sexta-feira, 23 de março de 2018

O Caminho do Meio - Danny Marks



 Está cada dia mais difícil conviver com as pessoas de forma civilizada, por isso que muita gente acaba fazendo trilhas off-road, para relaxar o espirito e ter um contato melhor com a natureza. O problema é que, em tempos chuvosos, o carro fica parecendo bife à milanesa, com aquela crosta envolvendo por todos os lados, que até desanima.
          Mas quem tem uma lava jato como o meu vizinho de frente, não se assusta com a coisa por mais ruim que pareça, e os problemas vão se dissolvendo rapidamente diante dos poderosos efeitos dos jatos da limpeza, que arrancam qualquer sujeira, por mais escondida que estivesse. Revelando no processo as histórias passadas em lugares sombrios e escorregadios.
          E voa sujeira e lama grossa para longe, enquanto a verdadeira e brilhosa tinta da civilidade vai sendo revelada. Que o diga o vizinho do lado esquerdo do meu vizinho de frente. E diz! Com gritos que atravessam a rua e chamam a atenção do bairro todo.
          Imediatamente começa uma campanha para terminar com essa operação da lava jato que está sujando completamente o seu quintal. Nem adianta dizer que aquela sujeirada toda não estava lá antes, e que é completamente ilegal fazer algo daquele jeito. Ameaça de todas as formas possíveis e imagináveis, faz campanha para mobilizar e até passeata colorida, com bandeirinhas e tudo.
          O vizinho da direita do meu vizinho de frente ao ouvir o clamor da multidão embalada pelas músicas que se criaram no calor do momento para dar ritmo à manifestação, logo toma partido, defendendo a decência de retirar a sujeira doa a quem doer. Como assim não havia sujeira no seu quintal se todo mundo sabe que sempre esteve lá. Está é contra a operação da lava jato porque gosta mesmo da sujeira, e a prova está lá naquele carro que só vê agua quando chove ou alaga. Como o carro não é seu se quem usa é a sua família? Que empresa que nada. E tem mais, já dá para sentir o cheiro de que tem algo muito podre lá para o lado da esquerda.
          Enquanto a briga rola solta, o da direita brigando com o da esquerda (com direito a passeatas, bandeirinhas, bandas de música que aproveitaram para fazer o comercial do seu show, e até um ou outro artista que aproveita para ensaiar uma pantomima), o vizinho da frente termina um dos lados e começa a limpar o outro, e tome sujeira voando para o outro lado.
          Aí o bicho pega feio, o da direita reclamando que assim não pode ser, que na verdade isso foi uma manobra da esquerda para tumultuar toda a situação, que vai acionar as autoridades máximas para acabar com a bandalheira. O da esquerda começa a tirar um sarro, dizendo que vai voar lama no telhado de vidro e no jardim japonês. Quer mais é ver as carpas nadando na lama para ver como é a vida de peixe pequeno. Onde está o apoio que estava dando agora que a coisa virou de lado?
Como o barulho estava alto que ninguém mais se entendia, logo apareceu um megafone, carro de som e até chamaram a reportagem para apresentar os fatos incontestáveis. E a notícia foi se espalhando tanto que logo tinha jornaleiro vendendo até revista encalhada para garantir um trocado. Até veio gente do outro bairro para assistir a briga, e não demorou para aparecer uma turma com mascaras ninja distribuindo cartão, divulgando os seus serviços, mão de obra pronta para entrar em ação. Até quiseram dar uma demonstração, mas a multidão acabou abafando o caso, vai que a polícia aparece e acaba com a festa.
          Não demorou muito para ter barraquinha vendendo lanche, camisetas deste ou daquele lado, utensílios simbólicos, placas feitas na hora e fogos de artifício. Um outro lá da ponta começou a alugar cadeira na calçada para os que queriam tomar partido de longe, mas teve que levantar uma cerca no meio da rua para evitar confrontos que destruíssem o seu investimento.
          Quando a coisa parecia que não podia piorar, a turma que estava vendo tudo pela TV, na sala do vizinho da frente, começa a reclamar do barulho exigindo uma compensação em salgadinhos, pipoca, refrigerantes e cervejas. Uma dona sobe na mesa e grita que só aceita de vinho para cima, que de pobreza já chega os que estão em volta, e logo uma galera protesta ofendida com o comentário, exigindo explicações.
          Quase exaurido com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, a lava jato já ficando sem força de tanta gente pisando na mangueira, e sem ter para onde correr diante da catastrófica situação, o vizinho da frente resolve tomar uma atitude impensável até então e, em um ato completamente autoritário e totalmente reprovável, pela minha perspectiva, pega o carro e vem me devolver sem terminar o serviço, pelo qual, é claro, não vou querer pagar, não adianta.
Agora estou com esse problema em mãos. Como vou poder fazer o próximo off-road com o carro daquele jeito? E, cá entre nós, não dá para suportar conviver com esse tipo de vizinhança sem dar uma escapada de vez em quando. Ninguém merece essa barbárie toda.


Então fica o meu apelo, compungido: Alguém por aí sabe de alguém que tenha uma lava jato e faça um serviço confiável?

(25/08/2016)

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