Antes de iniciar, é preciso advertir.
Se está vivendo uma tragédia pessoal, procure alguém que
possa lhe ajudar de forma profissional ou, no mínimo, vá ler coisas que pintem
o mundo de cor-de-rosa ou outra cor suave que gostar, não encontrará isso aqui.
Se acredita que a verdade precisa ser empunhada como uma
espada que vai golpear por todos os lados as mentiras que encontrar, sem se
preocupar com os danos causados, não perca o seu tempo buscando a moralidade
por aqui. Ela não aparecerá em momento algum, pode acreditar, é a verdade.
Feitas as advertências necessárias, podemos prosseguir
tranquilos com a nossa argumentação que demonstrará, sem deixar dúvidas, o
quanto a Tragédia tem feito, e faz, pela humanidade. Sendo por esse motivo que
podemos afirmar, sem qualquer constrangimento, que todos amam a tragédia alheia.
Provavelmente não foram os Gregos que inventaram a
Tragédia, ela já existia muito antes disso, mas não se pode contestar que foram
estes que mais contribuíram para a sua visibilidade e sucesso. Quando vemos as
ruinas do Partenon; quando lemos os clássicos gregos e suas contribuições na
literatura moderna; quando pensamos nos filósofos que debulharam as certezas da
vida e desconstruíram mundo; como não recordar das tragédias?
Vejam as Olimpíadas, inspiradas nas histórias trágicas dos
heróis gregos da mitologia, e que até hoje ressoam pelos quatro cantos do
mundo. Quantos lembram dos recordes batidos? Quantos comentam sobre os feitos
sobre-humanos? Mas, pergunte sobre o mais recente escândalo envolvendo atletas,
ou sobre aquela derrapada quando a vitória estava quase garantida. Qual ganha
mais importância nas mentes e nos corações? A tragédia, é claro.
A tragédia inspirou Shakespeare, que inspirou tantos outros
depois dele. Quantas carreiras de sucesso ganharam maior impulso depois de uma
derrocada fenomenal? De empresários que faliram a bandas que se desfizeram.
Quando pensam em Beatles, lembram mais do encontro com a Rainha ou a separação
e o posterior assassinato de Lennon? E o Nirvana? Tudo bem, ainda temos o
secular Rolling Stones, mas pode ver, estão todos apenas torcendo para ver qual
música vai tocar quando cair o pano.
As tragédias inspiram o melhor dos sentimentos, todos estão
dispostos a se solidarizar com a tragédia alheia, quando ela é longe o
suficiente para não os afetar. Ou então rir descontroladamente, quando é
próxima o suficiente para ser presenciada e não tão grave que precise de uma
intervenção imediata.
Sim, tragédia boa é aquela que não está nem perto, nem
longe, demais. Ninguém gosta de uma tragédia muito próxima, invadindo o espaço
particular, exigindo providências. É preciso que ela fique em outro lugar, onde
se possa ir até lá, quando se está disposto a se envolver, mas de onde possamos
fugir, caso ela comece a nos alcançar.
Só quando a história é trágica e está além da margem de
segurança é que ela nos encanta, nos enternece. Deixa espaço para que possamos
verificar a nossa preservação e demonstrar a generosidade. Desejamos por algum
tempo o sucesso alheio, para poder usufruir junto, mas acima de tudo, desejamos
que os bem-sucedidos abram espaço para que possamos ocupa-lo. E como são poucas
as chances de sucesso, sempre podemos comemorar quando alguns fazem o favor de,
depois de terem indicado o caminho, se afastarem dele.
Enganam-se os que dizem que não há pessoas dispostas a se
colocar no lugar do outro. A verdade é que há muito mais dessas pessoas do que
se possa imaginar, só que a grande maioria pretende tirar o outro de lá antes
de lhe ocupar o lugar, desde que seja um bom lugar para ficar por algum tempo,
até surgir o próximo. Ah, como não amar o próximo?
Tragédias criam carreiras promissoras, que o digam os
psicólogos, advogados, humoristas, artistas, pintores, escritores, médicos,
bombeiros, empreendedores, e por aí vai. Nem vou falar dos ilícitos, que a
política aqui é outra. Criamos a nossa
sociedade na certeza que alguma tragédia a fará evoluir, ou será tragicamente
exterminada e substituída por outra mais trágica ainda. Não há como negar, a
tragédia está em nosso dia a dia, nos dando motivos para conversas, para não
sermos alvos dela, para demonstrar que ainda podemos fazer mais no pior, basta
haver a chance.
Poderia discorrer infinitamente sobre as oportunidades que
as tragédias criam, como aquelas inumeráveis palestras que não levam a lugar
algum, mas não será necessário depois de um argumento incontestável. Foi uma
trágica explosão que criou tudo no universo, que desde então caminha sempre
para a entropia total, onde nada mais poderá existir, nem mesmo a tragédia de
recomeçar tudo de novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário