sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A Décima Volta do Parafuso - Danny Marks


           Existe ainda hoje uma milenar sociedade secreta de místicos que busca incansavelmente descobrir os segredos do universo na linguagem que, julgam, seja a única que o universo utiliza para construir e, portanto, revelar seus padrões implacáveis: a matemática.
          Segundo uma análise dessa filosofia com a qual tive contato há tempos, o padrão é uma forma de tautologia, é voltar a dizer o que já foi dito anteriormente com outras palavras; ou no caso do universo, fazer tudo novamente de forma cíclica, eternamente voltando ao começo. Descobrir os padrões sobrepostos seria poder controlar os padrões e as sobreposições, criando o novo padrão.
          Um outro mago e escritor já foi duramente criticado por usar uma tautologia ao afirmar que nascera “há 10.000 anos atrás”. Não por ter feito uma afirmação controversa acerca da sua idade, mas por ter feito uma tautologia. Se é “há 10.000 anos”, não tem como não ser “atrás” já que o verbo utilizado nessa forma indica semanticamente o tempo passado, não o futuro.
          O mesmo poderia ser dito de “voltar atrás”, uma redundância de termos que dizem a mesma coisa, se volta, tem que ser atrás, não há como voltar para à frente, já que voltar significa implicitamente que se estava alinhado com um sentido que será revertido. Mas e se atrás for utilizado no sentido de buscar?
          Ou seja, voltou para buscar algo que havia esquecido, e esqueceu de o dizer. Então voltar atrás (de algo) não seria uma tautologia, mas uma filosofia de retomar o que deveria estar presente.
          O padrão seria justamente uma volta atrás que avança em algum sentido resgatando algo que já havia. E nesse ponto a minha cabeça começa a dar voltas também, como um parafuso que fica solto pelo aperto excessivo, cheio de voltas a serem dadas, mas que não avançam sobre nada. “Procrastinação” gritam os enfurecidos usuários de tortuosos pensamentos, que ignoro para prosseguir em frente, rindo descaradamente só para complicar ainda mais os paradoxos léxicos.
          Seria a linguagem do universo um parafuso que retorna ao mesmo ponto para avançar em algum sentido desconhecido? O futuro repetindo o passado com apenas uma ligeira espiral a indicar um avanço que não passa de uma ilusão de presente?
          Quantas justificativas poderiam ser dadas, nesse caso, revelando o motivo de, ao avançarmos tanto, não tenhamos saído verdadeiramente do mesmo ponto, apenas aparentando um progresso ilusório, onde as questões que sempre nos moveram, permanecem as mesmas.
          Avançamos no combate ao preconceito, e permanecemos preconceituosos de outras formas semelhantes. Avançamos nas tentativas de paz e até criamos uma guerra, para promove-la. Elegemos velhos políticos para substituir os atuais e esperamos que as coisas mudem. Resgatamos velhas ideologias que não funcionaram (ou não estaríamos com problemas agora) na esperança de que resolvam (desta vez) os mesmos problemas. Estudamos novas tecnologias que nos libertarão do trabalho e nos devolverão a vida que merecemos e trabalhamos mais para obtê-las ao preço de nosso tempo de vida.
          Tudo parece dar voltas e permanecer praticamente igual. A espiral que deveria nos levar acima, nos afunda e nos prende cada vez mais fundo. Então para prever o futuro bastaria olhar para o passado e dar-lhe roupas novas e coloridos que antes não haviam, mas que não alteram os conteúdos que apresentam. A história se tornaria o objeto de estudo das cartomantes.
          Retornar ao mesmo, parece ser a constante universal humana. Desde a retórica inventada pela filosofia dos gregos para desvelar a verdade oculta, até a reinicialização da matrix que recicla toda a realidade ilusória em que estamos, na verdade, presos irremediavelmente. Ou será que apenas tentamos descobrir novas soluções partindo dos mesmos elementos?
          Onde estaria a criatividade se tudo fosse o mesmo? A criação seria apenas uma releitura de tudo o que já existe de alguma forma, e nada de novo surgiria nesse paraíso onde a serpente esperaria pacientemente com uma maçã.
          Por certo essa questão é o que nos move desde tempos imemoriais, e provavelmente a solução será simples e óbvia, assim que a descobrirmos. Provavelmente estaremos repetindo o passado por simples medo de tentar algo completamente novo e desconhecido que possa nos destruir, e avançamos seguros para uma destruição conhecida e repetida à exaustão.
          Para que arriscar ficar pior? Tolos são os místicos que buscam descobrir nas linguagens matemáticas os segredos milenares, ou os cientistas que fazem uso dos mesmos instrumentos lógicos para tentar decifrar a mesma coisa, mas de uma forma diferente, com resultados praticamente iguais. Tautologia é o padrão que parece reger o universo pelo prisma da mente humana.
          Ou então, temos que nos reinventar de uma forma completamente nova, abrindo espaço para a incerteza de não saber hoje mais do que sabíamos ontem e nos deslumbrarmos com algo completamente inédito, que será imediatamente copiado e reproduzido a exaustão por todos os lados até acrescentar mais uma volta a espiral desse parafuso que parece infinito, e do qual ainda só atingimos, talvez, a décima volta, seja lá em que sentido estiver sendo pressionado.
          Ao menos teremos a certeza de que a vida é o que sempre foi, e se renova a todo momento, tentando, desta vez, fazer a coisa certa.

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