quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Azeitona com Caroço - Danny Marks


          Tem aqueles momentos em que algo arranca você das suas mais profundas e relaxantes reflexões e o lança em um caos. Aconteceu comigo quando me deparei com o imenso aviso amarelo, com letras pretas em caixa alta: NOSSA EMPADA DE PALMITO CONTEM AZEITONA COM CAROÇO.
          Não há como ficar isento depois de um quase nocaute intelectual desses, e nem estou falando da ausência do acento agudo que deveria estar contido também. A mente se recusa a aceitar o que está sendo visto, isso é um verdadeiro absurdo. Como assim?
          Os óculos redondos, com ar intelectual, que estava logo abaixo do aviso, desafia para o duelo. Apresente suas armas. Tudo bem, vamos começar com um tiro de aviso. Empadas de palmito tem que conter palmitos, não azeitonas ou seriam empadas de azeitonas, não de palmito.
          Fraco — Ri os óculos, o que me deixa apenas mais indignado. Então vai ser assim, nenhuma suavidade no trato, nenhuma delicadeza a mais. Pois bem, que seja. O negócio é o seguinte, destaca-se apenas conteúdos perigosos quando oferecem perigo para determinadas pessoas. Então deveria avisar “contém glúten”, ou ovos, ou leite, ou qualquer outro componente que possa causar risco à saúde dos que não estão devidamente avisados.
          Então – responde os óculos com ar superior, o sorriso esboçado no canto da armação – caroços de azeitona fazem mal aos dentes, daí o aviso.
          Não tem jeito, a guerra está declarada. Às favas com a delicadeza. Ao contrário dos ovos, leite, glúten que não podem ser simplesmente retirados do conteúdo sem alterar significativamente a composição, o mesmo não ocorre com caroços que só existem na natureza como uma tentativa de perpetuação da espécie, sendo o invólucro apetecível justamente como estratégia dessa propagação.
          Exatamente. Caroço e azeitona fazem parte naturalmente de uma estratégia da natureza. Nascem juntos, crescem e cumprem seu objetivo até que sejam separados na degustação que lhes foi prevista de forma natural. O que deus uniu, o homem não separe.
          Agora ultrapassou o limite da aberração, juntar argumentos que fogem completamente à lógica é um sinal de falhas graves no entendimento da situação, ou então é um deboche declarado, que exige uma resposta à altura.
          O homem, criatura de deus, inventou a tecnologia que o separa do resto dos animais e lhe permite criar coisas como industrialização de azeitonas sem caroço e empadas de palmito, sem que se tenha que levar a arvore junto. Já sinto um embaçamento das lentes. Cogito ergo sum, e engula esse caroço agora.
          Não engole. Arqueia uma das hastes em um claro gesto de ameaça. Industrialização que aumenta os custos dos produtos comercializados e que acabam sendo repassados para a cadeia produtiva até chegar ao consumidor final. Reduzir os custos é uma forma de minimizar para o consumidor o impacto de ter que digerir o preço que, de outra forma, acabaria ficando salgado.
          Não me atinge, estava preparado para o ataque. Descaroçador manual, custa quase nada e, pela mesma lógica de agregar valor ao palmito com o acréscimo da azeitona, agrega valor pela retirada do caroço da mesma. Xeque-mate, triunfante declaro. Não há como reverter a situação. Apenas desvia a luz e se cala.
          Aproximo-me e declaro: Uma empada de frango, por favor. Detesto palmito, prefiro algo com mais proteína, a vida alimentando a vida. Toda batalha acaba dando fome, que afinal é justamente o motivo para que hajam batalhas. Dou uma dentada cuidadosa para evitar o maldito caroço, vencido, mas arrogantemente escondido em sua insignificância. Não encontro nada.

          Como assim não tem azeitonas na empada de frango? NEM COM CAROÇO!?

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