terça-feira, 30 de maio de 2017

Uma ilha no meio de um lugar qualquer. - Danny Marks

          Se tem uma coisa que escritor iniciante adooora fazer é criar mundos. Não deve haver nada melhor no processo criativo do que criar, assim do nada, um mundo inteiro. Fauna, flora, sociedades, história, mitos e lendas, tudo no bater de uma tecla. É lindo, é maravilhoso, é tanta delicadeza e paz, tanta harmonia, mesmo que os corações trágicos anseiem pela guerra sem limites, exortados por odiosas mentiras daqueles fanáticos opositores da inacreditável e lúcida luminosidade que abrange todo o universo das pessoas de bem, preenchendo os seus corações com a coragem infinita que, por fim, há de vencer as agruras dos descaminhos da ignorância alheia com a força das espadas da justiça.
          Em Adjetivolândia é assim que as coisas acontecem, e tem coisas que até seu criador desconhece. Pense em um lugar especial onde as coisas ficam mais fáceis de serem assimiladas, talvez, em toda a sua profundidade. Espera, deixa tentar de forma diferente. Pense em um Mundo onde a lógica das coisas fosse bem mais simples, baseadas em adjetivos que permitiriam mais facilmente a interpretação de fatos escondidos nas sombras interpretativas.
          Quando conhecesse alguém bastaria identificar os adjetivos e pronto, já saberia tudo o que precisa saber daquela pessoa. Poderia entrar em um supermercado e vendo uma pessoa sentada atrás da caixa registradora saberia não apenas que ela é uma “caixa”, saberia muito mais, que é uma proletária mal paga, que não tem instrução suficiente para empregos melhores, que não se alimenta direito e vai engordar horrores, é mal-humorada e frustrada, e vai se casar (se já não for) com um outro proletário pobre e ter um monte de filhos remelentos que muito provavelmente vão cair no mundo do crime por não terem atenção necessária no lar. Não é fantástico?
Uma pessoa caixa de melhor qualidade vai saber se arrumar melhor, vai ser mais bonita, usar perfumes e maquiagens e ter um treinamento para atender com gentileza as pessoas, mesmo quando estiverem com cólicas menstruais e não, jamais vão ser do sexo masculino, no máximo, serão homossexuais.
          Tem aquelas pessoas que não são identificadas individualmente, só em grupos, ou bandos, depende de que lado você olha. Grupos são sempre organizados, tem objetivos definidos, podem até ter coreografia de movimentos ensaiados, música personalizada e bandeiras. Já os bandos têm isso tudo, mas pertencem ao lado oposto do seu olhar, não tem como errar. Olhou de lado, é bando, só quando se está junto ou olhando de frente, é grupo.
          Em Adjetivolândia o bom mesmo é ser famoso. É tudo de bom, só faz coisas boas, só usa as roupas certas, só tem sucesso e quem discorda é porque sente inveja. Melhor que isso só sendo Ídolo, que nesse caso ganha logo de cara uma legião de fãs, exército, séquito, seja qual o nome que estão dando no momento, cada vez que se cria um ídolo o nome muda. Enfim, ídolo é mega-blaster-hiper-super-fantástico modo de ser em adjetivolândia, porque não importa o que se faça, ou não se faça, vai ter muita gente defendendo até a morte o seu direito de fazer ou não fazer qualquer coisa, mitando sempre que uma coisa ou outra ocorrer.
          Claro que vão ter os adjetivos generalizantes que descrevem o caráter imediato através de uma intersecção de adjetivos generalizantes similares não excludentes, por exemplo.
          — Sabe aquele político?
          — Aquele bandido, famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita e esquerdopata?
          — Não, esse é o meu cunhado. Estou falando daquele bandido, famigerado, acéfalo, corrupto, hipócrita e facistóide. Doravante chamado apenas de Meu Patrão. Não é o máximo de bom? Já estou sentindo que as coisas vão melhorar com essa nova e dinâmica de visão de negócios voltados para o empreendedorismo engajado nas questões globais e culturais dos tempos modernos.
          — Ah, desculpa, é que para mim político é tudo igual, me confundi. Mas que maravilhosa perspectiva de futuro, agora então as coisas vão ficar de boas para o seu lado. Parabéns, já está usando o novo adjetivo?
          — Claro! Substituí o “trabalhador” por algo mais imponente e moderno. Agora sou “colaborador”, tem mais apelo mercadológico. Teve um monte de colegas que conseguiram virar “microempreendedores” com as novas diretrizes de cortes orçamentários e incentivos às carreiras individuais, mas para mim não foi desta vez.
          — Pois é, mas não liga não, quem sabe da próxima! Só toma cuidado que tem muito vagabundo disfarçado de progressista querendo passar a rasteira nas pessoas de bem, essa gente invejosa prolifera como porquinhos da índia em época de acasalamentos.
          Não é fácil criar um mundo perfeito. Mas se a gente se dedicar com vontade, esperar naquela tarde sombria que o vento sopre para o lado certo e os raios de sol trespassem as nuvens em luminosas lamparinas de ouro, então poderemos criar uma distopia ressonante em sintonia com o simulacro da existência vitalícia de uma obra de arte antenada com a diversidade dos novos tempos. Vai ser tão lindo que até faz os olhos brilharem com esperanças liquidas.
          Quando isso acontecer, aqueles escritores profissionais que odeiam adjetivação vão lançar canetas, bolas de papel incendiárias, e uma profusão de pronomes nominais, verbos transitivos diretos e indiretos, além de pragmatismos absolutos. Mas quer saber de uma coisa? A modernidade dos tempos atuais vai mostrar como são ridículas e retrógradas essas mentes minimalistas que não entendem da boa e revigorante literatura que ultrapassa os limites do lugar comum e reinventa de forma inusitada os paradigmas da realidade recriada sob a perspectiva individual do artista criador.

          Ou então as pessoas vão aprender interpretação de texto e tornar esta narrativa diferente. Será?

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