Eu tenho andado tão perdido que nem sei.
Não sei como é possível se perder quando todas as
coisas continuam nos lugares. O planeta, continente, país, cidade, casa, lugar.
Nada muda de lugar, só as nuvens vêm e vão.
Então o que muda para que a gente possa se perder?
Depois de construir tantos caminhos para ir e vir, descobrir cada vez mais
coisas para ficar, não partir.
E, no entanto, cada vez mais nos sentimos perdendo,
algo que não se sabe bem o quê.
Ainda ontem encontrei um texto antigo, nem parecia meu.
E a planta que reguei a semana passada me pareceu tão estranha desta vez. Quase
como se tivesse brotado no vaso que não plantei. Na minha cabeça, um vaso.
O vazio impressionante de ideias deixa um vácuo
preenchido de coisas que não brotam, estão lá porque foram colocadas ali para
ornamentar de forma indistinta a escassez, a seca, a boca sedenta de um beijo
que jamais será dado. De novo.
O novo assusta tanto, mais que os demônios já
conhecidos que nos assombram, mas dos quais não nos livramos porque nos são
familiares. Familiares demônios com quem dormimos e acordamos vigilantes para
um dia sonolento.
O que é engraçado é julgar que alguma coisa possa ser
conhecida, ainda que a tenhamos visto apenas na superfície. O copo onde se bebe
o café todos os dias, o gosto amargo ou doce, de que é feito afinal? A química envolvente
dos sentidos que nos iludem.
Se houvesse uma forma de reproduzir, por computador,
que seja, talvez, essa mesma química que nos faz viver uma experiência inédita
e profunda. Se fosse possível duplicar essa nostalgia eternamente, ficar
viciado nesse instante, suprimindo todos os outros instantes.
Há tanta perda em se reduzir as coisas ao absoluto igual,
memorável. E quando menos se pensa, quanto menos se sente, quanto menos se
vive, mais sentimos que algo se foi, sem saber.
Por outro lado há tantas perdas nas escolhas que
fazemos, nos resultados que gostaríamos de ter, e que muitas vezes não
alcançamos porque algo mudou. Mudei, você também. E o outro ali, e aquele lá, e
todos e tudo e...nada.
Tem dias que acordo com uma certeza irresolúvel e fico
quieto esperando a dúvida aparecer. E as vezes aparece. Fantasmas sempre nos
alcançam se ficamos parados, e correr dá tanto medo de não chegar jamais a um
destino qualquer. Que nem sei se gostaria de estar. Mas lá vamos nós a luta de
novo e de novo.
Um amigo me disse que para lutar é preciso não ter medo
de se machucar ao atingir o adversário. Só assim podemos atingir, com toda a
força, e tornar mais doloroso para o oponente que para nós. E nocautear o que
nos ameaça, vencendo o medo dentro de nós para poder vencer fora de nós. O
medo.
Eu tenho andado tão sozinho ultimamente. Aquela solidão
que aterroriza quando somos jovens e não sabemos para onde ir, e precisamos de
companhia para dividir o impossível e fingir que somos mais fortes que qualquer
coisa. A solidão que com a maturidade se torna tão reconfortante, quando nos
acostumamos a ouvir nosso pensamento e a duvidar de nossas certezas e a
discutir com nossos preconceitos e a buscar algo de novo dentro de tudo o que
já vimos e a buscar algo de novo no que nunca foi visto, porque descobrimos que
somos bem menos do que imaginamos ser, mas que há espaço para muito mais e que
talvez não dê tempo de alcançar o maior potencial que poderíamos ter se nos permitíssemos
ir ao encontro do que nunca sabemos se existirá quando chegarmos lá.
Eu tenho andado tão perdido, com medo de me encontrar
por ai e não me reconhecer.
Mas eu sei que, de alguma forma vou colidir com esse
ser que sou eu. E ser eu será tão inédito que não restará espaço para dúvidas,
até que as dúvidas apareçam.
As coisas são tão iguais quando as queremos iguais,
quando as queremos imóveis para que não se percam jamais. Para que nos sirvam
de referência de onde estamos, até que nos perdemos de nós mesmos e tudo se
move, tudo é estranho e tão comum. E tudo se perde.

E nu
vens...