segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

OLHOS AZUIS - Lariel Frota


(Texto concorrente do Concurso Os Retratos da Mente)
 

           É um lugar insalubre de causar repulsa, escuro e pouco iluminado.  O cheiro forte de urina impregna o ambiente, a mistura de vários   odores desagradáveis  agridem até mesmo  os olfatos menos sensíveis.
          Nenhuma descrição por mais minuciosa conseguiria definir com exatidão o triste espetáculo de  corpos amontoados,  olhares perdidos  em direção a um ponto qualquer. Do canto da cela imunda, ouve-se  um fraco gemido.   Alguém respira  com dificuldade,  encolhido,   jogado no chão úmido  da cela miserável,   aquele homem de mãos e pés enormes  parece um animal abatido em  desesperada agonia, apresenta sinais claros de violência, o rosto deformado pelo inchaço,   a boca retorcida   deixa a mostra  um filete de sangue escuro e pegajoso, onde uma mosca  se banqueteia  sem ser incomodada por ninguém.
       Tudo nesse lugar tem cheiro de  morte, destruição,  indignidade.  Impossível  acreditar que seja um local construído para regenerar seres humanos, reintegrá-los à sociedade.
                                                        (...)
       Do   passado não muito distante  se observa a  cidade em festa, em poucos dias será natal. Vitrines coloridas,  iluminadas  atraem os olhares de todos. O trânsito está um caos, centenas de veículos trafegando em velocidade reduzida, pedestres driblando todo tipo de dificuldades  esbarram  uns nos outros. Tropeçam,  se enroscam,  desviam dos entregadores que  fazem acrobacias transportando  dezenas de volumes. Há uma pressa uma ansiedade de todos querendo chegar cada um a seu destino, carregam sacolas, pacotes, embrulhos coloridos  volumosos ou não, freneticamente envolvidos nesse maluco clima de  insana   euforia natalina.
            De dentro do automóvel reluzente parado no semáforo,  um par de olhos absurdamente azuis a tudo observa extasiado, não deve ter mais de cinco anos, cabelos claros sedosos e brilhantes,  em cachinhos caindo  em cascata,  cobrindo a testa de pele rosada. Através da janela entreaberta  parece absorver cada detalhe da  balburdia toda. Sorri para o papai Noel,  que da  vitrine iluminada lhe acena mecanicamente com gestos repetitivos.  Na sua inocência privilegiada quer olhar  tudo, acredita realmente que há uma festa  acontecendo lá fora,  que de fato existe um mundo lindo, colorido, iluminado,  que é verdadeira a onda   contagiante   de alegria  que o cerca.
             Na calçada  com  enormes pés pobremente calçados, um outro par de olhos também observa ao redor. Não são azuis, nem dourado e sedoso é  o cabelo carapinha. Embora  também criança já tem consciência de  que não faz  parte da festa que o cerca.  Não carrega  pacotes ou  brinquedos, caminha só em meio a multidão à procura de algo que não sabe bem o que seja. Tem  uma certeza, não faz parte do mundo iluminado e festivo, a pobreza e    miséria há muito lhe roubaram  a inocência. Há uma  adulta  certeza  em seu modo de olhar, as mãos e os pés são grandes,  longas  pernas e braços, é bem crescido para a idade. Seria com certeza no futuro, se o presente deixasse,  um  grande atleta.
Da  janela  do  confortável automóvel percebe uma pequena mão acenando. Aproxima-se rápido,   seus olhos por uma fração de segundo  se  encontram com  o par de  olhos claros, tão incrivelmente   azuis como  céu sem nuvens de chuva, nunca vira antes um olhar assim. Surpreso percebe que  pelo vidro entreaberto  a mão de pele rosada   tenciona lhe entregar alguma coisa. Com o coração acelerado vê  um enorme pirulito multicolorido envolto em papel celofane amarelo, amarrado a pequena haste de madeira um carrinho de plástico azul. Quase incrédulo  e feliz apanha o inesperado presente. 
É um instante  de pura magia, uma inexplicável fagulha de tempo, a misteriosa intensidade  de uma fração de segundos  em que acontece  um impensado  encontro de olhares, um tocar de mãos  diferentes na cor, na textura da pele, nas histórias de vidas que contam.
      A luz verde  do semáforo  ascende,  o vidro fechado às pressas o carro acelerando,  fugindo de um perigo neste momento  tão irreal . O garoto  na calçada   por um breve instante esquece o gosto amargo da  pobreza em que vive.     Feliz com o inesperado  presente,  não sente fome, nem sede, nem mesmo  o escaldante calor o incomoda. No meio de tanta amargura,  degusta com prazer raramente sentido  o sabor do doce recebido do estranho garoto de olhos claros.  Da vitrine festiva  o velho Noel travestido em vermelho  continua acenando em sua plastificada   alegria de gestos  mecânicos.  Com as  mãos lambuzadas de doce,  o garoto  de rua   observa que azuis, também muito azuis,  são os olhos vazios de vida  do  velho de  barbas brancas, sentado em sua poltrona de  veludo carmim  desbotado.
                                           ...........................
-E aí mano, te acertaram feio, fala aí meu, tá zoado?
-Deixa o sujeito quieto, levou muita  porrada na caxola,  deve ta  viajando longe, daqui uns dia ou melhora ou morre, enquanto isso vamu respeita o estado do disgraçado.
-Mas o que foi que o cara apronto pra apanha dessi jeito meu? Dedurou algum irmão?
-Dedurá  num deduro, mais istrago o serviço que era dus bão, grana de responsa, na maior moleza, na hora do vamu vê, o bandido afino, tem que apanha pra aprende né mano? Tem que ficá isperto, quem num tem cumpetência num si istabeleci, conheci o ditado?
- Como foi a fita?
-Tava tudo combinado, levantamo a ficha do bacana, família montada numa grana boa,  filho único  de advogado famoso,   vivia  dando mole no carro importado, era pega o garoto sigura um pouco na moleza, sem violência, pedi u resgati, tava tudo certo até  o mocó onde o play boy  ia fica guardado,  tudo nos conforme!
-Daí?
-Daí iscolhemu o negão aí, o Mão Grande  pra da o bote.  Só o tamanho da cara já impõe respeito, quase nem precisa de arma,   na hora “ h” o cara  arregô, olhou pro play boy  de olho azul começo a treme,  pior ajudou o bacana  a fugi, já viu uma  istória dessa? Chegou us home, rodou todo mundo, aí já viu, os mano num perdoa, bandido num tem diretu di vacila....mas eu fico pensando: vai sabe o que passou pela cabeça do comédia aí.....
-É isso aí mano, vai sabe!!!!!!
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