O homem entrou no bar e sentou-se em uma mesa perto da
porta, pediu uma bebida e começou a ler um livro que trazia consigo.
Aos poucos foi chamando a atenção das moças que estavam
no bar, seja porque estava melhor vestido e perfumado que os outros homens,
seja porque estava lendo um livro com a dedicação de um amante apaixonado.
Por consequência, chamou a atenção de um valentão que
logo reparou na preferência das moças e acreditou ter encontrado a sua
oportunidade para um espetáculo. Estufou o peito, levantou as calças e andou
com passos duros em direção ao compenetrado leitor.
— Ei, você, o que acha que está fazendo?
O rapaz olhou o amontoado de músculos e, sem fechar o
livro, respondeu:
— Estou lendo um livro.
— Isto aqui não é lugar para ler um livro. Dá o fora
antes que me aborreça.
O rapaz não ergueu o olhar do livro, mas falou em um
tom frio e firme.
— Sinto pelo seu aborrecimento, posso lhe contar uma
piada que li há muito tempo para compensar? É sobre dois inimigos que acabam
indo para o inferno. Um deles era um valente guerreiro, forte e orgulhoso. O
outro era apenas um estudioso que havia tido a desgraça de conhecer o guerreiro
e seu ódio. Quando chegaram no inferno o diabo veio os receber e disse-lhes: “Grande
dia, hoje. Estou me sentindo generoso. Todos que chegam aqui são recebidos com
cinquenta chibatadas para que já se acostumem com a casa, mas vou conceder a
vocês um desejo antes que lhes arrebentem as costas. O guerreiro assustado pediu que lhe fosse amarrado às costas uma grossa manta de couro,
ao que foi imediatamente atendido. Trinta chibatadas depois a manta já estava
em tiras e as costas do guerreiro indo pelo mesmo caminho. Entretanto o
estudioso estava lendo o seu livro tranquilamente. O diabo ficou tão
impressionado com a coragem do homem que lhe concedeu mais um pedido adicional
e o homem assim o fez. Meu primeiro pedido — disse — é que dupliquem as
chibatadas, quero que sejam cem e não cinquenta. Todos ficaram impressionados
com aquilo e logo aguardaram qual seria o segundo pedido. Este não se fez
demorar. Meu segundo pedido é que amarrem o guerreiro nas minhas costas. E
assim se fez. E o diabo ainda elegeu o estudioso seu lugar-tenente no inferno”.
— Eu não entendi nada do que falou. Quer saber, vou rasgar o seu livro em pedaços e depois rasgo você também.
— Espere, só queria lhe dizer que nem no inferno a
força é melhor que a inteligência. Quando aprendi isso descobri como me livrar
de valentões como você. Simplesmente contratei um pistoleiro que me acompanha
para todos os lados. Quem tentar encostar em mim vai levar um tiro.
O valentão ficou um tempo pensando no que o outro
falara e se decidindo o que fazer. Quando estendeu a mão para agarrar o livro
do outro, ouviu-se uma garrafa quebrando, e imediatamente o valentão se
encolheu todo.
O homem que finalmente fechara o livro disse bem alto
para todos ouvirem.
— Garçom, pode por a garrafa na minha conta. Não quero
que saia no prejuízo por essa demonstração.
O valentão lentamente se afastou e foi embora do bar e
o homem voltou a ler calmamente.
Então veio o garçom e cochichou no seu ouvido.
— Escuta, amigo, o que acontece se eu falar para aquele
cara que deixei cair a garrafa acidentalmente?
O homem sem parar de ler respondeu no mesmo tom
sussurrante:
— Aconteceriam duas coisas: A primeira é que ficaria com o prejuízo da garrafa quebrada. E a segunda é que meu pistoleiro
teria que atirar.
O garçom ficou parado vendo o homem ler tranquilamente
e se afastou sem falar nada. Cobrou a garrafa e ficou de boca fechada.
O homem voltou várias vezes ao mesmo bar, mas todos já
conheciam a história e ninguém nunca mais incomodou a sua leitura. Até lhe
pagaram algumas bebidas, só para garantir. Nunca se sabe o que se passa
na cabeça de um homem com um livro, melhor não arriscar.
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