Vivemos na era da informação, portanto era de se esperar
que as Teorias da Conspiração cairiam em desuso tanto no mundo real quanto na
sua interpretação, o mundo das artes. Só esta frase já deveria denunciar o absurdo
da afirmação, pois, em essência, é uma teoria da conspiração.
Para entender o princípio de uma Teoria da Conspiração (TC)
é preciso mergulhar em uma característica da mente humana, o reconhecimento e
interpretação de padrões a partir de análises pré-concebidas. Essa ferramenta
evolutiva é que permitiu a sobrevivência da espécie habilitando os portadores
dessa característica de sobreviver em um mundo em que não havia tempo hábil
para analisar se um perigo era real ou imaginário partindo de informações
mínimas, como um som de galho quebrando, um arrepio instintivo, uma ausência de
sons da natureza, etc.
O predador estava sempre por perto, mas nem sempre visível,
e poderia em um golpe repentino acabar com os menos vigilantes e desconfiados.
Essa paranoia natural da vigilância influenciou a evolução humana de forma que
pudesse sobreviver, mas também criou ferramentas de controle, de manipulação,
de ajustes da própria condição humana.
Quando a sociedade como a conhecemos foi instituída, os
predadores mudaram e se adaptaram. A Polis obrigava a um novo tipo de
relacionamento de comunidade que obrigava a determinadas regras públicas, a
política, a arte de conviver com os semelhantes.
Como todas as coisas que sobrevivem, sejam organismos vivos
ou ideias, essa ferramenta evolutiva também evoluiu e adaptou-se ao meio. A
história humana nos conta sobre os diversos complôs, esquemas subterrâneos que
visavam alterar a ordem estabelecida, mudar os agentes supremos e recriar
sociedades e parcerias. Como não poderia deixar de ser, a arte sempre buscou
apresentar e reinterpretar a visão de mundo, permitindo revelar o que sempre se
buscou ficar oculto e, para tanto, utiliza-se muitas vezes dos próprios
princípios que pretende denunciar, até para desvelar melhor os seus mistérios.
As primeiras TC do mundo artístico eram transmitidas de
forma oral, ganhavam corpo e formas diversas na tradição cantada e contada,
criando o que hoje chamaríamos de “lendas urbanas”. Eram excelentes formas de
gerenciamento, transmissão de conhecimento e preparação para o difícil mundo de
conviver com o poder subjetivo e efetivo a que a grande maioria das pessoas
estava submetido. Mascaradas em mitos, fábulas, histórias de aventura e
histórias morais, revelavam o que de outra forma não poderia ser dito,
brincando com os medos e as verdades estabelecidas, encantando da mesma forma
os algozes e as vítimas e, desta forma, sobrevivendo a qualquer tipo de
controle, embora sendo ferramentas de controle.
Neste trabalho serão reveladas algumas características
básicas das TC e como são utilizadas para diversos fins, em especial a
construção de textos literários ao longo dos tempos e suas diversas
possibilidades e intersecções.
Estrutura
de uma Teoria da Conspiração.
Desde a mais simples até a mais complexa TC é necessário
que haja uma estrutura elementar, que sustente de forma adequada todo o
conjunto de intencionalidades e induções a que se destina. Sem esses elementos
fundamentais teremos qualquer coisa semelhante, mas nunca uma teoria da conspiração.
— Princípio da Universalidade – para funcionar
adequadamente, uma TC precisa ser universal, ou seja, abranger de alguma forma
conceitos que atinjam de igual forma todo o grupo ao qual atende.
— Princípio da Realidade – sempre terá suas bases, por mais
fantasiosos que forem os desenvolvimentos posteriores, na realidade e serão
facilmente comprováveis os seus fundamentos mais poderosos. Sem esse apoio da
verdade comprovável, tende a desmoronar sobre o peso de suas argumentações.
— Principio da Simplicidade – Talvez o mais importante para
que seja difundida, se baseia no fato de que precisa ter aceitação pelo maior
grupo de indivíduos afetados de forma rápida. Portanto, por mais complexa que
seja a TC ela será dividida em camadas consecutivas de forma que haja um
aprofundamento gradual possível dos conceitos aplicados de forma que sempre
pareça acessível aos que tiverem o interesse de mergulhar pelos seus
subterrâneos. Qualquer indivíduo pode ir descortinando os seus segredos e
“vendo” o que estava oculto aos demais. Esse fator de sedução e diferenciação
do adepto contra o resto da sociedade o torna um conspirador favorável ou
contrário, dando uma aura de mistério e carisma insuperável.
— Principio da Solução – Aqui reside a força da TC. A
capacidade de qualquer conspirador, favorável ou não, de solucionar os seus
mistérios, ainda que de forma parcial. Funciona como um labirinto onde
possibilidades diversas conduzem a finais alcançáveis mediante as capacidades
dos investigadores. Todos que se dispuserem a buscar, encontrarão algo no final
do percurso, ainda que seja um engodo criado apenas para satisfação dos que
tentam destruir a estrutura principal. Uma boa TC tem que ser trabalhada como
uma teia em que as estruturas secundárias suportem rompimentos de grandes
seções sem desmontar completamente, até mesmo usando esse desmonte como um
mecanismo de proteção e aprisionamento do investigador.
Existem outras estruturas que poderiam ser descritas, mas
apenas utilizando os Princípios elencados já é possível ter uma ideia de como
funcionam.
LENDAS URBANAS
Algumas TC se tornam clássicos populares, costumam ser
simples e divertidas em suas formas didáticas de inserir valores relativos para
a sociedade. É o caso, por exemplo, do “Pipoqueiro do Mal”, aquela figura simpática
que fica em lugares públicos, normalmente próximo a escolas infantis, que
adiciona drogas viciantes no seu produto, obrigando os incautos a comprarem
sempre mais para suprir as necessidades do vício.
Os fatos reais são fundamentados na oferta de produtos
viciantes, que tornam uma ação altruísta algo nocivo. Brinca com a questão de
que devemos desconfiar de tudo que nos é oferecido sem custo. Sobrevive na
realidade dura das cidades onde traficantes verdadeiros oferecem a “prova” das
drogas ilícitas para depois cobrarem altos custos dos viciados. Apesar disso é
desmontada com facilidade diante de um raciocínio lógico: O custo da droga
misturada à pipoca é muito superior a qualquer quantidade de pipoca vendida
posteriormente.
Mas o raciocínio se sustenta pela forma da metáfora, onde a
“pipoca” pode ser qualquer coisa, desde o brinde de um pacote de figurinhas que
só se justificam na compra do álbum e nas figurinhas que terão que ser
compradas para o completar, até um animal de pelúcia na aquisição de um carro
zero km.
Esse princípio é o da “isca”, usa-se algo de valor
intrínseco para atrair um consumo não desejado de algo que supera e inclui o
valor do brinde ofertado. Quem nunca acabou “fisgado” por algumas revistas
“grátis’ na assinatura dos novos exemplares, ou por uma “prova” de algum
produto se entrar na loja para comprar algo? Esses recursos são amplamente
utilizados e permanecem vivos porque produzem efeitos válidos.
A lenda urbana do “Pipoqueiro do Mal” atinge o Princípio da
Universalidade porque age diretamente na questão dos ícones da infância, qual a
criança que não gosta de pipoca? O pipoqueiro está presente em todas as
atrações mais divertidas, do circo ao cinema, do passeio no Zoológico à praça
com brinquedos.
O Princípio da Realidade é satisfeito pela questão de que
não se sabe o caráter da pessoa que vende a pipoca. Não há como definir se
aquela pessoa é alguém “do bem” só pelo ofício que exerce. Não se exige
qualquer especialidade para exercer a profissão de pipoqueiro e é, normalmente,
algo que passa uma imagem de inocência e confiabilidade.
O Princípio da Simplicidade e o Princípio da Solução são
satisfeitos pelo fato de que seus elementos compositores são tão profundos
quanto se quiser aprofunda-los. Como foi dito anteriormente, seria ridículo
contaminar as pipocas com drogas para aumentar o consumo, o custo x benefício
seria comprometido, portanto a teoria se desmonta. Porém, por ninguém
desconfiar do singelo pipoqueiro, ninguém vai pensar que ele pode ser um espião
vigiando abertamente um local ou pessoas, ou mesmo que ele pode ser algum
agente interessado em causar o pânico contaminando as pipocas com algum vírus
que se disseminaria rapidamente pelo agrupamento. Poderiam ser inseridos
contextos de complexidades diversas a partir do inocente pipoqueiro, e ainda
teriam a proteção do “desmonte” programado. Quem iria acreditar no pipoqueiro
envolvido em uma grande conspiração?
Basta lembrar que um bom labirinto não apenas torna os
caminhos semelhantes, mas induz a determinadas saídas e soluções que “desvelam”
seus segredos, enquanto na verdade estão apenas escondendo à vista de todos o
verdadeiro tesouro que guarda.
Na TC não apenas o que é oculto tem importância, mas também
o que é revelado, a forma como é revelado e quando é revelado, que muitas vezes
servem de truques ilusionistas para desviar a atenção enquanto a verdadeira
ação está acontecendo sob os olhares de todos, como um truque de mágica, até
que seja tarde demais para impedir-se os efeitos. Essa estratégia é chamada de
Camada (des)Informativa e trataremos dela a seguir.
Acompanhe
Parte 2 - CAMADAS (des)INFORMATIVAS
Parte 3 - A Conspiração aos olhos de quem Vê
Parte 4 - Pirâmide da Teoria da Conspiração
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