sexta-feira, 19 de maio de 2017

Distopia Made in Brazil – Danny Marks



          Que os brasileiros possuem uma criatividade sem limites, isso ninguém no mundo dúvida. Que a “malandragem” brasileira é sem precedentes, também não. Isso já foi cantado e difundido por todos os cantos deste pequeno planeta e tem, desde sempre, sido seu maior tesouro e pior veneno, afinal, a diferença é apenas uma questão moral e ética.
          O “colorido” brasileiro quebra a monotonia do “preto no branco” maniqueísta que está impregnado nas diversas culturas pelo mundo e que dificulta olhar soluções alternativas, criativas, para algum problema complexo. E muitas empresas ao redor do mundo perceberam isso, tanto que investem em especialistas brasileiros para achar soluções inéditas e inusitadas.
          Nós temos, provavelmente, os mais criativos geradores de narrativas do mundo todo. Então, por que o mercado literário nacional não decola? Talvez porque o brasileiro pense no curtíssimo prazo, no imediato, ao contrário de outros povos que tem uma visão mais ampla e necessária de continuidade.
          Veja, por exemplo, a construção de uma narrativa complexa que supera facilmente qualquer grande obra de Hollywood em termos de enredo (e podem até mesmo juntar vários em um) que não seria tão inteligente, criativa e inusitada: A Distopia Brasileira.
          Imagine uma distopia baseada em grupos políticos interessados em lucrar muito e rapidamente em um esquema que levaria anos para ser descoberto, se fosse. Ok, isso seria um péssimo plot se fosse montado do início. Seria necessária uma desconstrução a partir de um evento que chocaria o público logo de início e prenderia sua atenção chamando-o para a trama. Como fazer isso? Uma técnica simples deve bastar. Um escândalo político é descoberto e levado à público pela instituição responsável por investigar esses esquemas ilícitos.Nada melhor que a promessa de uma grande reviravolta para fazer o público se interessar logo de início.
          Tem que começar com uma bomba política, abalando reputações de pessoas que estão no poder e que possuem uma certa credibilidade entre os seus partidários. Ok, isso não é o suficiente para compor uma boa história, afinal seria apenas mais um “bem contra o mal” e no final todos esperariam que o bem triunfasse e pronto. O que falta? Se estamos falando em distopias, é preciso que haja uma conspiração. Conforme vão sendo levantados os fatos relevantes do escândalo, mais e mais pessoas vão sendo envolvidas.
          Que tal se colocarmos alguns elementos socioeconômicos? As reputações abaladas são de pessoas que representariam, ou deveriam, a parcela mais pobre da população que consiste em um grande eleitorado, já que estamos falando de um país em desenvolvimento. A parte econômica se daria pela inserção de empresas criadas dentro do esquema, que se tornariam gigantescas com lucros obtidos através de negócios escusos e propinas com o financiamento e aval dos membros do governo. E isso seria descoberto e levado à opinião pública gerando uma grande revolta entra e população. Ainda não está convincente? Então vamos acrescentar mais elementos.
          Para garantir que conseguiria os privilégios desejados, esses “empresários do mal” teriam financiado campanhas políticas de todos os partidos. Assim, não importando quem entrasse, estariam nas suas mãos. Que tal se houvesse um esquema entre as empresas “colaboradoras” do esquema, para que dividissem entre si as obras financiadas pelo governo, superfaturadas para incluir mesadas (sim, propinas mensais garantidas por anos) para os que aprovassem e outras para que não fossem denunciadas. Inverossímil? Bem, estamos falando de um esquema que vai crescendo durante anos e se infiltrando cada vez mais fundo. Que será desvelado em flashbacks investigativos e em ações no tempo real.
          Vamos colocar então algo que agite essa trama, está tudo muito embolado, é preciso dinâmica. Que tal grupos opositores, cientes do esquema todo, competindo entre si para serem os que recebem os maiores lucros, e para isso montam esquemas dentro de esquemas para construir um projeto de se manter no governo através de negociatas internas, enquanto para os eleitores se apresentam como opositores ferrenhos?
          Oito anos cada e todos seriam servidos, certo? Errado, estamos falando de pessoas que não tem escrúpulos e são gananciosas, viciadas em ganhar dinheiro fácil. Então começam a planejar um esquema para derrubar os que estão no comando, e ficar ainda mais tempo. Eliminar a concorrência ilícita, e assumir totalmente o controle com o “combate à corrupção”, dos outros. Basta uma traição aqui e ali e muitos sacrifícios pequenos, de membros não tão importantes assim “corrompidos” pelo esquema alheio.
          Mas o contra-ataque também ocorre e as coisas ficam meio neutralizadas, só que uma vez levantado o pano, outros elementos descobrem o esquema lucrativo e começam a ficar ambiciosos também. Então as empresas que ganhavam rios de dinheiro de forma fácil, passam a ser achacadas por todos os lados e resolvem revidar. Basta que comecem a revelar em delações premiadas os esquemas e assim, pouco a pouco, vão derrubando o esquema todo, enquanto conseguem vantagens legais pela delação e ainda conseguem segurar boa parte dos lucros que obtiveram ao longo do tempo (e aqui retornamos ao início com a operação já citada). Afinal, não é preciso entregar tudo e os próprios delatados teriam interesse em se manter calados, seja por vantagens adquiridas e posteriores ou por ameaça.
          Agora é preciso um plot twist, uma reviravolta. Que tal bagunçar ainda mais a coisa com outros elementos? Que tal construir narrativas indignadas, divulgadas pelas mídias, gerando heróis instantâneos (pessoas que fazem um trabalho honesto, e por isso se tornam um exemplo contra a corrupção), e fazem uso daquela área sombria dos procedimentos legais, jogando um lado corrupto contra o outro lado corrupto (afinal, isto é uma distopia, e até heróis tem que ser sombrios) aliciando exércitos através de fatos revelados sob um viés que os apresente para este ou aquele grupo, de forma a se identificarem.
          Mas espere, isso vai acabar derrubando o país em uma crise sem precedentes, seja política, seja econômica, seja social. Desencadear uma guerra civil gerando uma ditadura, o que seria ruim para todos. Então o que é preciso é deixar muitas lacunas, de forma a manter a tensão, mas também fazer com que as pessoas fiquem em dúvida sobre o que está acontecendo. Isso permitiria que os esquemas continuassem agindo em ambos os lados ocultos, ao mesmo tempo que “medidas saneadoras” estivessem ocorrendo. Algo como um truque de mágica. Olhe para uma das mãos enquanto a mágica acontece na outra. Narrativas convincentes com meias verdades seriam divulgadas abertamente pela própria imprensa ou por algum dos envolvidos em cadeia midiática nacional.
          É preciso lembrar que uma distopia tem que criar aquele clima de desesperança generalizada, de que as coisas são assim e não podem mudar. Para isso é preciso que a corrupção seja apresentada de forma tão generalizada que não há qualquer possibilidade de uma solução, pacífica ou não, porque só haveria uma substituição do Status Quo por outro semelhante, ou pior. Resta aos personagens escolher um lado e esperar que seja o menos pior. Lutar para conseguir uma vaga no esquema. Garantir que as coisas não mudem para algo muito mais estranho e ruim. Melhor ficar com os demônios conhecidos.
          Não, isso seria ridiculamente maniqueista e comum; cadê a criatividade? O melhor é fazer com que as Empresas, aquelas mesmas que se beneficiaram de todo o esquema e que entregaram os corruptos que aliciaram para se livrar deles, também comandem as massas de forma a que se crie um sentimento de que é possível se livrar dos bandidos (os políticos) e gerar uma nova moral (das empresas). Assim, basta interromper por algum tempo os esquemas de corrupção e o país volta a crescer normalmente (o que estava sendo impedido pelo próprio esquema) devido (e essa será a narrativa apresentada) aos heróis que criaram uma nova forma de governo, reformaram as leis e fizeram um esquema mais justo onde todos (menos os interessados) paguem um pouco pelo bem-estar comum. E a população, vendo políticos poderosos presos, com bens confiscados, repudiados publicamente, sentem-se com a alma lavada e voltam a fazer o que sempre fizeram, trabalhar cegamente.
          Claro que com o tempo todo o esquema anterior será esquecido, os presos podem ser beneficiados por algum outro acordo não divulgado e logo retornam aos seus lucros escondidos. As Empresas que ficaram bilionárias com os esquemas entregam parte dos lucros ilícitos, pagam multas vultosas aos olhos do público (mera parcela do que lucraram), pedem desculpas, e voltam a empregar pessoas porque afinal, não podemos parar a nação que já dá mostras de crescimento. E uma nova geração de corruptos, em um novo modelo, pode ser aos poucos fomentado deixando para os futuros livros de história as outras tramas.
          Mas, pode ser que o sucesso da primeira fase seja tão grandioso que seja necessário ter uma segunda temporada. Que tal se o próprio poder judiciário estiver infiltrado por corruptos que ocupem cargos significativos e que sejam obrigados a proteger com manobras legais descaradas e imorais os corruptos presos aos quais estão vinculados. Provocariam com isso uma guerra dentro das instituições, abalando as estruturas, colocando a população estarrecida em um êxtase imóvel, assistindo ao show de horrores que se tornaria o cenário político que determinaria o seu futuro, sem saber o que fazer, apático. Quantas reviravoltas seriam possíveis à partir daí? Juízes investigados? Ministros indiciados? Aviões que caem misteriosamente com importantes figuras de destaque nessa guerra? Acidentes vasculares imprevistos apesar dos anteriores quadros médicos perfeitos? Inúmeras possibilidades de descer ainda mais o nível e aumentar ainda mais a tensão da narrativa. Que tal um plot twist do tipo “O poder econômico global, vendo que o modelo brasileiro poderia ser copiado por políticos de outros países já envolvidos em corrupção, sentindo-se ameaçados, resolvem interferir na guerra a favor dos que querem derrubar o esquema e moralizar as coisas”? É preciso lembrar que é uma distopia, os interesses comandam, não os sentimentos, e o Brasil não é um país deslocado do mundo. As empresas que detém o controle dos políticos corruptos em outros países, poderiam se sentir ameaçadas se o esquema brasileiro se invertesse e seriam forçadas a agir com todo o poder que possuem. A Terceira Guerra Mundial não seria necessariamente com armas, embora possa haver conflitos armados localizados, mas seria no campo de batalha econômico, e o Brasil seria um dos pivôs dela.
          O sentimento de que a humanidade possa descer tão baixo, que não haja realmente heróis altruístas, que grupos de interesse possam se juntar com os supostos adversários para lucrar ainda mais com uma suposta guerra entre si, matando milhões no processo sem jamais serem incriminados de fato pelos seus atos, não é algo que o público vai esperar em uma narrativa, mas trata-se de uma distopia, é feita para apresentar o pior do pior possível. Pior que uma corrupção generalizada, é o sentimento de que, nem mesmo nós faríamos melhor, se houvesse oportunidade. Isso seria olhar para os nossos erros e ter que os admitir, exigindo uma atitude madura de superação.
          Por isso que não temos autores brasileiros fazendo narrativas de sucesso. Ninguém acreditaria que essas coisas poderiam ser reais e estar acontecendo em algum lugar do mundo. Nossas fantasias mais inacreditáveis, são justamente isso, inacreditáveis. Mas, somos os melhores em descobrir formas inusitadas de fazer as coisas, para o bem ou para o mal, maniqueisticamente falando. E talvez seja apenas isso que nos salve, afinal.

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