Essa coisa de adivinhação é tudo uma tremenda bobagem. Uma
milenar forma de enganar os bobos que não conseguem conviver com os seus medos
e os transformam em superstição, de forma que se cria uma cultura ritualística
em cima dos medos e, na devida proporção, consegue-se até exorcizar o terror
individual tornando-o um terror coletivo chamado de religião.
Se as pitonisas e cartomantes soubessem do futuro, teriam
previsto a inquisição que levou as bruxas à fogueira e teriam se mantido
quietas em seus cantos obscuros, adivinhando apenas os melhores caminhos da
fortuna.
Nem é preciso apontar o óbvio, que não se conhece uma
sequer dessas sacerdotisas de Apolo que tenha enriquecido com os seus dons
sobrenaturais. Desafiaria a qualquer um apontar quem seja a exceção a essa
regra, apesar de haver Cassandras a predizer os infortúnios há milênios, antes
que qualquer outro mundo tenha se consolidado nos altares, estes sim,
cravejados e dourados.
Apesar de minha ferrenha convicção, justificada como lhes
apresentei por fatos incontestáveis da lógica, tenho que confessar que a
curiosidade é um mal que nos faz ignorar até mesmo os medos mais pitorescos e
nos atira em armadilhas das quais nos desviaríamos facilmente, se não fosse a
dúvida lançada como uma isca ao nosso mais íntimo ser.
Junte a isso a rotina constante de passar em frente ao
covil da bruxa, com sua chamativa placa desgastada pelo próprio tempo que alega
prever, e se tem a certeza de que a arapuca será eficaz no seu trabalho de
capturar mais um desavisado e honesto cidadão, ao troco de só o libertar por
malfadados cinquenta reais.
É um absurdo que alguém pague essa importância para ser
enganado, diz a consciência ao passar pela porta aberta, a caminho de gastar
quatro ou cinco vezes mais essa importância em um almoço de qualidade duvidosa.
Ao menos é mais barato que aqueles psicólogos que cobram
três vezes mais por período, diz-lhe na segunda ou terceira vez que nota ainda
aberta a tal porta.
Está mais barato que um livro de renome, e ao menos é uma
ficção da qual se participa inteiramente, reflete na sétima ou oitava olhada
para o cartaz que insiste em manter-se surrado e sujo.
Gasto mais com uma pizza no final de semana e talvez não a
aproveite tanto quanto o que se pode conseguir por aqui. Justifica-se a
consciência ao, finalmente, entrar pela porta e dar de cara com a mal iluminada
escadaria que conduz para uma névoa que fede a algum tipo de incenso barato.
No fim desse corredor ascendente, dá-se de cara com uma
cortina de miçangas que produzem barulho de ossos minúsculos a chocar-se, ou
pelo menos deve ser esse o som que ossos minúsculos produzem. E lá em algum
canto está a mesa com uma toalha branca, uma vela que será acesa durante a
sessão e uma daquelas bolas equipadas com uma bobina de Tesla que fica emitindo
raios para a superfície interna.
A Madame Shanta, cuja purificação deve ter retirado
qualquer traço hindu do seu DNA, aparece com roupas folgadas e brilhantes, que
refletem os efeitos luminosos do ambiente obscuro, e estende uma mão para
indicar onde sentar e outra para receber o pagamento, adiantado, que o futuro
se paga agora, não amanhã.
Perguntas podem ser feitas a qualquer momento, enquanto os
raios mágicos estiverem funcionando e transmitindo suas mensagens diretamente
às mãos videntes que tocam a esfera do tempo. Como fica a situação financeira?
Não se preocupe. O amor, continuará firme ou se perderá na convivência ou em
trágica traição? Não se preocupe. E a saúde? O que dizer da saúde? Não se
preocupe. Como não me preocupar se desconheço o futuro? Ah, o futuro, isso pode
ser revelado, mas custa um pouco mais caro. Apenas vinte reais a mais.
Ora, quem já chegou até o alto, como voltar sem saber do
futuro, não é mesmo? Ir até a fonte e voltar com sede. Tome lá os vinte e dê-me
a visão do futuro onde não me preocuparei com saúde, dinheiro ou amor.
Vejo um avião. Opa, uma viagem? Para qual lugar? Não, um
avião em queda, muitos mortos. Meu DEUS, vou morrer em um desastre de avião?
Não, vejo uma chave de fenda. Uma chave de fenda? Vou ser morto por uma chave
de fenda? Não, uma luz brilhante, muito forte, está me cegando. Vejo uma luz
muito forte no seu futuro. Não posso falar mais.
Claro que saio decepcionado com o futuro que se revelou,
afinal de contas, brilhante. Mas não deu indicativo de como se daria. Por dias
as peças não se juntam. Até que, estando a ver o noticiário na televisão,
aparece o tal avião que caiu em algum lugar que não sei dizer, porque a imagem
não estava boa. Saco logo uma chave de fenda para arrumar a conexão que está
frouxa e restabelecer o sinal e ao tocar por engano o fio errado...ZAAAZZZZZZ
— E o senhor morreu?!!
Calma, pessoal, não se assustem. Claro que não morri, ou
não poderia estar aqui falando com vocês. A própria Madame Shanta já havia dito
que não me aconteceria nada. Só a luz brilhante que me cegou por vários dias e
me levou a UTI onde fiquei por um fio, mas voltei.
— OOOOHHHH... OOOHHH
Voltei e posso lhes afirmar, tudo o que a Madame Shanta
falou, se realizou na minha vida. E é por isso que estou aqui, sem ganhar nada,
para organizar a fila dos atendimentos. Por favor, um atrás do outro e podem
pagar diretamente comigo. Por tempo limitado estamos aceitando também débito em
conta, mas não cartão de crédito que o futuro se paga agora. Por apenas cem
reais vão poder ter uma grande mudança no seu entendimento sobre a vida. Aqui
está, senhor, basta subir a escada que vão conduzi-lo. O próximo!
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