domingo, 11 de setembro de 2016

Dez Graças à Tragédia - Danny Marks


          Antes de iniciar, é preciso advertir.
          Se está vivendo uma tragédia pessoal, procure alguém que possa lhe ajudar de forma profissional ou, no mínimo, vá ler coisas que pintem o mundo de cor-de-rosa ou outra cor suave que gostar, não encontrará isso aqui.
          Se acredita que a verdade precisa ser empunhada como uma espada que vai golpear por todos os lados as mentiras que encontrar, sem se preocupar com os danos causados, não perca o seu tempo buscando a moralidade por aqui. Ela não aparecerá em momento algum, pode acreditar, é a verdade.
          Feitas as advertências necessárias, podemos prosseguir tranquilos com a nossa argumentação que demonstrará, sem deixar dúvidas, o quanto a Tragédia tem feito, e faz, pela humanidade. Sendo por esse motivo que podemos afirmar, sem qualquer constrangimento, que todos amam a tragédia alheia.
          Provavelmente não foram os Gregos que inventaram a Tragédia, ela já existia muito antes disso, mas não se pode contestar que foram estes que mais contribuíram para a sua visibilidade e sucesso. Quando vemos as ruinas do Partenon; quando lemos os clássicos gregos e suas contribuições na literatura moderna; quando pensamos nos filósofos que debulharam as certezas da vida e desconstruíram mundo; como não recordar das tragédias?
          Vejam as Olimpíadas, inspiradas nas histórias trágicas dos heróis gregos da mitologia, e que até hoje ressoam pelos quatro cantos do mundo. Quantos lembram dos recordes batidos? Quantos comentam sobre os feitos sobre-humanos? Mas, pergunte sobre o mais recente escândalo envolvendo atletas, ou sobre aquela derrapada quando a vitória estava quase garantida. Qual ganha mais importância nas mentes e nos corações? A tragédia, é claro.
          A tragédia inspirou Shakespeare, que inspirou tantos outros depois dele. Quantas carreiras de sucesso ganharam maior impulso depois de uma derrocada fenomenal? De empresários que faliram a bandas que se desfizeram. Quando pensam em Beatles, lembram mais do encontro com a Rainha ou a separação e o posterior assassinato de Lennon? E o Nirvana? Tudo bem, ainda temos o secular Rolling Stones, mas pode ver, estão todos apenas torcendo para ver qual música vai tocar quando cair o pano.
          As tragédias inspiram o melhor dos sentimentos, todos estão dispostos a se solidarizar com a tragédia alheia, quando ela é longe o suficiente para não os afetar. Ou então rir descontroladamente, quando é próxima o suficiente para ser presenciada e não tão grave que precise de uma intervenção imediata.
          Sim, tragédia boa é aquela que não está nem perto, nem longe, demais. Ninguém gosta de uma tragédia muito próxima, invadindo o espaço particular, exigindo providências. É preciso que ela fique em outro lugar, onde se possa ir até lá, quando se está disposto a se envolver, mas de onde possamos fugir, caso ela comece a nos alcançar.
          Só quando a história é trágica e está além da margem de segurança é que ela nos encanta, nos enternece. Deixa espaço para que possamos verificar a nossa preservação e demonstrar a generosidade. Desejamos por algum tempo o sucesso alheio, para poder usufruir junto, mas acima de tudo, desejamos que os bem-sucedidos abram espaço para que possamos ocupa-lo. E como são poucas as chances de sucesso, sempre podemos comemorar quando alguns fazem o favor de, depois de terem indicado o caminho, se afastarem dele.
          Enganam-se os que dizem que não há pessoas dispostas a se colocar no lugar do outro. A verdade é que há muito mais dessas pessoas do que se possa imaginar, só que a grande maioria pretende tirar o outro de lá antes de lhe ocupar o lugar, desde que seja um bom lugar para ficar por algum tempo, até surgir o próximo. Ah, como não amar o próximo?
          Tragédias criam carreiras promissoras, que o digam os psicólogos, advogados, humoristas, artistas, pintores, escritores, médicos, bombeiros, empreendedores, e por aí vai. Nem vou falar dos ilícitos, que a política aqui é outra.   Criamos a nossa sociedade na certeza que alguma tragédia a fará evoluir, ou será tragicamente exterminada e substituída por outra mais trágica ainda. Não há como negar, a tragédia está em nosso dia a dia, nos dando motivos para conversas, para não sermos alvos dela, para demonstrar que ainda podemos fazer mais no pior, basta haver a chance.

          Poderia discorrer infinitamente sobre as oportunidades que as tragédias criam, como aquelas inumeráveis palestras que não levam a lugar algum, mas não será necessário depois de um argumento incontestável. Foi uma trágica explosão que criou tudo no universo, que desde então caminha sempre para a entropia total, onde nada mais poderá existir, nem mesmo a tragédia de recomeçar tudo de novo.

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