Se tem uma coisa que escritor iniciante adooora fazer é
criar mundos. Não deve haver nada melhor no processo criativo do que criar,
assim do nada, um mundo inteiro. Fauna, flora, sociedades, história, mitos e
lendas, tudo no bater de uma tecla. É lindo, é maravilhoso, é tanta delicadeza
e paz, tanta harmonia, mesmo que os corações trágicos anseiem pela guerra sem
limites, exortados por odiosas mentiras daqueles fanáticos opositores da
inacreditável e lúcida luminosidade que abrange todo o universo das pessoas de
bem, preenchendo os seus corações com a coragem infinita que, por fim, há de
vencer as agruras dos descaminhos da ignorância alheia com a força das espadas
da justiça.
Em Adjetivolândia é assim que as coisas acontecem, e tem coisas
que até seu criador desconhece. Pense em um lugar especial onde as coisas ficam
mais fáceis de serem assimiladas, talvez, em toda a sua profundidade. Espera,
deixa tentar de forma diferente. Pense em um Mundo onde a lógica das coisas
fosse bem mais simples, baseadas em adjetivos que permitiriam mais facilmente a
interpretação de fatos escondidos nas sombras interpretativas.
Quando conhecesse alguém bastaria identificar os adjetivos
e pronto, já saberia tudo o que precisa saber daquela pessoa. Poderia entrar em
um supermercado e vendo uma pessoa sentada atrás da caixa registradora saberia
não apenas que ela é uma “caixa”, saberia muito mais, que é uma proletária mal
paga, que não tem instrução suficiente para empregos melhores, que não se
alimenta direito e vai engordar horrores, é mal-humorada e frustrada, e vai se casar
(se já não for) com um outro proletário pobre e ter um monte de filhos
remelentos que muito provavelmente vão cair no mundo do crime por não terem
atenção necessária no lar. Não é fantástico?
Uma
pessoa caixa de melhor qualidade vai saber se arrumar melhor, vai ser mais
bonita, usar perfumes e maquiagens e ter um treinamento para atender com
gentileza as pessoas, mesmo quando estiverem com cólicas menstruais e não,
jamais vão ser do sexo masculino, no máximo, serão homossexuais.
Tem aquelas pessoas que não são identificadas individualmente,
só em grupos, ou bandos, depende de que lado você olha. Grupos são sempre
organizados, tem objetivos definidos, podem até ter coreografia de movimentos
ensaiados, música personalizada e bandeiras. Já os bandos têm isso tudo, mas
pertencem ao lado oposto do seu olhar, não tem como errar. Olhou de lado, é
bando, só quando se está junto ou olhando de frente, é grupo.
Em Adjetivolândia o bom mesmo é ser famoso. É tudo de bom,
só faz coisas boas, só usa as roupas certas, só tem sucesso e quem discorda é
porque sente inveja. Melhor que isso só sendo Ídolo, que nesse caso ganha logo
de cara uma legião de fãs, exército, séquito, seja qual o nome que estão dando
no momento, cada vez que se cria um ídolo o nome muda. Enfim, ídolo é mega-blaster-hiper-super-fantástico
modo de ser em adjetivolândia, porque não importa o que se faça, ou não se
faça, vai ter muita gente defendendo até a morte o seu direito de fazer ou não
fazer qualquer coisa, mitando sempre que uma coisa ou outra ocorrer.
Claro que vão ter os adjetivos generalizantes que descrevem
o caráter imediato através de uma intersecção de adjetivos generalizantes
similares não excludentes, por exemplo.
— Sabe aquele político?
— Aquele bandido, famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita
e esquerdopata?
— Não, esse é o meu cunhado. Estou falando daquele bandido,
famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita e facistóide. Doravante chamado apenas
de Meu Patrão. Não é o máximo de bom? Já estou sentindo que as coisas vão
melhorar com essa nova e dinâmica de visão de negócios voltados para o
empreendedorismo engajado nas questões globais e culturais dos tempos modernos.
— Ah, desculpa, é que para mim político é tudo igual, me
confundi. Mas que maravilhosa perspectiva de futuro, agora então as coisas vão
ficar de boas para o seu lado. Parabéns, já está usando o novo adjetivo?
— Claro! Substituí o “trabalhador” por algo mais imponente
e moderno. Agora sou “colaborador”, tem mais apelo mercadológico. Teve um monte
de colegas que conseguiram virar “microempreendedores” com as novas diretrizes de
cortes orçamentários e incentivos às carreiras individuais, mas para mim não
foi desta vez.
— Pois é, mas não liga não, quem sabe da próxima! Só toma
cuidado que tem muito vagabundo disfarçado de progressista querendo passar a
rasteira nas pessoas de bem, essa gente invejosa prolifera como porquinhos da
índia em época de acasalamentos.
Não é fácil criar um mundo perfeito. Mas se a gente se
dedicar com vontade, esperar naquela tarde sombria que o vento sopre para o
lado certo e os raios de sol trespassem as nuvens em luminosas lamparinas de
ouro, então poderemos criar uma distopia ressonante em sintonia com o simulacro
da existência vitalícia de uma obra de arte antenada com a diversidade dos
novos tempos. Vai ser tão lindo que até faz os olhos brilharem com esperanças
liquidas.
Quando isso acontecer, aqueles escritores profissionais que
odeiam adjetivação vão lançar canetas, bolas de papel incendiárias, e uma profusão
de pronomes nominais, verbos transitivos diretos e indiretos, além de pragmatismos
absolutos. Mas quer saber de uma coisa? A modernidade dos tempos atuais vai
mostrar como são ridículas e retrógradas essas mentes minimalistas que não
entendem da boa e revigorante literatura que ultrapassa os limites do lugar
comum e reinventa de forma inusitada os paradigmas da realidade recriada sob a
perspectiva individual do artista criador.
Ou então as pessoas vão aprender interpretação de texto e
tornar esta narrativa diferente. Será?
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