Em 1884, um brasileiro chamado de Machado de Assis,
publicava um texto intitulado de Igreja do Diabo. Neste, apresentava a ideia do
citado personagem do título para resolver o problema de que sempre se dava mal.
Faltava-lhe uma igreja que permitisse aos humanos exercerem de forma livre e
desimpedida a sua natureza sórdida, coibida pela ação daqueles que se alinhavam
em templos de natureza oposta. Com essa ideia em mãos, foi solicitar a Deus a
justiça da igualdade de direitos. Queria montar a sua igreja, e assim lhe foi
permitido.
133 anos após, no mesmo pais, em outra história, o que se
observa é o passo seguinte, a construção de um Pais do Diabo. A exemplo do que
foi solicitado anteriormente, o pedido foi de que, não apenas em um templo
fosse feito o que se tivesse vontade, mas em todo um país. Todos estariam
livres para fazer o que bem entendessem, por mais imoral ou ilegal que isso
fosse, não seriam punidos. E viva a liberdade de se ser o que é.
Impossível! Diriam alguns tolos, acrescentando que a moral
elevada é uma condição da natureza humana. Mas o que se viu foi exatamente o
que o Diabo esperava. Dada a liberdade com garantia de impunidade, a corrupção
se instalara facilmente. A princípio em pequenos gestos, tímidos. Um pequeno
engano aqui, um desvio moral ali, justificados pela necessidade ou pela
generalização. Todos mentem, quem ainda não percebeu isso?
Do menino que colava na hora da prova ao médico que comprou
os trabalhos em sites especializados, todos garantiram uma vida mais fácil com
os recursos necessários. Combatia-se o crime, é claro, aquele descarado, de
armas na mão. A venda de drogas ilícitas que degradavam rapidamente a ideia de
uma sociedade ordenada sob princípios mais elevados, estéticos. Roubar é algo
que prejudica a imagem, desviar recursos é um ato de inteligência. Matar com
disparos de armas ou bombas é um crime hediondo. Matar dezenas, milhares, por projetos
mal dimensionado que desabam, por falta de recursos desviados da saúde, apenas
um acidente não intencional.
O importante é ter a garantia de apoio daqueles que pensam
igual, alinhados em um discurso que os defende e os representa. E como não há
unidade de interesses, então é preciso criar representantes para estes,
defendidos com unhas, dentes, paus, pedras, bombas, balas de borracha ou de
chumbo, para garantir que a bandeira do que é moral e ético (o conjunto de
valores estabelecidos e reconhecidos por um grupo) seja defendido dos imorais (aqueles
que defendem discursos diferentes).
Criam-se times e torcidas que se confrontam. Criam-se
divisões polarizadas o suficiente para saber que há apenas dois lados, a seu
favor ou contra, sendo obvio qual que se deve se defender e ouvir, o outro deve
ser exterminado sumariamente, nem merece ocupar um lugar ao sol. Na verdade é a
causa das nuvens negras que tampam o seu sol. Essa é a lei.
A lei não deve beneficiar a todos, como assim defender
bandidos? Por isso mesmo que é necessário criar uma legião de defensores da lei
acima de tudo. E estes devem ser escolhidos entre aqueles que não compraram o
diploma. Devem ser expertos e inteligentes (sim, há uma diferença entre os
termos) para defender os que são bem-sucedidos daqueles que tentam usurpar seus
vencimentos exigindo igualdade de valores. Como assim, igualdade de valores? Os
que trabalharam duramente para criar esquemas ilícitos para ganhar mais devem
poder gozar dos resultados dos seus esforços em driblar a concorrência e
convencer com fortunas prometidas os que poderiam favorece-los.
Os vagabundos que nada fizeram, esperando que a lei os
beneficiasse, mamando nas tetas do populismo complacente com o ócio, não
merecem ser compensados por nada fazer. Ao contrário, devem pagar ainda mais
pela oportunidade de fazer parte do progresso, daqueles que realmente trabalham
para conquistar ainda mais lucros e tornar a nação e a família rica. É uma
questão de valores elevados que devem ser defendidos a todo custo.
É claro que para que haja um lado vencedor, deve ter um lado
perdedor. É a vida. O melhor adaptado sobrevive para lutar mais um dia.
Soldados morrem nas guerras, para isso são feitos soldados. Pessoas morrem
todos os dias, e ninguém nem fica sabendo, melhor morrer por uma causa, a minha.
É preciso garantir o futuro das próximas gerações de iguais, daqueles que
seguem os mesmos valores e, para alcança-los, fazer uso daquilo que aprenderam.
A vida é curta e cheia de perigos, mas é sempre melhor quando se pode olhar do
alto de uma montanha, de preferência de dinheiro, para as mazelas do mundo.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Essa é a
lei, garantida por um pelotão de fuzilamento judicial que serve aos que roubam
muito, porque roubar pouco é sinal de mediocridade e deve ser combatido. O
mundo é dos expertos, todos sabem. Garantir que apenas os expertos sobrevivam é
tornar o mundo melhor, mais humano. Afinal a humanidade é corrupta por sua
própria natureza, e só os fortes sobrevivem.
É claro que quando todos descobrem que roubar muito
compensa, e roubar pouco condena, começam a fazer uma concorrência desleal.
Agora não basta ser experto, tem que ser também articulado, garantir apoio para
os seus e garantir que não traiam os ideais que os fizeram fortes. Mas como
evitar trair quando a traição é parte do negócio? Traindo antes que seja
traído, é claro. Isso demonstra a habilidade em perceber quando a pirâmide vai
desabar e permite escapar com um belo acordo de delação que vai garantir grande
parte do lucro conquistado, pagando uma pequena propina à título de
ressarcimento por não ter incluído, antes, os novos aliados.
Com o mundo violento do jeito que está, é melhor viver em
uma prisão domiciliar, uma mansão conquistada com muito suor dos incompetentes,
garantindo uma escolta armada para impedir que os ludibriados tentem resgatar
de volta o que lhes foi tomado pela inação. A lei existe para ser cumprida,
desde que beneficie aqueles que as fazem e as mantém. E quem são esses senão
aqueles lideres visionários que perceberam que a condição humana é uma
incoerência absoluta, como declarado por Machado.
Bendito o pais que elege o Diabo do inferno que merece. Isso
fica claro a cada dia para este autor, que pretende incluir urgentemente no currículo
a habilidade absoluta em criar discursos que justifiquem qualquer coisa, de
forma a garantir um lugar de destaque nessa nova ordem a um custo
exorbitantemente justo pelo que é oferecido. E que todos digam Amém!
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