sábado, 20 de junho de 2015

Nu vens – Danny Marks


              Eu tenho andado tão perdido que nem sei.
              Não sei como é possível se perder quando todas as coisas continuam nos lugares. O planeta, continente, país, cidade, casa, lugar. Nada muda de lugar, só as nuvens vêm e vão.
              Então o que muda para que a gente possa se perder? Depois de construir tantos caminhos para ir e vir, descobrir cada vez mais coisas para ficar, não partir.
              E, no entanto, cada vez mais nos sentimos perdendo, algo que não se sabe bem o quê.
              Ainda ontem encontrei um texto antigo, nem parecia meu. E a planta que reguei a semana passada me pareceu tão estranha desta vez. Quase como se tivesse brotado no vaso que não plantei. Na minha cabeça, um vaso.
              O vazio impressionante de ideias deixa um vácuo preenchido de coisas que não brotam, estão lá porque foram colocadas ali para ornamentar de forma indistinta a escassez, a seca, a boca sedenta de um beijo que jamais será dado. De novo.
              O novo assusta tanto, mais que os demônios já conhecidos que nos assombram, mas dos quais não nos livramos porque nos são familiares. Familiares demônios com quem dormimos e acordamos vigilantes para um dia sonolento.
              O que é engraçado é julgar que alguma coisa possa ser conhecida, ainda que a tenhamos visto apenas na superfície. O copo onde se bebe o café todos os dias, o gosto amargo ou doce, de que é feito afinal? A química envolvente dos sentidos que nos iludem.
              Se houvesse uma forma de reproduzir, por computador, que seja, talvez, essa mesma química que nos faz viver uma experiência inédita e profunda. Se fosse possível duplicar essa nostalgia eternamente, ficar viciado nesse instante, suprimindo todos os outros instantes.
              Há tanta perda em se reduzir as coisas ao absoluto igual, memorável. E quando menos se pensa, quanto menos se sente, quanto menos se vive, mais sentimos que algo se foi, sem saber.
              Por outro lado há tantas perdas nas escolhas que fazemos, nos resultados que gostaríamos de ter, e que muitas vezes não alcançamos porque algo mudou. Mudei, você também. E o outro ali, e aquele lá, e todos e tudo e...nada.
              Tem dias que acordo com uma certeza irresolúvel e fico quieto esperando a dúvida aparecer. E as vezes aparece. Fantasmas sempre nos alcançam se ficamos parados, e correr dá tanto medo de não chegar jamais a um destino qualquer. Que nem sei se gostaria de estar. Mas lá vamos nós a luta de novo e de novo.
              Um amigo me disse que para lutar é preciso não ter medo de se machucar ao atingir o adversário. Só assim podemos atingir, com toda a força, e tornar mais doloroso para o oponente que para nós. E nocautear o que nos ameaça, vencendo o medo dentro de nós para poder vencer fora de nós. O medo.
              Eu tenho andado tão sozinho ultimamente. Aquela solidão que aterroriza quando somos jovens e não sabemos para onde ir, e precisamos de companhia para dividir o impossível e fingir que somos mais fortes que qualquer coisa. A solidão que com a maturidade se torna tão reconfortante, quando nos acostumamos a ouvir nosso pensamento e a duvidar de nossas certezas e a discutir com nossos preconceitos e a buscar algo de novo dentro de tudo o que já vimos e a buscar algo de novo no que nunca foi visto, porque descobrimos que somos bem menos do que imaginamos ser, mas que há espaço para muito mais e que talvez não dê tempo de alcançar o maior potencial que poderíamos ter se nos permitíssemos ir ao encontro do que nunca sabemos se existirá quando chegarmos lá.
              Eu tenho andado tão perdido, com medo de me encontrar por ai e não me reconhecer.
              Mas eu sei que, de alguma forma vou colidir com esse ser que sou eu. E ser eu será tão inédito que não restará espaço para dúvidas, até que as dúvidas apareçam.
              As coisas são tão iguais quando as queremos iguais, quando as queremos imóveis para que não se percam jamais. Para que nos sirvam de referência de onde estamos, até que nos perdemos de nós mesmos e tudo se move, tudo é estranho e tão comum. E tudo se perde.
              Eu sei que as nuvens colidem no céu. E os raios as unem a terra em uma síntese de energia que ficou recolhida por tempo demais. E o vento leva. O vento traz.

E nu vens...

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