Esgueirou-se
por entre as grades com facilidade. O cheiro delicioso o atraia com um
magnetismo impossível de resistir.
Estava a dois passos do
inacreditável manjar quando viu o olhar azul e verde do tufo de pelos cinza,
encimados por um laço rosa.
— Madame, não me coma
que sou só ossos indigestos...
— Cale a boca, animal
estúpido. Acredita que iria estragar o meu paladar assim? Faça-me um favor,
livre-me dessa carne de cordeiro. Não aguento mais cordeiro. Eles sabem que deveriam
me dar salmon.
— Ah, a senhora me toma
por um tolo. Sei que quando me voltar saltará sobre mim...
— ah, ah, ah, bem que
ela gostaria de poder fazer isso. Saltar? Só se estivesse com metade do peso,
ou menos. Quanto está pesando agora querida?
— Ora, não me venha com
sua histeria novamente, Chichi. Não tomou seus remédios hoje? Tem sorte de sua
genética o fazer franzino assim, o que o torna mais patético com todos esses
tremores. Me dá nojo só de ver esse seu olhar esbugalhado. Quando vão trocar a sua fralda? Ao menos
minha manicure já foi feita, criança ridícula.
— Não ligue para esses
dois, pequenino. Ficam estressados todas
as vezes que os donos vão viajar e tem que ficar aqui. Não tem a sorte de ser
como eu, nascido para ser exibido em grandes competições. Sabe quantos troféus
já ganhei?
— Ei, Frutinha. Ainda se
vangloriando dos concursos de miss? Eu preferiria que me castrassem do que ter
que ficar desfilando com esse ridículo penteado. Alguma fêmea já o viu como
macho de verdade?
— Olha só quem está
falando. Até parece que é mais nobre que nós. Só a sua língua é azul, meu
querido, não o sangue. Devia era fazer uma cirurgia plástica para ver se
melhorava a aparência.
— Por favor, alguém
traga com urgência um ferro de engomar....
— Cale a boca,
seu...cachinhos dourados!
— São escamas,
entendeu, escamas!! Cão burro...
A confusão estava
armada, uns apontando os defeitos dos outros, tentando valorizar alguma
diferença que aos olhos do intruso apenas os tornavam tão iguais.
Para onde olhava só via
obesidade, deformações exóticas, manias e empáfia. Era uma câmara de horrores
onde as características que os distinguiam dos humanos eram deformadas até que
se parecessem apenas extensões doentias de seus mestres, na ilusão de que isso
os tornava companheiros irreais da carência alheia.
Abandonou o pedaço de
ração que lhe pareceu totalmente envenenado de tantas coisas artificiais e
enfiou-se novamente pelo buraco que lhe restituiria a liberdade, o ar saudável dos esgotos.
Encontraria outro modo de matar a fome, mas jamais voltaria àquela loucura.
Afinal, era um rato ou
um homem?
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