Quem não conheceu o Jorge Armando de
Souza?
Aquele moleque remelento que andava
com a bermuda, dada por algum parente, caindo e mostrando parte da bunda. O
boleiro destemido, armador das melhores jogadas nas peladas da várzea, um
craque não descoberto, terror das menininhas. Terror mesmo, preferiram as
bonecas. Nem aquele olheiro que o descobriria para o mundo chegou a olhar para
ele.
Quem viu quando Jorge virou Armandinho?
Esse garoto experto que escrevia longos textos que encantava até mesmo seus
professores. Discursava seus trabalhos escolares fazendo grandes congressos
para uma audiência cativa, não podia sair até que o sinal tocasse. Quando
tocou, ninguém sobrou.
Vida de poeta, belos poemas para encantar
as mulheres de sua vida. Mulheres que ele conquistava com a mesma facilidade
com que as via partir. Armando, que não conseguia descobrir o seu grande amor e
que enfim passou a duvidar que existisse. Foi Armando aqui, Armando ali até que
se sobreviveu.
Feirante e entregador de jornal,
Office Boy e Cafetão, usuário e entregador de pizza, quando percebeu tornou-se
o Sr Souza.
Ah! O Souza, esse grande exemplo, homem
trabalhador, um cara legal estimado pelos amigos de cerveja, pai de família, marido
fiel e honesto.
Foi apertando parafusos, assinando
papeis, curvando espinha e engolindo sapos que driblou as dificuldades como
fazia com a bola na várzea.
Discursos vazios, palavras elaboradas
para satisfazer a audiência, aplausos desgarrados de idéias, dias sonhados em
camas de gato, arquiteto de projetos futuros, nunca presentes.
Falta, algo lhe fala lá de dentro,
fantasmas que o atormentavam mas que ele exorcizava na cachacinha antes do
trabalho e na cerveja do fim da tarde no bar do Osvaldo, que pendura para o
final do mês. Esse bêbado nunca lembra quanto bebeu, se ele não bebe, como eu.
Vai seu Armando, ajusta esse parafuso,
aperta esses calos, olha as contas para pagar, precisa comprar material escolar.
Precisa, precisa, precisa, isso vai ter que dar, melhor essa colar.
E de sonhos e idéias, de dias vazios
como bolsos e dispensas, de tanto ajustar e aceitar, acabou sendo aceito e
ajustado, incorporado e carimbado.
Homem invisível, cidadão desprezível,
força na mão, caráter vencido. Comido e mastigado, cuspido fora em caso de
necessidade. De quem a necessidade? Necessário se faça então.
Seis dias, dois fora, quem nota? Quem
faltou? Alguém viu porque o trabalho não saiu? Cabeças vão rolar, melhor se
apressar, entregar no prazo.
Ajustem a máquina, apertem os botões,
acertem o compasso, o passo.Um, dois, um, dois. Um, apenas um, para fazer por
dois.
Olha no espelho não vê ninguém,
desespero insano. Coitado, é da idade. Culpa do governo, sistema, estratagema,
síndrome do pânico, sei lá.
Melhor assistir a novela e ver que a
vida é bela, até empregado tem vez nela. Apartamento bacana dessa dona que
nunca trabalha, não tem marido e ainda tem jóia pra ser roubada. Que coisa. Quem
foi que morreu mesmo? Nem manchete deu.
(08/06/2007)
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