundo melhor para todos. Estava provado o fato naquele momento. Tiramos as fotos, peguei o cartão dela para enviar a foto e prometi divulgar a sua loja. Mais do que isso escolhi divulgar a generosidade de Rosana do espaço colaborativo de artesões Mutyrô (mutirão em tupi-guarani) em Paranapiacaba.
Conversamos sobre o meu livro e ela sempre generosa escutou com atenção. Ainda a vi depois pouco antes de voltar ao ponto de encontro para o retorno e dei um aceno de mão que ela me retribuiu. Fiquei com a marca desse mágico encontro em uma cidade mágica, em meio a um evento cheio de magia e literatura, agraciado por uma água fresca, pela generosidade e pelas ervas aromáticas. Existem histórias que jamais vão ser contadas, muitas vezes por que nos perdemos em meio a tantas questões menores, mas esta faço questão de deixar registrada, principalmente porque são esses pequenos gestos que renovam a minha fé no Ser Humano e na Literatura que sempre se preocupa em nos apontar os caminhos bons e ruins para que possamos fazer nossas escolhas conscientes da responsabilidade que adquirimos com nossos atos.
          Não sei se ainda volto em Paranapiacaba, o futuro não nos pertence, embora sempre estejamos tentando nos apossar dele e determina-lo. Não sei o que dona Rosana, minha irmã de água vai achar ao ler esta crônica, mas a história será contada e recomendo a quem for à Paranapiacaba que procure o Mutyrô da dona Rosana. Houve tantas outras histórias interessantes neste dia, mas isso fica para outro momento, esta é a história da Água Aromatizada de Paranapiacaba, e é tudo o que precisa ser.

PS:
Corrigi os nomes com base no gentil email que recebi de Rosana MARTINS, do espaço colaborativo para artesões MUTYRÔ.  Essas informações eram provenientes de um cartão de visitas que não estava muito legível e por isso o erro, mas aqui está parte da resposta da minha amiga por email e o motivo das alterações.

"Muito obrigada pelas fotos e pelas referências a meu gesto tão... simples: um copo de água!
 Mas acho, como você, que é isso mesmo... os pequenos gestos talvez sejam os realmente grandes, aqueles capazes de mudar o mundo.
 Meu nome é Rosana Martin. O nome desse espaço em que você tomou água é Mutyrô ("Mutirão", em tupi-guarani). Somos artesãos reunidos nesse espaço colaborativo.
 O Funicularte não é meu... somos artesãos, na área de cerâmica, que trabalham em Paranapiacaba. 
 Obrigada mais uma vez por tudo. " Rosana Martin

Eu é que agradeço, sempre, os gestos de generosidade que são distribuídos tão graciosamente. Com certeza vão mudar o mundo.

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