segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O Leva e Traz do seu Néscio - Danny Marks


          Se tem uma coisa que seu Néscio sabe, é levar e trazer. Desde que se aposentou (e nem queira descobrir o que ele fazia antes a menos que tenha todo o tempo do mundo a sua disposição), e virou taxista em São Paulo. A vida se resume em levar e trazer as pessoas. Quando não fica.
          Tem vezes que fica no ponto de taxi, só esperando a clientela ligar para marcar alguma jornada, e de vez em quando pegar alguns bicos, porque a prioridade é dos clientes. E cliente do Néscio ninguém leva, só ele. Até parece que se fica com algum sinal oculto, os taxis se aproximam, mas quando percebem que é cliente do Néscio, vão embora vazios e o jeito é ligar para ele, quando já não ligaram antes.
          O Néscio não tem agenda, o negócio dele é celular. Tem tudo no celular e na cabeça, desde o seu número de telefone até fotos que ele busca nas suas redes sociais para poder socializar melhor. Saber como está a sua mãe, o cachorro, o papagaio, a planta que levou para casa a semana passada.
          E aquela moça que se machucou outro dia? Trabalha para o senhor, não é? Já está recuperada? Quer que vá buscar no hospital quando tiver alta médica? Se precisar de fisioterapia pode ligar a qualquer hora do dia ou da noite que se tiver alguém no carro dou um jeito de despachar logo.
          O carro do Néscio não é um Uber, mas tem sempre um jornal para poder ler qualquer coisa, a opção é conversar com o Néscio sobre algum dos milhares de assuntos que ele domina, ou ouvi-lo falar sobre alguém que conhece. Tem também uma água, se precisar molhar a garganta, e um dropes de menta no bolso da calça para uma emergência.
          Um dia desses tendo esquecido de comprar o jornal, seu Néscio me empurrou a história de um outro cliente que levou ao meu oftalmologista. Era isso ou dropes de menta. Fiquei com a história.
          Tinha pego o tal cliente em casa e percebeu que estava com a vista ruim, claro que foi logo avisando do problema, e a pessoa disse que estava indo no oftalmologista, se ele sabia onde era. Assim que viu o endereço foi logo dizendo que já que tinha me levado lá, descreveu todo o consultório e o estacionamento que era pequeno, mas ele poderia ficar dando umas voltas para fazer hora e depois era só ligar que vinha buscar a pessoa para levar para casa.
          O Néscio é assim, leva e traz, não tem essa de fazer as coisas pela metade, mas como já sabia que o médico demorava para atender, era daqueles antigos que ficavam conversando com o paciente e fazendo exames e tudo, achou melhor ir no banheiro antes de iniciar a espera. Tudo bem deixar o taxi no estacionamento para clientes enquanto ia no banheiro, né?
          A recepcionista deixou, o que fazer, mandar se virar no carro? Há casos em que a civilização conspira para o seu próprio fim, mas tudo bem, indicou o local do alívio e continuou o seu trabalho que não incluía recepcionar taxistas.
          Para alegria do seu Néscio o consultório é daqueles que parecem Uber, tem café, cappuccino, chá, chocolate, agua e bolachas. Uma variedade bem grande de bolachas, todas ótimas, pode acreditar, experimentou pelo menos duas de cada para ter certeza. Se tivesse um pãozinho era melhor, quem sabe até alguns daqueles tabletinhos com manteiga ou geleia. Sempre tem nos hotéis de luxo, mas consultório, já viu, né?
          Nisso, entre uma bolacha e outro café, aparece o médico e é claro que seu Néscio não perde a oportunidade de fazer o social, afinal quem lida com o público a tantos anos como ele, tem que saber fazer um social, né?
          O senhor lembra de mim? Trouxe aquele cliente outro dia aqui. Isso o da pasta marrom. Administrador, exatamente, ótima pessoa, cliente antigo. Hoje não, trouxe aquele ali. Por falar nisso, vai demorar mais ou menos quanto tempo? É que se for logo nem fico dando volta, a menos que possa deixar o taxi no estacionamento.
          Tive que descer, aqueles dias que São Camilo, o protetor dos usuários de taxi faz com que o transito esteja bom e se chega rápido ao destino. Nem deu tempo de perguntar o nome do outro cliente, mas anotei na minha agenda para mudar de oftalmologista ou ir com carro próprio, no próximo ano, quando for obrigado a voltar lá.
          Creio que o outro cliente é o mesmo senhor que anda fazendo uma forte campanha para que legalizem o Uber em São Paulo ou, pelo menos, que coloquem aquelas barreiras entre os bancos dos taxis, a prova de balas e só com uma pequena abertura para passar o dinheiro. Tudo para que o seu Néscio continue levando e trazendo as pessoas em paz.

          Achei um pouco exagerado, a princípio, mas depois fiquei pensando a respeito e até estou tentado a confirmar o nome do cliente, só para ter certeza que é o mesmo ou se já criaram uma associação de clientes do seu Néscio. Acredito que vale a pena andar algumas quadras de taxi para poder assinar a lista da petição para o governador. Mas não conte para o Néscio, deixe que seja uma surpresa, ele merece.

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