Dormiu sem se dar conta, não consegue controlar o corpo, a única
parte que sabe lhe pertencer é o joelho esquerdo, embora confusa,
completamente fora do comando de tudo, a dor está lá, aguda, insistente,
irritante.
Esforça-se pra manter os olhos
abertos, as pálpebras estão pesadas. Demasiadamente sonolenta perambula
entre a semi consciência e o sono forçado. Isso comprova, deve estar vivendo
o primeiro estágio pós-morte. Certamente daqui a algum tempo vai entrar alguém
vestindo um manto longo com um livro enorme na mão para fazer os acertos
finais, ou seriam iniciais?
Que se recorde não cometera lá muitos
pecados durante sua existência. Uma escorregada aqui, outra acolá, alguns
pequenos deslizes consequências da fragilidade humana, mas nada que comprometa
seu currículo de vida ou seria de morte, pós vida quem sabe?
Apesar da certeza dos seus atos
vividos, está batendo insegurança. Teria cometido alguma falta grave
durante sua passagem pelo planeta? Quem l estaria incumbido de fazer os
acertos, a prestação de contas?
Lembra da avó na infância
distante falando sobre o zelo com as coisas de Deus, dos temíveis
pecados da carne, dos conselhos e alertas dados ao pé do ouvido quando
ainda estava saindo das fraldas.
-Preste atenção no que a vovó vai
falar, nunca, nunca mesmo deixe ninguém baixar sua calcinha até o joelho.
Ninguém deve fazer isso, depois do xixi chame a vovó combinado?
Era muito pequena, mas lembra que
seguia os conselhos ao pé da letra, só deixava a avó levantar sua calcinha. Se
qualquer outra pessoa o tentasse, abria um berreiro.
Porque lembranças tão remotas? Talvez
seja a consciência de que não foi assim tão fiel aos conselhos da velha
querida. Gostara da sensação do leve roçar dos joelhos nos primeiros abraços
com o namorado. Também permitira, tempos depois, sem nenhuma resistência
que, na manhã ensolarada da cidade praiana, a despisse no começo da
lua de mel.
Menina não despreze os conselhos
Daqueles que te querem bem,
Zela pelo que tens entre os joelhos
Cuidado com o vai e vem!!!!
Teria exagerado? Onde
está o limite entre o certo e o errado, o excesso ou o equilíbrio
nessa questão? Seria a dor intermitente no joelho uma prova de que está
sendo punida pelas transgressões cometidas?
Começa a ouvir vozes, sussurros à distância. Seriam os julgadores
decretando a sentença final?
Consegue visualizar a figura que se aproxima conversando com um grupo de
pessoas, todas vestidas com um manto escuro, com capuz que cobre a metade dos
rostos, só consegue identificar o padre Betinho, falecido há alguns anos;
então é certo, morreu e vai começar seu julgamento. Tenta chamar a
atenção do vigário, uma sonolência incontrolável a arrebata
novamente.
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