Uroboros – Danny
Marks
Você está bem? Você está bem? Fica estranho fazer essa
pergunta para você. É uma pergunta que se faz quando se sabe que o outro não
está bem, na verdade. As pessoas costumam perguntar isso na esperança de que o
outro minta e diga que sim, está tudo bem. Mesmo quando não está. Normalmente
não se quer saber dos problemas do outro, apenas se está tentando manter uma
conexão, algum link onde possamos enviar os nossos problemas, as nossas
dúvidas, nosso prazer, nossa dor, qualquer coisa, para algum lugar e imaginar
que está sendo recebido aumentando o alcance do que é apenas nosso. Mas, as
vezes isso não funciona, cai-se em um buraco que vai sugando a atenção,
exigindo cada vez mais da conexão e entupindo as pretensões até que é
necessário derrubar a rede inteira, explodir alguma bomba que quebre
definitivamente o vínculo. Por algum tempo. Depois é só pedir desculpa, e
inventar algum motivo para o ocorrido, e tentar tudo de novo. Você está bem?
Há um problema no mundo e poucas pessoas percebem isso.
Bilhões de pessoas tem problemas no mundo. Dez por cento dessas pessoas
comandam o mundo e gerenciam seus problemas como se fossem recursos. Um por
cento dessas pessoas sabe realmente o que estão fazendo e orquestram todo o
resto. E nenhuma dessas pessoas sabe qual o problema de verdade, não percebem
nada além do que eles mesmos criaram, ou se envolveram, ou projetaram, ou
partilharam com...
Poder. No fundo tudo se resume a isso. Agora posso ver.
No início todos queriam comida para sobreviver, ter filhos para ter prazer e
sobreviver no tempo, de alguma forma. Depois queriam dinheiro para poder ter
comida e conseguir todo o resto. Depois passaram a usar a comida, o sexo, o
dinheiro, os filhos, o tempo, para ter cada vez mais poder. Poder sobre a
comida do outro, o sexo do outro, o dinheiro do outro, os filhos do outro, o
tempo do outro, a vida do outro. Porque uma vida apenas não é suficiente para
usar o poder que se pode ter quando se busca cada vez mais Poder. E arrancar o
poder dos outros dá mais poder de estuprar a alma coletiva, a sua, para não ter
que encontrar algum sentido nisso tudo.
É preciso manter a mentira da felicidade, possuir a
felicidade por alguns segundos, alcançar a felicidade que está em algum lugar,
ver a felicidade, usar a felicidade, comprar a felicidade, vender a felicidade,
sentir a felicidade correndo nas veias congestionadas do vício. Só a felicidade
adia a morte.
A Morte cobra um sentido, a morte esclarece que não há
sentido, apresenta o vazio, o desconhecido, o absoluto e inegável Nada que
destrói qualquer dúvida, qualquer esperança, qualquer deus que possa usar como
totem do seu poder. A Morte invencível que retira a sua máscara e lhe diz que
valor tem. Nenhum. Só os seus atos sobrevivem.
Você não é nada sem sua contribuição para o fazer. E o
que você faz é apenas manter alguma coisa que não lhe pertence, que lhe foi
imposta e você aceitou como sua, que não entende mas finge amar, para fazer
algum sentido estar vivo, fazendo, até que seja substituído por um declínio. E
tudo caminha para a morte, tentando demorar o mais que puder antes que alcance
o seu objetivo.
Há um incomodo em você agora. Posso sentir. Você ainda
não percebeu, mas logo vai fazer sentido, e vai querer correr, vai querer
fugir, desaparecer, desligar. Logo você vai tentar romper a conexão. Talvez até
consiga. Depois vai voltar.
Você está bem? Você está bem?
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Obrigado Selene, por me ensinar a cada dia. Maravilhosa montagem, excelente narrativa, uma obra de arte feita com alma para a alma. Fiquei orgulhoso e humilde e, acima de tudo, FELIZ,
Um beijo no seu imenso coração."
( Danny Marks)
Uroborus
Texto: Danny Marks
Edição: Selene Ferreira
Narração: Rose Ferreira
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