Se tem uma coisa que seu Néscio sabe, é levar e trazer.
Desde que se aposentou (e nem queira descobrir o que ele fazia antes a menos
que tenha todo o tempo do mundo a sua disposição), e virou taxista em São Paulo.
A vida se resume em levar e trazer as pessoas. Quando não fica.
Tem vezes que fica no ponto de taxi, só esperando a
clientela ligar para marcar alguma jornada, e de vez em quando pegar alguns
bicos, porque a prioridade é dos clientes. E cliente do Néscio ninguém leva, só
ele. Até parece que se fica com algum sinal oculto, os taxis se aproximam, mas
quando percebem que é cliente do Néscio, vão embora vazios e o jeito é ligar
para ele, quando já não ligaram antes.
O Néscio não tem agenda, o negócio dele é celular. Tem tudo
no celular e na cabeça, desde o seu número de telefone até fotos que ele busca
nas suas redes sociais para poder socializar melhor. Saber como está a sua mãe,
o cachorro, o papagaio, a planta que levou para casa a semana passada.
E aquela moça que se
machucou outro dia? Trabalha para o senhor, não é? Já está recuperada? Quer que
vá buscar no hospital quando tiver alta médica? Se precisar de fisioterapia
pode ligar a qualquer hora do dia ou da noite que se tiver alguém no carro dou
um jeito de despachar logo.
O carro do Néscio não é um Uber, mas tem sempre um jornal
para poder ler qualquer coisa, a opção é conversar com o Néscio sobre algum dos
milhares de assuntos que ele domina, ou ouvi-lo falar sobre alguém que conhece.
Tem também uma água, se precisar molhar a garganta, e um dropes de menta no
bolso da calça para uma emergência.
Um dia desses tendo esquecido de comprar o jornal, seu Néscio
me empurrou a história de um outro cliente que levou ao meu oftalmologista. Era
isso ou dropes de menta. Fiquei com a história.
Tinha pego o tal cliente em casa e percebeu que estava com
a vista ruim, claro que foi logo avisando do problema, e a pessoa disse que
estava indo no oftalmologista, se ele sabia onde era. Assim que viu o endereço
foi logo dizendo que já que tinha me levado lá, descreveu todo o consultório e
o estacionamento que era pequeno, mas ele poderia ficar dando umas voltas para
fazer hora e depois era só ligar que vinha buscar a pessoa para levar para
casa.
O Néscio é assim, leva e traz, não tem essa de fazer as
coisas pela metade, mas como já sabia que o médico demorava para atender, era
daqueles antigos que ficavam conversando com o paciente e fazendo exames e
tudo, achou melhor ir no banheiro antes de iniciar a espera. Tudo bem deixar o
taxi no estacionamento para clientes enquanto ia no banheiro, né?
A recepcionista deixou, o que fazer, mandar se virar no
carro? Há casos em que a civilização conspira para o seu próprio fim, mas tudo
bem, indicou o local do alívio e continuou o seu trabalho que não incluía
recepcionar taxistas.
Para alegria do seu Néscio o consultório é daqueles que
parecem Uber, tem café, cappuccino, chá, chocolate, agua e bolachas. Uma
variedade bem grande de bolachas, todas ótimas, pode acreditar, experimentou
pelo menos duas de cada para ter certeza. Se tivesse um pãozinho era melhor,
quem sabe até alguns daqueles tabletinhos com manteiga ou geleia. Sempre tem
nos hotéis de luxo, mas consultório, já viu, né?
Nisso, entre uma bolacha e outro café, aparece o médico e é
claro que seu Néscio não perde a oportunidade de fazer o social, afinal quem
lida com o público a tantos anos como ele, tem que saber fazer um social, né?
O senhor lembra de mim? Trouxe aquele cliente outro dia
aqui. Isso o da pasta marrom. Administrador, exatamente, ótima pessoa, cliente
antigo. Hoje não, trouxe aquele ali. Por falar nisso, vai demorar mais ou menos
quanto tempo? É que se for logo nem fico dando volta, a menos que possa deixar
o taxi no estacionamento.
Tive que descer, aqueles dias que São Camilo, o protetor
dos usuários de taxi faz com que o transito esteja bom e se chega rápido ao
destino. Nem deu tempo de perguntar o nome do outro cliente, mas anotei na
minha agenda para mudar de oftalmologista ou ir com carro próprio, no próximo
ano, quando for obrigado a voltar lá.
Creio que o outro cliente é o mesmo senhor que anda fazendo
uma forte campanha para que legalizem o Uber em São Paulo ou, pelo menos, que
coloquem aquelas barreiras entre os bancos dos taxis, a prova de balas e só com
uma pequena abertura para passar o dinheiro. Tudo para que o seu Néscio
continue levando e trazendo as pessoas em paz.
Achei um pouco exagerado, a princípio, mas depois fiquei
pensando a respeito e até estou tentado a confirmar o nome do cliente, só para
ter certeza que é o mesmo ou se já criaram uma associação de clientes do seu Néscio.
Acredito que vale a pena andar algumas quadras de taxi para poder assinar a
lista da petição para o governador. Mas não conte para o Néscio, deixe que seja
uma surpresa, ele merece.
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