Tem aqueles momentos em que algo arranca você das suas mais
profundas e relaxantes reflexões e o lança em um caos. Aconteceu comigo quando
me deparei com o imenso aviso amarelo, com letras pretas em caixa alta: NOSSA
EMPADA DE PALMITO CONTEM AZEITONA COM CAROÇO.
Não há como ficar isento depois de um quase nocaute
intelectual desses, e nem estou falando da ausência do acento agudo que deveria
estar contido também. A mente se recusa a aceitar o que está sendo visto, isso
é um verdadeiro absurdo. Como assim?
Os óculos redondos, com ar intelectual, que estava logo
abaixo do aviso, desafia para o duelo. Apresente suas armas. Tudo bem, vamos
começar com um tiro de aviso. Empadas de palmito tem que conter palmitos, não
azeitonas ou seriam empadas de azeitonas, não de palmito.
Fraco — Ri os óculos, o que me deixa apenas mais indignado.
Então vai ser assim, nenhuma suavidade no trato, nenhuma delicadeza a mais.
Pois bem, que seja. O negócio é o seguinte, destaca-se apenas conteúdos perigosos
quando oferecem perigo para determinadas pessoas. Então deveria avisar “contém
glúten”, ou ovos, ou leite, ou qualquer outro componente que possa causar risco
à saúde dos que não estão devidamente avisados.
Então – responde os óculos com ar superior, o sorriso
esboçado no canto da armação – caroços de azeitona fazem mal aos dentes, daí o
aviso.
Não tem jeito, a guerra está declarada. Às favas com a
delicadeza. Ao contrário dos ovos, leite, glúten que não podem ser simplesmente
retirados do conteúdo sem alterar significativamente a composição, o mesmo não
ocorre com caroços que só existem na natureza como uma tentativa de perpetuação
da espécie, sendo o invólucro apetecível justamente como estratégia dessa
propagação.
Exatamente. Caroço e azeitona fazem parte naturalmente de
uma estratégia da natureza. Nascem juntos, crescem e cumprem seu objetivo até
que sejam separados na degustação que lhes foi prevista de forma natural. O que
deus uniu, o homem não separe.
Agora ultrapassou o limite da aberração, juntar argumentos
que fogem completamente à lógica é um sinal de falhas graves no entendimento da
situação, ou então é um deboche declarado, que exige uma resposta à altura.
O homem, criatura de deus, inventou a tecnologia que o
separa do resto dos animais e lhe permite criar coisas como industrialização de
azeitonas sem caroço e empadas de palmito, sem que se tenha que levar a arvore
junto. Já sinto um embaçamento das lentes. Cogito ergo sum, e engula esse
caroço agora.
Não engole. Arqueia uma das hastes em um claro gesto de
ameaça. Industrialização que aumenta os custos dos produtos comercializados e
que acabam sendo repassados para a cadeia produtiva até chegar ao consumidor
final. Reduzir os custos é uma forma de minimizar para o consumidor o impacto
de ter que digerir o preço que, de outra forma, acabaria ficando salgado.
Não me atinge, estava preparado para o ataque. Descaroçador
manual, custa quase nada e, pela mesma lógica de agregar valor ao palmito com o
acréscimo da azeitona, agrega valor pela retirada do caroço da mesma.
Xeque-mate, triunfante declaro. Não há como reverter a situação. Apenas desvia
a luz e se cala.
Aproximo-me e declaro: Uma empada de frango, por favor.
Detesto palmito, prefiro algo com mais proteína, a vida alimentando a vida.
Toda batalha acaba dando fome, que afinal é justamente o motivo para que hajam
batalhas. Dou uma dentada cuidadosa para evitar o maldito caroço, vencido, mas
arrogantemente escondido em sua insignificância. Não encontro nada.
Como assim não tem azeitonas na empada de frango? NEM COM
CAROÇO!?
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