sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Inventando Thaís - Danny Marks




— Você não me conhece tão bem assim!
                Foi o que ela me disse aos gritos, logo depois que lhe soprei vida, descrevendo-a como já existia na minha imaginação. Somente depois que me decidi falar sobre como ela seria é que fui preenchendo as lacunas que a imaginação necessariamente cria.
                A imaginação é imperfeita para contextualizar uma ideia não realizada, normalmente fica apenas na superfície, nos contornos gerais que darão o “tom” do que será criado. Ainda mais quando a ideia em si é extremamente complexa.
                Thaís já nasceu complexa, como um paradoxo existencial.
                Imagine uma pessoa Nerd. Dessas que tem uma inteligência rápida acima da média, que parecem ter todas as respostas do mundo, ou que são capazes de criar todas as respostas necessárias como se precisassem apenas expirar o conhecimento que já haviam inspirado em um momento qualquer.
Essa é a parte fácil.
                Fica complicado quando se dá a essa pessoa o sexo feminino. Sim, uma mulher nerd!
                Já deu para perceber como a coisa fica complexa, quando se pensa em nerds, pensa-se logicamente em um homem com pouca habilidade social, tímido ou introvertido, mas por isso mesmo ou como subproduto da estrutura neuronal, com uma habilidade de aprender acima do normal.
Quem imaginaria uma mulher tendo essas características?
                Se conseguir imagina-la, provavelmente será uma baixinha, de óculos, cara sisuda, sem nenhum atributo físico ou recurso cosmético que lhe permita produzir um encanto adicional. Normalmente associamos a inteligência como uma compensação da natureza para aqueles que não nasceram belos. Quem é bonito por natureza não precisa ser inteligente e, muitas vezes, torna-se cruel, indiferente aos danos que sua beleza causa.
                Mas Thais não é assim, ela tem seus encantos femininos preservados apesar da inteligência acima da média. Mais ainda, tem sua sensibilidade aguçada em relação ao outro, preocupa-se com a alegria ou a dor do próximo, tem um senso de justiça que comunga perfeitamente com sua capacidade de ser incisiva, com as palavras, tanto no juízo que faz dos outros, quanto na hora em que decide defender aqueles que lhe parecem carecer de ajuda.
                Alguém mais imaginativo até poderia conseguir criar essa imagem mental de Thaís, apesar dos paradoxos que parecem flutuar a sua volta, como satélites.
                Um desses paradoxos fica evidente quando nos aprofundamos mais, mergulhamos por trás da máscara social de uma pessoa forte e destemida, com soluções práticas (embora isso pudesse contradizer a sua feminilidade. Mulheres não nascem para serem práticas ou nascem?), mas acima de tudo determinada em fazer o que acredita.
                Ao ultrapassar essa camada superior (e não digo isso como um defeito, mas como uma característica) encontramos uma frágil e dócil menininha, com seus bichinhos de pelúcia, sua esperança feliz, seu carinho tranquilo.  Encontramos também a solidão que a envolve em tons mais escuros e percebemos imediatamente que foi a luz que, ao abrirmos um buraco durante a nossa passagem, conseguiu penetrar até aquele lugar habitado pela melancolia e dar algumas, não muitas, cores.
                E a deusa que até então estávamos imaginando, torna-se algo superior ao se tornar humana, reconstruindo todo o entendimento que havia em nossas mentes ao restringi-la simplesmente a algum arquétipo arrancado do nosso inconsciente.
                Só nesse momento é que nos afeiçoamos verdadeiramente a Thaís. Ao lhe percebermos os defeitos para além das qualidades que se esforça em nos mostrar, mas ao contrário do que esperava isso nos encanta muito mais do que a fria aceitação objetiva que poderia haver ao desconsiderarmos sua fragilidade.
                — Você não me conhece tão bem assim.
                Repete ela, desta vez em um tom mais melancólico, um traço de medo escapando por entre um olhar e outro, cabisbaixo, na expectativa do que poderemos fazer ao descobrir-lhe. Sente-se nua, mesmo vestida com tantos traços, e ao perceber que não há qualquer movimento agressivo de nossa parte (na verdade nenhum movimento de qualquer espécie), busca forças na sua própria construção e deixa que a vejamos por inteiro.
                Ergue o olhar em desafio, aceitando que, se conseguimos romper qualquer obstáculo até ali não seriam suas delicadas mãos que encobririam o pudor. Igualmente nos desafia com a sua nudez e aguarda a nossa retórica.
                Ao fazer isso nos desarma de todo preconceito, todas as possibilidades de conjeturas e entendimentos que arrastamos até aqui... e nos vence.
                — Você não me conhece tão bem assim...
                E desta vez há uma certeza delicada em suas palavras. Ela sabe!
                Percebeu que mesmo tendo sido inventada por mim a partir de alguém ou de muitos outros; mesmo tendo sido o que a desvelou de forma dramática (talvez) para você, ainda assim ela preserva algo incognoscível, algo misteriosamente feminino que nos acolhe, mas também nos faz ir embora, buscar o que nem sabíamos que não possuíamos.
                Com um abraço indefinido, nos coloca para fora de si, garantindo que na passagem que produzimos continue haver a janela pela qual olhamos, para que se possa voltar a vê-la quando ela quiser se revelar a nós. Novamente no controle de quem é e de quem deseja ser.
                É desse personagem que inventamos; que nasceu durante o nosso olhar e refletir sobre ele, nossas descobertas; é desse ser que descobrimos o quanto podemos dizer para nós mesmos:
                — Você não me conhece tão bem assim!

                Agora é Thaís que nos inventa... enquanto a ouvimos falar de nós.

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