Quando o
Sr Silva deu por si estava em uma espécie de salão onde não se viam paredes,
teto e nem mesmo o chão parecia real...
— Sr Silva?! Acompanhe-me, por
favor.
Silva olhou para aquela entidade
trajando um belo terno branco muito bem cortado. Assemelhava-se a um daqueles
seguranças de cassino que o Silva..
— Estou recebendo sua ficha Sr
Silva. Bem extensa por certo. Vejamos, pequenos furtos na infância e na
juventude, uso e venda de drogas, promiscuidade, violência. Ah, aqui está,
virou líder comunitário para aumentar o seu poder de atuação, entrou para
política, ficou milionário por meios escusos, uma carreira e tanto Sr Silva...
Silva retesou-se todo, encarando o
seu interlocutor que parecia estar em contato com alguém por algum tipo de mecanismo
que ele não percebia qual era.
— Quem é você? Recuso-me a falar sem
a presença de meu advogado.
— Calma, Sr Silva! Aqui não vai
precisar de advogados. Eu sou o seu anfitrião, enquanto aguardarmos o resultado
da analise do Setor Jurídico. Alias, eles já entraram em contato com o setor
financeiro para verificar o seu debito conosco e determinar como será feita a
cobrança.
— Mas... mas... o que está
acontecendo por aqui?
— Ora, Sr Silva, o senhor veio para
o lado de cá e é hora de acertar as contas, mas não se preocupe com isso, por
enquanto, deixe que eu lhe mostre as dependências...
O Anfitrião colocou a mão sobre o
ombro do Sr Silva e logo estavam em outra lugar muito semelhante ao anterior,
mas este era cheio de boxes com equipamentos de telecomunicação operados por
uma infinidade de homens e mulheres, todos vestidos de branco.
Silva estava tão estarrecido que nem
conseguia raciocinar direito. Sentia-se como se estivesse em algum tipo
estranho de pesadelo ou alucinando.
— Que é isso? Telemarketing?
— Este é o nosso Setor de Mensagens
Divinas, daqui mandamos e recebemos mensagens para todo o universo. O nosso
Patrão acredita em gestão por resultados. Você acredita que antigamente tudo
isso era feito por um único mensageiro? Não admira que houvesse muita confusão.
Quando o patrão viu esse sistema do outro lado aderiu e adaptou para o nosso
uso. Agora podemos fazer muito mais...
— Mensagem Divina? Então essas
pessoas falam com os fiéis a partir daqui?
— Não Sr Silva — riu-se o anfitrião —
Que fiéis? Nós nos comunicamos com qualquer um que deseje entrar em contato e
falar conosco à partir do outro lado.
A mente fria de Silva lhe dizia para
se agarrar a qualquer detalhe, descobrir o que estava acontecendo. Deviam
ter-lhe dado alguma droga e estavam tentando arrancar-lhe os segredos. Melhor
entrar no jogo e ver o que poderia descobrir sobre essa organização.
— Então é uma espécie de atendimento
ao cliente?
— É, quase isso, só que a musica de
espera é celestial, e os atendentes realmente desejam ajudar quem entra em
contato conosco.
— Inacreditável..
— Foi o que o Patrão disse do
sistema de vocês, mas vamos...
Novo toque e logo estavam em um
outro lugar, onde milhares de pessoas se sentavam em frente a terminais de
computador, todas muito ocupadas com seu trabalho.
O Anfitrião deixou escapar um tom de
orgulho na voz.
— Este é o nosso Setor Contábil,
aqui são computados os débitos e os créditos de todos do outro lado. Não
queremos que ninguém saia com menos do que merece.
— Isso ai nas mesas? São
computadores?
— Digamos que esta é a versão
celestial daquilo que vocês têm do outro lado. Estes são rápidos, eficientes,
não travam nunca e realmente facilitam o trabalho. Mas vamos, deixe-me mostrar
o Setor de Planejamento.
Logo estavam em outra sala. No
centro havia uma imensa mesa onde inúmeras pessoas trocavam papeis, faziam
anotações e discutiam entre si.
— Esta é a melhor parte! Aqui todos
se dedicam a criar estratégias para melhorar o universo.
— Eles parecem muito ocupados, mas
quem decide qual a melhor estratégia?
— Ora, o Patrão decide tudo sozinho.
Na verdade nunca adota as sugestões que esses fazem, mas não lhes diga isso.
— Mas, então, por que eles estão
aqui?
— Porque querem! Alguns até
acreditam que estão conseguindo mudar alguma coisa, e no fim ninguém se
machuca. “Deixe-os se divertirem”, é o que o Patrão diz.
Outro toque, outro lugar, agora cheio de pessoas
que se banqueteavam com inúmeras iguarias servidas em fartas bandejas.
— Aqui é o nosso refeitório, tudo o
que imaginar e até o que jamais imaginou em termos de delícias gastronômicas
está aqui, é só se servir até ficar satisfeito.
O Sr Silva ia aceitar a sugestão,
mas percebeu que já estava em outro lugar, nem sentiu o toque desta vez.
Imensos ambientes com todos os tipos
de jogos e brincadeiras atendiam a um numero sem fim de pessoas.
— Este é o nosso Salão de Jogos, o
Patrão adora jogos! Soube que ele vive jogando com o Pai. Alias acho que herdou
essa característica dele..
— E eu que pensei que seria proibido
jogar no paraíso.
— Proibido? Paraíso? Senhor Silva, onde
acha que está? No Paraíso ninguém trabalha. Lá a festa e diversão ocorrem o
tempo todo. Sempre tem muita musica, muita alegria e...
— Mas, você disse que estamos do
outro lado e se isto não é o Paraíso, o que é?
— Ora Sr Silva, aqui é onde se trabalha! Alguém precisa manter o Paraíso funcionando. Mas até que não é tão mal assim,
ainda mais que, quando alguém se cansa, pode tirar umas férias lá, por conta da
casa.
— Mas o paraíso não é abastecido
pela “Graça Divina de Deus”?
— O Pai? Onde você andou pelos
últimos milênios, Sr Silva? Acredita realmente que nada mudou no Paraíso
durante esse tempo? Entenda, o Pai está cuidando de um projeto particular dele,
enquanto isso o irmão Gabriel cuida do Paraíso e o outro irmão cuida daqui. Mas
aqui entre nós, não chame ele de irmão que ele não gosta. Nós o chamamos de Patrão.
Para ser sincero a ideia veio de vocês, do outro lado.
— Então o seu Patrão é o ... Caído?
— Ah, senhor Silva, não fale assim.
Ele até que esta bem em forma apesar da idade.. — e o anfitrião riu da própria
piada, mas logo ficou sério, concentrado — Um minuto, já levantaram a sua
ficha. Ok! Vamos embora...
O Sr Silva se viu em um imenso
terminal de passageiros onde pessoas apressadas se encaminhavam para seus
destinos.
— Sr Silva, chegamos ao fim de sua
jornada..
— Mas onde estamos?
— Na estação de embarque, queria lhe
mostrar tudo, mas o pessoal do jurídico está cada vez mais rápido e eficiente.
Já foi dada a sua sentença.
— Como assim, e o julgamento, meu
advogado?
— Eu já lhe disse, Senhor Silva, não
precisamos de advogados por aqui, embora os tenhamos aos milhões. O sistema é
muito eficiente e justo, acredite.
— E o que vai acontecer comigo?
— Mas não é obvio? O senhor tem
muitas dividas e precisa pagá-las todas. O Patrão é muito rigoroso nesse ponto,
nada de perdoar as dividas. Se pelo menos a sua ficha fosse um pouco melhor
poderíamos entrar com um pedido de apelação junto a Gabriel — e riu-se de novo
— mas no seu caso...
— Espere, pelo que entendi o seu “Patrão”
é o diabo e aqui é o Inferno. É aqui que tenho que ficar pela eternidade.
Foi isso que me disseram do outro lado, você não pode me mandar embora...
— Pois é, Senhor Silva, aquilo que
já te falei dos mensageiros. — O anfitrião ficou com uma cara consternada — Deixe explicar, as coisas por aqui mudaram nos últimos milênios, o Patrão
conseguiu um acordo com o Pai e passamos a prestar serviços para o Universo e
ainda cuidamos da manutenção do Paraíso.
— Mas e os castigos eternos? E a
danação eterna? Sem falar da redenção dos justos? Onde fica tudo isso agora? Eu
tenho que ficar aqui no inferno pra sempre! Vocês não podem simplesmente me por
para fora assim, eu pertenço a este lugar!!!!
— Isso é passado, Sr Silva —
respondeu o Anfitrião sério, um tanto irritado — Ninguém tem paciência de ficar
fazendo a mesma coisa pela eternidade. Aqui o pessoal que foi autorizado a
ficar vai se revezando nos trabalhos e no lazer e todo mundo fica satisfeito,
sem encrenca. Tudo muito justo.
— Deus! Então o inferno não existe
mais? Isso não é possível...
— Esse é o problema. Por aqui só
podem ficar aqueles que tem condições de justificar a permanência ou pelo menos
uma temporada, o resto a gente manda para lá.
— Para o inferno?
O anfitrião voltou a sorrir de uma
forma estranha.
— O senhor é divertido, Sr Silva. Gostaria de que ficasse um pouco mais, mas temos que manda-lo para o seu lugar e este não
fica do lado de cá, fica do outro lado. Melhor sorte da próxima vez, Sr Silva, aproveite
a estadia, aqui está o seu bilhete. Adeus...
O Sr Silva ainda teve tempo de ver o
que estava escrito no seu bilhete de embarque:
Expresso Inferno: Classe Econômica.
Destino: Terceiro
Planeta do Sistema Solar – Terra.
E todos
sorriram na maternidade São Tomé quando ouviram o choro daquele que acabava de
nascer...
Um comentário:
Aleatoriamente,
Obrigado por participar do nosso blog, seja sempre bem vinda.
Forte Abraço
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