Gosto não se discute, todo mundo tem
direito a uma opinião, mesmo que contrária à maioria.
Mas Do Contra não tinha gosto, era
sempre contra tudo, tinha pavor do lugar comum e choque anafilático de qualquer
coisa politicamente correta.
Não tinha amigos, tinha
inquisidores, constantemente tentando provar que havia algo de errado com ele, misoginia,
misandria, misantropia, sociopatia, retardamento mental, qualquer coisa. Não
conseguiam.
Tratava a todos com respeito e
cordialidade, se preocupava com as pessoas e tentava ajudá-las, convivia com
grupos com a mesma tranquilidade com que ficava sozinho. Era eficiente no
trabalho, inteligente, de bom caráter e coração. Tinha que ter algo de errado
com ele.
— Gatos, todo mundo gosta de gatos...
Não, detestava pelos grudando em
tudo, aquele olhar traiçoeiro de quem só espera e quando não consegue,
abandona. Cachorros mordem, se sentem donos, fieis ao que lhes pertence.
Peixes, pássaros, nenhum animal de estimação. Só eram estimados ao longe,
de passagem. Uma carícia, um afago, um olhar, algum alimento lançado, a observar
se o comiam e ia embora.
— Ah, mas de mulheres tem que
gostar.
Mulheres querem sempre estar com a
razão, não aceitam críticas embora as peçam, mas querem apenas opiniões
favoráveis. Mentem naturalmente; querem ser consideradas fortes e resolvidas,
mas adoram um homem que as trate como dependentes, paguem as contas, dividam o
trabalho delas (não o dos dois), sejam afeminados e másculos. Mulheres não conseguem
viver nem consigo mesmas, por isso vivem procurando um culpado, que
invariavelmente é o homem e, as vezes, outra mulher.
— Então é gay, não saiu do armário.
Nada, achava ridículo essa coisa de
homossexual querer ser tratado de forma privilegiada para ser considerado “igual”.
Gente é gente e pronto, não tem que ser igual. A genética já diz que ninguém é
igual a ninguém, a opção sexual, o sexo, a cor, nacionalidade, qualquer bobagem
que tente agrupar as pessoas é um desrespeito a individualidade, a
especificidade de cada um. As pessoas se agrupam por interesses, mas não são
iguais, é um desrespeito querer forçar a serem uma coisa em comum. Era contra a
discriminação enrustida nas pré-definições artificiais que alguns queriam impor
a todo custo.
Era impossível, tinha que ter algum
gosto em comum com os outros, organizavam listas, bolões de aposta para
descobrir. Novelas, filmes, livros, autores, teatro, dança, música, esporte,
lazer, ciência, religião, filosofia.
Dava sempre confusão. Gostava de
alguma coisa, mas não a ponto de se interessar profundamente. Não odiava nada,
não amava nada, apreciava algumas coisas, não se interessava por outras,
respeitava quem tivesse prazeres diferentes. Não parecia humano.
— Deve ser extraterrestre. Só
pode...
Acreditava em vida fora da Terra,
mas duvidava que algum dia nos encontrássemos com eles ou pudéssemos trocar
informações.
Do contra parecia flutuar pela
superfície da vida, não parecia feliz, mas não tinha razões para ficar triste.
— O governo, todo mundo está contra
o governo atualmente.
Também não. Achava que o governo era
ruim, mas representava o povo que o votara, povo infantil que quando as coisas
ficavam feias chamavam o irmão mais velho, forte. Queriam democracia e quando
não funcionava como achavam que devia, pediam a volta da ditadura.Precisavam era amadurecer, assumir responsabilidades. Nem mesmo os militares
queriam a volta da ditadura, eram mais inteligentes que isso, estudavam a
história.
Não participava de manifestações a
favor ou contra nada, não gostava de festas gerais, de homenagens, de
imposições que determinassem previamente como deveria se sentir naquele dia,
naquele momento. Tinha a sua opinião e, se a pedissem, oferecia com tranquilidade
ou então a guardava silenciosamente para si.
Tinha senso de humor, ajustado de
acordo com o público, mais grosseiro para os menos instruídos, mais perspicaz
para os rápidos de raciocínio. Se dava bem com todo mundo, e ninguém conseguia
odiá-lo por muito tempo. Não era Do Contra para aparecer ou para impor algo,
apenas era refratário a definições que viessem de fora. Definia-se a si mesmo,
ninguém sabia exatamente como, embora todos tivessem alguma opinião a respeito.
Um dia começou a namorar,
contrariando todos os prognósticos.
A moça era bonita, amável, alegre,
engajada em várias causas, trabalhadora, decidida. Não tinha como durar algo
assim, não com Do Contra. Fizeram apostas. Quanto tempo dura? Vai ficar
arrasado depois ou vai ser indiferente? Criou-se inúmeras guerras entre os
conhecidos, torcidas a favor ou contra praticamente tudo. Parecia coisa de
novela das oito, a expectativa aumentando a cada situação. Vão ao cinema. Vão
ao restaurante. Foram dançar naquele clube. Foram viajar juntos. Deus, ficaram
noivos. Se casaram!!!
Contrariando a tudo o que previssem
o casal parecia dar certo de alguma forma sobrenatural. Não era possível. Logo
arrumava uma amante, ou ela arrumava um. Teria que haver brigas. Os filhos
seriam uns esquisitos.
Ninguém entendia a dinâmica que
movimentava os dois, eram tão opostos e ainda assim... Do Contra estava
escondendo alguma coisa para que ninguém soubesse. Só podia ser mentira aquilo.
Não parecia feliz, conformado, triste, amaldiçoado. Havia uma harmonia impossível,
criada só para contradizer a todos.
Provavelmente, quando morresse, Do
Contra seria examinado pelos maiores especialistas do mundo, sua vida dissecada
por historiadores, psicólogos, médicos, geneticistas, cientistas. Até a NASA
deveria estar de olho, os extraterrestres deveriam estar aguardando para raptar
o corpo, e só não o faziam antes porque em algum momento, algum deslize iria
ocorrer.
Mas, conhecendo Do Contra, alguns
sussurram que, provavelmente, vai sobreviver a todos e ter uma vida muito
longa. Isso porque se formos pensar, a morte é uma consequência final e unânime para todas as formas
vivas. Do Contra daria um jeito de ser eterno.
Quem quer entrar nesse bolão?
Quem quer entrar nesse bolão?
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