quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Não acredito em Bruxas - Danny Marks


          Essa coisa de adivinhação é tudo uma tremenda bobagem. Uma milenar forma de enganar os bobos que não conseguem conviver com os seus medos e os transformam em superstição, de forma que se cria uma cultura ritualística em cima dos medos e, na devida proporção, consegue-se até exorcizar o terror individual tornando-o um terror coletivo chamado de religião.
          Se as pitonisas e cartomantes soubessem do futuro, teriam previsto a inquisição que levou as bruxas à fogueira e teriam se mantido quietas em seus cantos obscuros, adivinhando apenas os melhores caminhos da fortuna.
          Nem é preciso apontar o óbvio, que não se conhece uma sequer dessas sacerdotisas de Apolo que tenha enriquecido com os seus dons sobrenaturais. Desafiaria a qualquer um apontar quem seja a exceção a essa regra, apesar de haver Cassandras a predizer os infortúnios há milênios, antes que qualquer outro mundo tenha se consolidado nos altares, estes sim, cravejados e dourados.
          Apesar de minha ferrenha convicção, justificada como lhes apresentei por fatos incontestáveis da lógica, tenho que confessar que a curiosidade é um mal que nos faz ignorar até mesmo os medos mais pitorescos e nos atira em armadilhas das quais nos desviaríamos facilmente, se não fosse a dúvida lançada como uma isca ao nosso mais íntimo ser.
          Junte a isso a rotina constante de passar em frente ao covil da bruxa, com sua chamativa placa desgastada pelo próprio tempo que alega prever, e se tem a certeza de que a arapuca será eficaz no seu trabalho de capturar mais um desavisado e honesto cidadão, ao troco de só o libertar por malfadados cinquenta reais.
          É um absurdo que alguém pague essa importância para ser enganado, diz a consciência ao passar pela porta aberta, a caminho de gastar quatro ou cinco vezes mais essa importância em um almoço de qualidade duvidosa.
          Ao menos é mais barato que aqueles psicólogos que cobram três vezes mais por período, diz-lhe na segunda ou terceira vez que nota ainda aberta a tal porta.
          Está mais barato que um livro de renome, e ao menos é uma ficção da qual se participa inteiramente, reflete na sétima ou oitava olhada para o cartaz que insiste em manter-se surrado e sujo.
          Gasto mais com uma pizza no final de semana e talvez não a aproveite tanto quanto o que se pode conseguir por aqui. Justifica-se a consciência ao, finalmente, entrar pela porta e dar de cara com a mal iluminada escadaria que conduz para uma névoa que fede a algum tipo de incenso barato.
          No fim desse corredor ascendente, dá-se de cara com uma cortina de miçangas que produzem barulho de ossos minúsculos a chocar-se, ou pelo menos deve ser esse o som que ossos minúsculos produzem. E lá em algum canto está a mesa com uma toalha branca, uma vela que será acesa durante a sessão e uma daquelas bolas equipadas com uma bobina de Tesla que fica emitindo raios para a superfície interna.
          A Madame Shanta, cuja purificação deve ter retirado qualquer traço hindu do seu DNA, aparece com roupas folgadas e brilhantes, que refletem os efeitos luminosos do ambiente obscuro, e estende uma mão para indicar onde sentar e outra para receber o pagamento, adiantado, que o futuro se paga agora, não amanhã.
          Perguntas podem ser feitas a qualquer momento, enquanto os raios mágicos estiverem funcionando e transmitindo suas mensagens diretamente às mãos videntes que tocam a esfera do tempo. Como fica a situação financeira? Não se preocupe. O amor, continuará firme ou se perderá na convivência ou em trágica traição? Não se preocupe. E a saúde? O que dizer da saúde? Não se preocupe. Como não me preocupar se desconheço o futuro? Ah, o futuro, isso pode ser revelado, mas custa um pouco mais caro. Apenas vinte reais a mais.
          Ora, quem já chegou até o alto, como voltar sem saber do futuro, não é mesmo? Ir até a fonte e voltar com sede. Tome lá os vinte e dê-me a visão do futuro onde não me preocuparei com saúde, dinheiro ou amor.
          Vejo um avião. Opa, uma viagem? Para qual lugar? Não, um avião em queda, muitos mortos. Meu DEUS, vou morrer em um desastre de avião? Não, vejo uma chave de fenda. Uma chave de fenda? Vou ser morto por uma chave de fenda? Não, uma luz brilhante, muito forte, está me cegando. Vejo uma luz muito forte no seu futuro. Não posso falar mais.
          Claro que saio decepcionado com o futuro que se revelou, afinal de contas, brilhante. Mas não deu indicativo de como se daria. Por dias as peças não se juntam. Até que, estando a ver o noticiário na televisão, aparece o tal avião que caiu em algum lugar que não sei dizer, porque a imagem não estava boa. Saco logo uma chave de fenda para arrumar a conexão que está frouxa e restabelecer o sinal e ao tocar por engano o fio errado...ZAAAZZZZZZ
          — E o senhor morreu?!!
          Calma, pessoal, não se assustem. Claro que não morri, ou não poderia estar aqui falando com vocês. A própria Madame Shanta já havia dito que não me aconteceria nada. Só a luz brilhante que me cegou por vários dias e me levou a UTI onde fiquei por um fio, mas voltei.
          — OOOOHHHH... OOOHHH

          Voltei e posso lhes afirmar, tudo o que a Madame Shanta falou, se realizou na minha vida. E é por isso que estou aqui, sem ganhar nada, para organizar a fila dos atendimentos. Por favor, um atrás do outro e podem pagar diretamente comigo. Por tempo limitado estamos aceitando também débito em conta, mas não cartão de crédito que o futuro se paga agora. Por apenas cem reais vão poder ter uma grande mudança no seu entendimento sobre a vida. Aqui está, senhor, basta subir a escada que vão conduzi-lo. O próximo!

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