Existem muitas Literaturas e a cada momento muitas outras
são criadas, mas, talvez, a função mais comum entre estas formas é a da
quadridimensionalidade representativa. Sim, é uma palavra difícil de se ler e
seu sentido, embora aparentemente simples, é complexo em suas implicações.
Quando falamos em quatro dimensões estamos usando os elementos comuns à
ciência: a largura, a altura, a profundidade e o tempo. Estes elementos, como
todas as outras formas de conhecimento representativo, ultrapassam as
fronteiras onde são descritos e trespassam, no sentido de interagir, com outros
conhecimentos e elementos.
Quando usamos a quadridimensionalidade na Literatura queremos
dizer que uma boa literatura é um retrato em quatro dimensões psicológicas de
uma sociedade, de um momento dado, de uma situação específica que ganhou importância
para o autor e para os leitores que o sucederam e que ganhou perspectivas
próprias. Assim é possível através da Literatura ter uma representação melhor,
não apenas das roupas e costumes de um determinado grupo representado em um
texto, mas também a dimensão não explicita dos sentimentos envolvidos nesses
relacionamentos, as escolhas e consequências em uma linha temporal dada.
Podemos recriar na mente essas situações descritas que podem ser extremamente
agradáveis ou incômodas, de acordo com as intencionalidades que o texto possui
e, como se sabe, não existem textos ingênuos em Literatura.
Por esse motivo me vejo obrigado, diante da situação
Global, de tocar em um assunto que, se pudesse, manteria apenas no nível
ficcional como alerta a possíveis desvios da sociedade, em uma distopia que,
apesar de apresentar o lado mais obscuro do humano, apresenta explicitamente ou
implicitamente (pela advertência prévia) uma esperança de que as coisas vão
ficar melhor do que o que foi retratado. Isso porque a tendência natural da Vida
é a superação e é a única forma de fugir do resultado trágico, quando não é
alcançada. Superamos mesmo quando, apesar de não sobreviver aos danos, nos
mantemos vivos nos ideais que defendemos e que sustentarão e melhorarão a vida
dos que nos sucederem.
Entropia é a palavra que a ciência usa para a morte pela
falta de energia para agir, a decadência máxima do Universo que só pode ser
combatida pela ação positiva, pela recusa em deixar as coisas seguirem o seu “curso
natural” de derrocada, que todos vivenciamos no envelhecimento. A Vida luta
constantemente para se manter ativa e usa de todos os recursos disponíveis para
superar-se seguindo as regras naturais. Então é bobagem dizer que a decadência
é natural e que a busca pela superação constante é antinatural. A dinâmica
desse movimento é complementar, é preciso que haja uma decadência para que se
produza a energia necessária para se contrapor a ela, afinal, a energia não
pode ser destruída no nosso universo, apenas paralisada, impedida de ser
utilizada de alguma forma causando o efeito de Entropia.
Ok, me perguntarão onde quero chegar ao linkar o Momento Atual
Global e essa ladainha sobre entropia, perda de capacidade de movimentar a
energia e a Literatura. A reposta não é simples, como todos os movimentos
acabam sendo complexos quando vistos no contexto absoluto em que se desenvolvem
e apenas quando restritos adquirem a percepção simplista que possibilita uma
interpretação parcial. O que liga todos esses pontos apresentados é que a
Literatura nos permite ver em perspectiva algo que de outra forma seria muito
mais complexo de ser compreendido e, talvez, solucionado no longo prazo.
Talvez você não tenha percebido ainda, mas estamos vivendo
a Terceira Guerra Mundial neste exato momento. Para compreender isso é preciso
que se olhe para as guerras globais anteriores de alguma forma, e muitos livros
e filmes, ficcionais ou documentais, foram feitos sobre o assunto. O que se
percebe por trás desse conhecimento arquivado em nossas memórias? O fator que
dispara uma guerra global é quando as desigualdades atingem números assustadores,
onde a energia que provocaria uma evolução benéfica fica aprisionada e impedida
de agir causando o efeito da entropia. Vamos colocar de uma forma mais simples.
Quando alguns grupos ultrapassam todos os limites racionais do acúmulo de
recursos disponíveis deixando outros completamente desprovidos da possibilidade
de sobrevivência minimamente razoável, cria-se um efeito contrário e
perfeitamente natural chamado de “imperativo primário”, ou seja, a tentativa de
sobreviver a qualquer custo, nem que seja pelo uso da força bruta com o risco
da vida, ou seja, a violência.
Quer um exemplo simples? Quando você fica instável? Quando
as coisas estão tranquilas e confortáveis, ou quando o seu mínimo conforto está
perdido e não há uma perspectiva razoável de ser readquirido? Quando um animal
deixa de ser dócil e passa a ser altamente agressivo? A partir do momento que
nos vemos sem saída, que tememos pela nossa sobrevivência, só há dois caminhos
possíveis que dependem exclusivamente da energia acumulada em nós e ainda
preservada, embora em níveis críticos: ou deixamos que nos vençam e morremos,
ou lutamos de forma explosiva, incontrolável, pela nossa sobrevivência acima da
do que nos ameaça. Esse é o imperativo primário que no indivíduo só é superado
pela preservação da espécie. Podemos sacrificar nossa existência para que o
nosso legado seja preservado e sobrevivamos através dele.
Todas as guerras são iniciadas por esse motivo, mesmo
quando os discursos utilizados para justifica-las ou manipula-las sejam outros.
Só vamos a guerra quando sentimos, de forma real ou imaginária, que a nossa
sobrevivência e da nossa espécie está ameaçada, e quanto maior for a urgência
dessa reação, mais violenta vai ser a reposta dada: a guerra. Visto dessa forma
parece fácil acabar com todos os conflitos globais, não é? Bastaria que
dividíssemos os recursos de forma justa entre todos, evitando, por exemplo, que oito pessoas detenham a fortuna equivalente a todo o resto do mundo (alguns
bilhões de pessoas) junto. Poderíamos promover o respeito ao outro de forma a
sermos respeitados, poderíamos criar uma sociedade em que todos se ajudassem e
progredissem dentro de um nível razoável de conforto e segurança. A Literatura
chama isso de Utopia, algo que jamais vai ser conseguido, ou quando alcançado,
será destruído em um tempo curto pela ação de alguma força natural que
desmascara as bases que a sustentam, a “serpente no paraíso”. A Serpente do
Paraíso não quer destruir a Utopia, apenas quer garantir que terá a utopia para
si até o fim dos seus dias, e por causa disso acaba destruindo tudo, sem
querer.
Mas em termos reais o que seria essa “serpente”? Haveria
alguma forma de impedir que expelisse seu veneno? Infelizmente a resposta é um
sonoro NÃO! Lembra-se que a Entropia, o declínio da energia a um estado em que
não produz efeitos significativos, é algo Natural e que só uma ação constante, que
faça com que haja uma troca de energia entre dois pontos e que produz o que
consideramos como Trabalho da Energia, é que consegue deter a Entropia?
Ou seja, sempre haverá uma tendência natural a alguns
pontos de acumularem mais e mais energia, paralisando-a, reservando-a para sua
sobrevivência, que em última análise acabará por matar tudo a volta e até mesmo
a esse catalizador, provocando uma reação contrária do entorno de tentar resgatar
essa energia de volta, muitas vezes de forma violenta. Esse fluxo poderia ser
controlado para que evitasse os efeitos mais danosos, mas jamais poderia
ser impedido porque é parte do processo universal de gerenciar as coisas e
ainda não conseguimos imaginar algo melhor, mas podemos fazer melhor do que
estamos fazendo.
Olhe à volta. Veja os países entrando em recessão e
fomentando guerras armadas e econômicas. Veja os povos desses países reagindo
com violência ou elegendo a arbitrariedade como única defesa possível dos seus
interesses, enquanto amargam suas próprias faltas de recursos. Veja o
decréscimo da compaixão e o aumento dos discursos de ódio e pergunte-se: O que
posso fazer para evitar que isso fique pior ainda?
Se conseguir fazer isso já deu o primeiro passo: Parar para
pensar qual é a fonte do problema e como se pode buscar uma solução melhor.
Podemos minimizar os estragos feitos pela entropia apenas redirecionando nossos
esforços no sentido contrário. Podemos ser mais solidários e dividir o que
temos com os mais necessitados e de alguma forma obrigar os que possuem muito
mais do que necessitam a fazer o mesmo. E quando digo obrigar não digo para ir
lá e tomar dos ricos e dar aos pobres, como um Robin Wood utópico. Estou
falando de cobrar do Estado, que ajuda a eleger e manter, a cumprir com suas
responsabilidades de gerir o bem-estar comum, para isso pagamos impostos, para
assegurar um mínimo de condições a todos cidadãos. Não podemos ceder a
corrupção nossa ou de quem for, precisamos ficar sempre vigilantes. Precisamos
nos tornar melhores para querer um mundo melhor com pessoas que sejam
semelhantes a nós, porque é assim que o mundo reage. Quando nos permitirmos ser
menos, o mundo nos espelha e a entropia aumenta.
Nós somos a serpente no paraíso, quando nos permitimos ser
menos do que poderíamos. Quando delegamos a outros a nossa responsabilidade.
Quando esperamos que a “natureza”, “deus”, “a sociedade”, como entidades
distintas de nós, resolvam o problema para nós. Quando nos distanciamos do
centro da ação, causamos a entropia na nossa atuação, acumulando recursos que
parecem nos proteger nos tempos difíceis que estamos criando justamente por
fazer isso, até que, isolados, vemos tudo a nossa volta morrer ou levantar-se
contra a nossa opressão. Você faz parte da Natureza, da Humanidade, da
Sociedade, do Estado, do deus que acreditar existir ou da ausência de crença.
Você faz parte dessa Utopia que o Universo tenta criar, apenas comece a pensar
que a função da serpente utópica não é a de destruir tudo, mas provocar uma
ação que faz com que as coisas permaneçam mudando, e que as mudanças podem ser
para melhor. Então a Literatura terá feito a sua parte de apresentar a questão para sua reflexão.
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