Como todas coisas sem nexo que surgiam naqueles
tempos, foi culpa do Marcão.
Justamente
quando parecia que poderíamos superar tudo, e sempre se chega uma época da vida
que nos julgamos invencíveis, não invisíveis; quando aquela cola que gruda
parece que jamais vai desgastar, envelhecer ou quebrar; ele veio com a ideia.
Logo
naquele momento em que parece que o pior da vida já passou, que temos todo o
resto pela frente para ultrapassar limites, resolver diferenças, estabelecer
limites, criar uma identidade em que todos pudéssemos nos reconhecer, assim no
coletivo mesmo.
Tinha
que ser culpa do Marcão achar que juntando as nossas inexperiências poderia se fazer
a sabedoria necessária para mudar o mundo.
Ele
tinha medo e não fazia segredo disso.
Depois
de algumas despedidas que parecem ser o início de outra coisa que nunca se
realiza; de juras que são quase como esperança e fé no inconcebível; de ser
engolido pela realidade onde tudo se quebra; quem poderia acreditar?
Não
o Marcão.
Marcão
se recusava a fingir por necessidade, tentando fazer funcionar só desta vez.
Não vai funcionar!
O Marcão sabia que iríamos
cair na armadilha de um jeito ou de outro... a menos que evitássemos com um
artifício, por que não?
Sem juras no final?
Como assim?
Fazer do futuro um
projeto que já se iniciou?
Antes que o fim nos
alcançasse como que de surpresa, entre um copo e outro, uma risada e um choro,
um abraço e um adeus.
Foi difícil entender, convencer.
A coisa parecia tão louca quanto podia ser as coisas que o Marcão inventava
assim do nada. Da nuvem tempestuosa que vazava pelos olhos e ouvidos dele.
Como assim nos encontrar daqui a dez anos? E
amanhã, não vai vir? Vai sumir?
Claro! Amanhã e daqui a
dez anos, encontro marcado desde já. Anota ai no calendário, na mão, na calça.
Anota ai, porra!
Tem ideia que é como
gripe, vai pegando aos poucos e nem se sabe até que já passou, mas fica lá, de
algum jeito, mudando a gente.
Cada um ao seu tempo
foi aderindo, claro que fui o primeiro. Se era muito louco, estava dentro, que
a vida foi feita para ser desafio.
Quero ver a cara de
vocês quando eu chegar arrasando daqui a dez anos. Venham de óculos escuros
para não se ofuscarem com o meu sucesso!
Guerra de papel em
bolotas, risadas, trisca o copo e derrama a cerveja que o pacto está selado. Tá
anotando?
Tem sempre aquele
momento em que sentimos donos do nosso destino, o olhar sem medo de virar
passado.
Mas o Marcão sabia que
nem todos viriam neste encontro, só não disse nada... até hoje.
Martinha fizera do
casamento profissão, já estava na segunda, morada no exterior que sucesso é
sempre lá fora. Paris, Canadá, Finlândia... algum dia.
Jonas já dormia há
alguns anos na instituição que ninguém sabia o nome. A obsessão seguira a
teimosia e o arrastara por labirintos negros habitados por fantasmas. Sonhara
em ser farmacêutico, agora era consumidor.
Mas o Lucas veio com o
Rogério, unidos finalmente. O Silva continuava sem rumo; a Laura, loira; Vivi
de preto, a Creusa com a Cida nos braços e mais ninguém.
Cada um com uma
história diferente, diferentes. Menos o Marcão.
O Marcão não casou, não
ficou mais louco, não fez sucesso, não cometeu fracassos, não se aventurou em
nada, não plantou nenhuma arvore, nem escreveu livros.
O Marcão continuou
sendo Marcão, para não deixar de ser o amigo de sempre.
E foi ele que garantiu
a minha presença.
Ali, na foto, no minuto
de silêncio e nos abraços úmidos, nas histórias contadas e recontadas. Tinha
que ser o Marcão para ser assim...Marcão.
Capaz de fazer a
amizade vencer e se fazer eterno... como nós.
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