(Texto concorrente do Concurso Os Retratos da Mente)
É um lugar insalubre de causar
repulsa, escuro e pouco iluminado. O
cheiro forte de urina impregna o ambiente, a mistura de vários odores desagradáveis agridem até mesmo os olfatos menos sensíveis.
Nenhuma descrição por mais minuciosa
conseguiria definir com exatidão o triste espetáculo de corpos amontoados, olhares perdidos em direção a um ponto qualquer. Do canto da
cela imunda, ouve-se um fraco
gemido. Alguém respira com dificuldade, encolhido,
jogado no chão úmido da cela
miserável, aquele homem de mãos e pés
enormes parece um animal abatido em desesperada agonia, apresenta sinais claros
de violência, o rosto deformado pelo inchaço,
a boca retorcida deixa a
mostra um filete de sangue escuro e
pegajoso, onde uma mosca se
banqueteia sem ser incomodada por
ninguém.
Tudo nesse lugar tem cheiro de morte, destruição, indignidade.
Impossível acreditar que seja um
local construído para regenerar seres humanos, reintegrá-los à sociedade.
(...)
Do
passado não muito distante se
observa a cidade em festa, em poucos
dias será natal. Vitrines coloridas,
iluminadas atraem os olhares de
todos. O trânsito está um caos, centenas de veículos trafegando em velocidade
reduzida, pedestres driblando todo tipo de dificuldades esbarram
uns nos outros. Tropeçam, se
enroscam, desviam dos entregadores
que fazem acrobacias transportando dezenas de volumes. Há uma pressa uma
ansiedade de todos querendo chegar cada um a seu destino, carregam sacolas,
pacotes, embrulhos coloridos volumosos
ou não, freneticamente envolvidos nesse maluco clima de insana
euforia natalina.
De
dentro do automóvel reluzente parado no semáforo, um par de olhos absurdamente azuis a tudo
observa extasiado, não deve ter mais de cinco anos, cabelos claros sedosos e
brilhantes, em cachinhos caindo em cascata,
cobrindo a testa de pele rosada. Através da janela entreaberta parece absorver cada detalhe da balburdia toda. Sorri para o papai Noel, que da
vitrine iluminada lhe acena mecanicamente com gestos repetitivos. Na sua inocência privilegiada quer olhar tudo, acredita realmente que há uma
festa acontecendo lá fora, que de fato existe um mundo lindo, colorido,
iluminado, que é verdadeira a onda contagiante
de alegria que o cerca.
Na calçada
com enormes pés pobremente
calçados, um outro par de olhos também observa ao redor. Não são azuis, nem
dourado e sedoso é o cabelo carapinha.
Embora também criança já tem consciência
de que não faz parte da festa que o cerca. Não carrega
pacotes ou brinquedos, caminha só
em meio a multidão à procura de algo que não sabe bem o que seja. Tem uma certeza, não faz parte do mundo iluminado
e festivo, a pobreza e miséria há
muito lhe roubaram a inocência. Há
uma adulta certeza
em seu modo de olhar, as mãos e os pés são grandes, longas
pernas e braços, é bem crescido para a idade. Seria com certeza no
futuro, se o presente deixasse, um grande atleta.
Da janela do
confortável automóvel percebe uma pequena mão acenando. Aproxima-se
rápido, seus olhos por uma fração de
segundo se encontram com
o par de olhos claros, tão
incrivelmente azuis como céu sem nuvens de chuva, nunca vira antes um
olhar assim. Surpreso percebe que pelo
vidro entreaberto a mão de pele rosada tenciona lhe entregar alguma coisa. Com o
coração acelerado vê um enorme pirulito
multicolorido envolto em papel celofane amarelo, amarrado a pequena haste de
madeira um carrinho de plástico azul. Quase incrédulo e feliz apanha o inesperado presente.
É um instante de pura magia, uma
inexplicável fagulha de tempo, a misteriosa intensidade de uma fração de segundos em que acontece um impensado
encontro de olhares, um tocar de mãos
diferentes na cor, na textura da pele, nas histórias de vidas que contam.
A luz verde do semáforo
ascende, o vidro fechado às
pressas o carro acelerando, fugindo de
um perigo neste momento tão irreal . O
garoto na calçada por um breve instante esquece o gosto amargo
da pobreza em que vive. Feliz com o inesperado presente,
não sente fome, nem sede, nem mesmo
o escaldante calor o incomoda. No meio de tanta amargura, degusta com prazer raramente sentido o sabor do doce recebido do estranho garoto
de olhos claros. Da vitrine festiva o velho Noel travestido em vermelho continua acenando em sua plastificada alegria de gestos mecânicos.
Com as mãos lambuzadas de doce, o garoto
de rua observa que azuis, também
muito azuis, são os olhos vazios de vida do
velho de barbas brancas, sentado
em sua poltrona de veludo carmim desbotado.
...........................
-E aí mano, te acertaram feio, fala aí meu,
tá zoado?
-Deixa o sujeito quieto, levou muita porrada na caxola, deve ta
viajando longe, daqui uns dia ou melhora ou morre, enquanto isso vamu
respeita o estado do disgraçado.
-Mas o que foi que o cara apronto pra apanha
dessi jeito meu? Dedurou algum irmão?
-Dedurá
num deduro, mais istrago o serviço que era dus bão, grana de responsa,
na maior moleza, na hora do vamu vê, o bandido afino, tem que apanha pra
aprende né mano? Tem que ficá isperto, quem num tem cumpetência num si
istabeleci, conheci o ditado?
- Como foi a fita?
-Tava tudo combinado, levantamo a ficha do
bacana, família montada numa grana boa,
filho único de advogado
famoso, vivia dando mole no carro importado, era pega o
garoto sigura um pouco na moleza, sem violência, pedi u resgati, tava tudo
certo até o mocó onde o play boy ia fica guardado, tudo nos conforme!
-Daí?
-Daí iscolhemu o negão aí, o Mão Grande pra da o bote. Só o tamanho da cara já impõe respeito, quase
nem precisa de arma, na hora “ h” o
cara arregô, olhou pro play boy de olho azul começo a treme, pior ajudou o bacana a fugi, já viu uma istória dessa? Chegou us home, rodou todo
mundo, aí já viu, os mano num perdoa, bandido num tem diretu di vacila....mas
eu fico pensando: vai sabe o que passou pela cabeça do comédia aí.....
-É isso aí mano, vai sabe!!!!!!
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