Veja a parte 1 em Conspiração: Uma Teoria
Veja a parte 2 em Camadas (des)Informativas
Como foi dito anteriormente, uma TC precisa ser simples,
induzir algumas soluções parciais satisfatórias, ocultar camadas cada vez mais
complexas, lidar com a realidade e com a verdade de forma que estas se tornem a
sua base de sustentação adequadamente manipuladas para construir uma ficção que
se assemelha muito à verdade e que, quando desvelada, ainda se mantém
consistente em diversos níveis, como uma teia que mesmo tendo boa parte de sua
estrutura destruída, ainda se mantém estável e cumprindo o seu papel.
Dito dessa forma parece algo complexo demais, fruto da
genialidade de algum arquiteto maquiavélico com capacidade de elaboração
extremada. Não é. Qualquer um pode construir uma boa TC simplesmente a partir
de elementos que são dados na realidade, acrescentando pitadas imaginativas de
interpretação direcionada.
Vamos fazer um exercício para comprovar isso. Vamos
construir camada a camada uma trama complexa que se fundamenta em diversas teorias
da conspiração possíveis, mas que neste caso serão totalmente inventadas por
este autor para a demonstração prática de como é possível fazer. Obviamente,
por mera questão de praticidade e agilidade, será apresentada apenas a
estrutura elementar das diversas camadas, até porque não se deseja criar de
fato conspiradores, mas estimular artisticamente as possibilidades criativas e
argumentativas na criação de histórias fictícias com base na realidade
observável.
O melhor ponto de partida argumentativa para uma TC é
justamente um cenário real onde exista algo nebuloso e não completamente
explicável. No caso vamos nos apropriar do cenário político brasileiro da
atualidade. Escândalos políticos são ótimos para se construir teorias
conspiratórias, ainda mais quando envolvem denúncias de corrupção. Parece meio
óbvio e ultrapassado, afinal, esse tipo de cenário é mais comum na história das
nações que se desejaria reconhecer, mas vamos aplicar alguns elementos
diferenciais.
Pode-se começar de qualquer ponto a construção da TC, mas
para atender os princípios da Universalidade e da Simplicidade é necessário que
seja algo que afete a todos e que seja um tanto quanto óbvio, ao menos a
princípio. Essa é a “isca” para que seja propagada e incite a busca das camadas
ocultas. Então vamos usar o caso ainda corrente do impeachment do governo.
Depois de um longo período em que um partido popular de
ideologia socialista ter presidido o governo com pontos altos e baixos, como é
comum a qualquer governo, há uma reviravolta estrondosa com denúncias e
escândalos imensos afetando toda a economia e criando uma instabilidade
política e social de proporções nunca antes vistas. “Nunca antes vistas” é uma
frase recorrente nas teorias conspiratórias, dá uma ênfase na enormidade do problema
apresentado e indica subjetivamente que, finalmente, toda a verdade está sendo
revelada. É importante estar atento a essas frases de efeito porque boa parte
das teorias conspiratórias utilizam discursos semelhantes com a manipulação das
palavras de forma eficiente e sempre provocativas de estados emocionais. É
preciso que seja provocada uma emoção forte na construção de uma TC, só a
emoção consegue amortecer a razão de forma que se possa induzir comportamentos
que, racionalmente, não seriam cabíveis. A TC precisa de paixão no seu
desenvolvimento, na sua apresentação, na sua disseminação.
Então temos lá o tal governo popular, que se torna
populista na apresentação pelos seus adversários, com o detalhe de que há uma
descaracterização seletiva. Isso é importante, note bem o termo,
descaracterização seletiva. Como isso funciona? Em primeiro lugar se generaliza
a atuação do governo apresentando todos os malefícios como sendo provenientes
de uma única pessoa, partido ou ideologia, ignorando que em um sistema de
governo democrático há a necessária coabitação de diversas ideologias e
partidos que fazem acordos para que haja a chamada governabilidade, portanto,
seja pela ação ou pela omissão, todos os partidos estão envolvidos nos atos
apresentados categoricamente como sendo de um único governante ou partido. O
mesmo se dá, pelo oposto, quando os resultados alcançados são desejáveis, não
foram as coalizões dos partidos, até mesmo adversários, que promoveram o
sucesso, foi apenas “O Governo”.
Como já havia alertado, a ferramenta da TC funciona
independente dos valores morais de quem as usa. Ferramenta não tem
intencionalidade, podendo ser bem utilizada ou não na realização de um
trabalho, de acordo com a habilidade e o interesse do executor e manipulador da
mesma.
Entra em cena a questão primordial da TC, o “motivo” que
culminou com os fatos apresentados. “A quem interessa? ” No caso, quem teria
interesse em destituir um governo eleito, ameaçando a economia, o sistema
político, até mesmo as negociatas escusas que ocorriam? É preciso pensar que
muitos das negociações mais sórdidas e mesmo as piores guerras entre bandidos
se dá de forma oculta, justamente para que os vencedores, sejam quem forem, não
fiquem expostos e possam continuar suas atividades tranquilamente. A lógica é
que podemos não gostar da nossa posição no sistema, mas não podemos desmontar o
sistema sem sermos afetados pela instabilidade e, pior, nada garante que o novo
sistema que será construído necessariamente nos beneficiará de alguma forma.
Por essa lógica é que é difícil desmontar um sistema de dentro, a implosão
acaba afetando dramaticamente os que a provocam, e todos sabem que para
desmontar um sistema de fora, é preciso que se tenha algo tão forte e poderoso
quanto o que se quer destruir, ou até mais forte e poderoso. Troca-se seis por
meia dúzia, como se diz normalmente.
Essa verdade é, como em toda TC, parcial. Pode-se desmontar
um sistema de dentro, ou mesmo substitui-lo completamente por outro, desde que
seja feito de um nível superior. No caso o que é mudado é apenas uma camada,
não o sistema inteiro, mas fica-se com a impressão que “as coisas mudaram”. E isso
pode ser extremamente vantajoso para o próprio sistema, restabelece a
confiabilidade que estava prejudicada, paralisa investigações mais profundas
que podem ameaçar as estruturas mais fundamentais. Sacrificar parte do próprio
corpo para conseguir sobreviver é uma estratégia utilizada na própria natureza
com bons resultados. Como costuma-se dizer, o lagarto perde o rabo, mas
preserva os dentes; na verdade, diante do predador mais forte, oferece o rabo
como barganha e assim que o adversário pensa tê-lo preso firmemente, escapa
deixando o rabo para trás. Isso deve provocar uma nova interpretação da famosa
expressão conspiratória de “estar com o rabo preso”.
Ok, voltando a nossa linha central, a quem interessaria a
desestabilização de um governo e de toda a estrutura sócio-politica? Em
primeiro lugar podemos pensar em um governo estrangeiro, seria o mais comum,
afinal é obvio que um adversário forte é temerário e a desestabilização provoca
fraquezas, mas cuidado com as obviedades em uma TC, elas costumam ser projetadas
para serem assim. Também podemos pensar em setores internos do sistema, como
uma revolução, sociedades secretas anarquistas, sociedades políticas
desfavorecidas e pouco atuantes no cenário estabelecido, até mesmo o crime
organizado, as máfias corporativas ou não; qualquer um desses casos obteria
grandes benefícios com o enfraquecimento e desmonte do sistema. O caos cria
oportunidades, isso é um fato trágico na história da humanidade. Não se observa
maior avanço tecnológico do que em períodos de instabilidade e até mesmo de
guerra declarada e não apenas pelos agentes óbvios que subsistem de ganhos
diretos relacionados, como produtores de armas. Muitos dos avanços da
atualidade em todas as áreas, são frutos bastardos dos esforços da Segunda
Grande Guerra, por exemplo.
Pense no fusquinha, na internet, na medicina nuclear, na
exploração espacial, nos satélites, nos antibióticos, nas vacinas, nos sistemas
gerenciais. Seja onde for que vá buscar as raízes de alguma tecnologia que
avançou rapidamente, vai acabar encontrando fins bélicos. Grandes empresas
incentivam abertamente a agressividade nos negócios como incentivadora de
avanços. Aparentemente a criatividade se torna mais forte em períodos de crise
generalizada. A crise, o caos, as desestruturações, geram bons negócios.
Estamos falando de Teoria da Conspiração, certo? Pois então
é preciso entender que esse discurso é em si, uma, globalmente aceita, e tem
bases na realidade como é típico de toda bem construída TC. É inegável que a
sobrevivência é um grande estimulador da criatividade, mas a competição não
precisa implicar em belicismo, haja vista que o esporte é uma forma de
competição que, preservados os seus princípios básicos de superação pessoal, não
tem características bélicas. Portanto, cuidado quando incorporar um discurso
manipulador como o apresentado, sem que se perceba está fazendo parte de uma
grande conspiração que tenta justificar o injustificável sob qualquer outro
prisma.
Voltando ao nível primário da nossa TC imaginária. A
instabilidade que constantemente vemos noticiada, poderia ter por base tanto
uma reforma política desejada pelos próprios políticos, estimulada por
empresários, desejada por segmentos organizados oriundos da sociedade interna
ou até mesmo por interesses de outros governos. A instabilidade obriga
mudanças, obriga reinterpretações, obriga repactuações e negociações. A
instabilidade prolongada causa danos e, em algum momento, precisa ser revertida.
Seja em um novo rumo, seja nos mesmos moldes, mas com aparência de mudança, do
contrário torna-se autoimune, agride a si mesma e, se não for tratada
rapidamente, implica na morte de toda a estrutura que pretendia favorecer.
Só essas bases apresentadas já dariam boas histórias
conspiratórias, mas vamos aprofundar um pouco mais. Vamos colocar elementos
geopolíticos mais amplos. Continue acompanhando neste mesmo local a
continuidade deste trabalho e descubra como acrescentar mais camadas na Teoria
da Conspiração, integrando-as no que já foi apresentado e ampliando o foco ao
mesmo tempo que descemos ao mais profundo subterrâneo do indizível. Veja a parte final em Pirâmide da Teoria da Conspirção
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